Revista Casa Marx

Trotsky diante do fascismo, a crítica de Perry Anderson e a revisão de Nahuel Moreno à Revolução Permanente

Elizabeth Yang

Em um artigo publicado em maio na revista Jacobin, o historiador e militante da esquerda brasileira Valerio Arcary (PSOL–Resistência) retoma a crítica feita por Perry Anderson à análise de Leon Trotsky sobre o fascismo. Seu objetivo é relacioná-la à revisão realizada por Nahuel Moreno (nos anos 1980) às Teses da Revolução Permanente, conferindo a elas uma nova valorização como estratégia para enfrentar as extremas direitas de nosso tempo.

Em primeiro lugar, é claro, não podemos deixar de concordar com o posicionamento final de que não se pode repetir mecanicamente o que escreveram os grandes marxistas revolucionários do passado, sem considerar a análise concreta da situação em que nos encontramos. Nesse sentido, a Fração Trotskista–Quarta Internacional realiza esforços permanentes por meio da publicação de livros, assim como jornais da nossa rede internacional, revistas teórico-políticas e de debates, promovendo tanto o resgate dos clássicos quanto novas elaborações que combinam rigor e imaginação revolucionária. Só pela Ediciones IPS Karl Marx da Argentina, já são mais de cem publicações de clássicos e obras de autores marxistas, incluindo principalmente as novas gerações (outros exemplos são a Editora Iskra no Brasil, as revistas RP Dimanche na França, IdZ e Armas de la Crítica, além da Rede Internacional de Jornais com 15 publicações em 7 idiomas).

Trotsky e a Frente Única Operária

Achamos importante fazer algumas clarificações conceituais presentes no artigo. A política de Trotsky para enfrentar a ascensão de Hitler foi, em especial, a da Frente Única Operária (FUO). Essa frente não se limitava apenas a organizações de esquerda, como menciona o artigo, mas incluía organizações operárias, o Partido Comunista e a social-democracia (SPD). O Partido Comunista já estava burocratizado, dominado pela burocracia stalinista, e Trotsky havia sido expulso da URSS. No entanto, ainda simbolizava a grande conquista da Revolução Russa e o primeiro Estado operário. Por sua vez, a social-democracia alemã carregava toda a tradição das conquistas da classe trabalhadora e uma ligação direta com os poderosos sindicatos alemães.

Apesar de sua política já ser reformista — especialmente após a traição aberta na famosa votação a favor dos créditos de guerra, apoiando diretamente a entrada da Alemanha na Primeira Guerra Mundial, e no posterior assassinato de Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo —, para expressar esse duplo caráter, durante muito tempo os partidos da social-democracia foram considerados como partidos operário-burgueses.

Em uma carta a um operário comunista alemão, Trotsky sintetiza a política da FUO sob o título “Por uma frente única operária contra o fascismo”. Foi escrita em 1931, com o objetivo de evitar a ascensão de Hitler. Nesse artigo, ele explica claramente a importância de alcançar acordos práticos para enfrentar o fascismo, com objetivos de luta e de combate, sem outros compromissos políticos ou programáticos — “sem misturar bandeiras”, como diria Lenin —, e todo o restante da política consistia em “marchar separados”.

Atualmente, a grande maioria dos partidos oriundos da velha social-democracia ou partidos operários reformistas com influência de massas avançaram para um caráter social-imperialista, devido à sua colaboração direta na restauração burguesa dos anos 1990, perdendo seu caráter operário. O caso mais emblemático talvez seja o Partido Trabalhista (Labour Party) da Inglaterra, em sua aliança com Margaret Thatcher. Ou seja, nos dias de hoje, a política de Frente Única Operária está praticamente reduzida às centrais sindicais, aos sindicatos ou a outras organizações operárias com ampla influência de massas — ainda que sua estratégia política, muito própria do sindicalismo, esteja limitada à defesa dos direitos de seus trabalhadores filiados ou à conquista de alguma melhoria frente aos capitalistas.

A política em relação à pequena burguesia e a Frente Popular

A crítica de Perry Anderson retomada por Arcary pertence ao livro Considerações sobre o marxismo ocidental (1976, 1ª ed. em inglês), onde ele afirma, sobre Trotsky, que “enquanto em seus ensaios sobre a Alemanha sublinhava a imperiosa necessidade de ganhar a pequena burguesia para uma aliança com a classe operária (citando como exemplo o bloco contra Kornilov na Rússia), em seus ensaios sobre a Frente Popular [N.E.: da França] descartava a organização tradicional da pequena burguesia local, o Partido Radical”.

Aqui, Anderson confunde a representação político-partidária da pequena burguesia. Como bem afirma Trotsky em seus escritos sobre a Frente Popular na França, essa aliança se tratava de “uma coalizão do proletariado com a burguesia imperialista, representada pelo Partido Radical”. Essa polêmica está mais desenvolvida no livro Estratégia Socialista e Arte Militar, de Emilio Albamonte e Matías Maiello, uma importante elaboração dos dirigentes do PTS – Argentina(p. 267 e 268).

A tática da FUO era totalmente oposta à da Frente Popular. Enquanto a primeira buscava fortalecer o proletariado, numa luta muito defensiva, na busca da maior força possível na unidade — sintetizada na fórmula “Marchar separados, golpear juntos!” —, a segunda política era “marchar juntos para serem golpeados separadamente”. A Frente Popular implicava arrastar a classe trabalhadora à unidade com os interesses da burguesia imperialista, representada no Partido Radical, sob sua política de “defesa nacional”. Enquanto a situação da França em 1936 ficou presa em conflitos isolados e levantes parciais, sem uma Greve Geral que pudesse derrotar a Frente Popular — ou seja, a burguesia imperialista francesa — e assim abrir caminho para uma efetiva luta revolucionária.

As derrotas do movimento operário na França e na Espanha nos anos 1930 foram cruciais para abrir o caminho rumo à Segunda Guerra Mundial.

Trotsky e o POUM

Arcary também retoma a crítica de Anderson sobre a Revolução Espanhola: “Trotsky não apenas não era infalível, mas, além disso — e por diversos fatores — durante a Revolução Espanhola subestimou a necessidade de uma aliança mais ampla em defesa da República e acabou por romper relações com o Partido Operário de Unificação Marxista (POUM) de Andreu Nin.”

Aqui, novamente, a divergência diz respeito à Frente Popular que chega ao poder em 1936, formada pelo Partido Comunista, o Partido Socialista (PSOE) e um setor minoritário de burgueses republicanos (o Partido Radical), e cujo objetivo era impedir o avanço da direita católica. O problema, mais uma vez, foi que os interesses da classe trabalhadora ficaram subordinados aos da burguesia republicana, por menor que fosse esse “setor minoritário”. Um problema fundamental é que não aceitavam a reforma agrária. Declararam isso explicitamente em seu programa, ao afirmar que “os republicanos não aceitam o princípio da nacionalização da terra e sua entrega gratuita aos camponeses”, e também rejeitavam a independência da colônia espanhola no Marrocos. Assim, foi a própria Frente Popular que impediu a aliança da classe operária com os camponeses (a pequena burguesia espanhola). Dessa forma, os camponeses, sem nenhuma proposta que os favorecesse, acabaram — não todos, mas em grande parte — apoiando Franco. E o mesmo aconteceu com as tropas marroquinas.

Nesse contexto, a ruptura de Trotsky se deu no momento em que o POUM ingressa, em janeiro de 1936, em um bloco eleitoral com base em um programa comum com a burguesia republicana, e vence as eleições em fevereiro. Não se tratava, portanto, de uma subestimação da necessidade de uma “aliança mais ampla em defesa da República”, como afirma Arcary, mas sim da necessidade de alcançar uma determinada correlação de forças, que nunca pode ser estabelecida fora da luta de classes — e menos ainda sem um programa claro que possibilite uma verdadeira aliança operário-camponesa.

O exemplo sobre a Revolução Russa citado no artigo — o mesmo usado por Anderson — refere-se ao momento em que se enfrentou a tentativa de golpe de Kornilov. Nesse caso, o objetivo era acompanhar as massas para que concluíssem sua experiência com Kerensky, o governo democrático-burguês resultante da revolução de fevereiro. Os bolcheviques estavam na mesma trincheira que o governo provisório, combatendo Kornilov — uma ação muito clara e concreta. Portanto, a chave não era o apoio político, nem a partilha de um programa político comum dentro do compromisso de uma aliança em uma frente única, mas o uso dessa “confluência” militar para combater a direita golpista e armar o proletariado. Assim que o golpe foi derrotado, Kerensky (o democrático-burguês) liderou a repressão contra as ocupações de terra no campo, e os SR (o partido camponês) romperam abertamente com sua direção tradicional no governo. Esse fato foi fundamental para avaliar a maturidade das condições subjetivas para passar à ofensiva pela tomada do poder. Além disso, os bolcheviques — embora seu programa previsse a nacionalização e socialização da terra — incorporaram a luta pela reforma agrária para viabilizar a aliança de classes revolucionária.

Trotsky e a Segunda Guerra Mundial

Perry Anderson argumenta que houve uma suposta guinada sectária de Trotsky após a ascensão de Hitler. Essa guinada também teria se refletido em sua posição sobre a Segunda Guerra Mundial, ao caracterizá-la como uma guerra inter-imperialista. Para Arcary, essa crítica acerta em cheio e o aproxima de Nahuel Moreno, ao afirmar que a Segunda Guerra Mundial “não deveria ser reduzida a um confronto inter-imperialista, pois nesse grande conflito convergiram várias guerras — uma guerra contrarrevolucionária contra a URSS, uma guerra nacional na China contra o Japão, uma guerra nacional na Grécia contra a ocupação alemã e uma guerra mundial do fascismo contra os regimes liberal-democráticos — entre dois regimes de dominação.”

O PTS polemizou com essa caracterização de “guerra de regimes” há mais de trinta anos, na revista Estrategia Internacional nº 3, de janeiro de 1994. Seu autor, Manolo Romano, argumenta que é uma incongruência falar em luta de regimes para além das fronteiras nacionais, já que, por definição, o regime é a forma política que adquire o conteúdo social de um determinado Estado dentro de seu território. E, nesse caso, se se tratasse de um confronto internacional de regimes, então seria necessário falar de um Estado supranacional.

Por outro lado, embora a própria categoria de imperialismo implique um grande desenvolvimento dos monopólios, isso não significa que se anulem as disputas entre os Estados que os representam.

Tampouco o fascismo era (ou é, para aqueles que equiparam as atuais extremas-direitas a ele) um novo tipo de sistema social distinto do capitalismo, baseado em relações sociais de produção ainda mais reacionárias.

Nahuel Moreno e a revisão da Teoria da Revolução Permanente

A partir da ideia de “guerra de regimes” para a Segunda Guerra Mundial, Arcary passa a afirmar que Moreno chegou à conclusão de que era “necessário revisar ao pé da letra as teses de Trotsky sobre a revolução permanente”. Aqui, ele se refere à revisão da Tese 4, na qual Trotsky sustenta que, além de alguma etapa episódica, “a realização da aliança revolucionária do proletariado com as massas camponesas só é concebível sob a direção política da vanguarda proletária organizada em Partido Comunista”, referindo-se ao partido revolucionário, já que as teses foram formuladas antes de 1933.

Ao afirmar que é possível conquistar uma revolução democrática como etapa prévia e necessária, sob qualquer direção, Moreno aproximou-se perigosamente de uma concepção etapista da revolução socialista. E essa revisão também alteraria toda “a estratégia em relação aos partidos oportunistas e, em boa medida, aos partidos burgueses que se opõem ao regime contrarrevolucionário” (Moreno, Escola de quadros: Argentina 1984, página 49, transcrito por Arcary em sua nota).

Em última instância, toda a política se resumiria ao fato de que, para enfrentar o fascismo, as contrarrevoluções ou as ultradireitas do nosso tempo, seria necessária a aliança com partidos oportunistas e burgueses.

No entanto, como vimos nos exemplos da França e da Espanha, essa política de colaboração de classes nos Frentes Populares não foi eficaz, enfraqueceu o proletariado e foi claramente combatida por Trotsky.

É claro que ninguém pode negar a conquista de vitórias parciais, subprodutos de uma luta com tendências revolucionárias, alcançadas apesar das direções ocasionais. Vimos isso em processos de lutas com jornadas revolucionárias na saída do neoliberalismo dos anos 1990 (como nos casos da Argentina e da Bolívia), e também na saída das ditaduras do Cone Sul.

Provavelmente, Moreno tenha se impressionado com o colapso da ditadura argentina, a partir da derrota na guerra das Malvinas, que deixou um vácuo de poder por alguns dias e provocou uma rejeição generalizada das massas contra a ditadura, cujas consequências perduram até hoje em um divórcio com as Forças Armadas que a burguesia não consegue recompor para sua estratégia de dominação. Sob essa influência, chegou a escrever um livro intitulado 1982 começa a revolução (para um desenvolvimento maior dessa polêmica, pode-se consultar a já citada Estratégia Internacional, “Polêmica com a LIT e o legado teórico de Nahuel Moreno”).

Para finalizar, Arcary adota uma citação de Moreno sobre a Segunda Guerra Mundial, na qual ele afirma que seria preciso precisar bem “qual foi o fator determinante. A luta do regime fascista foi essencialmente contra a URSS, mas também contra a democracia burguesa? Ou foi o fator econômico, a disputa entre imperialismos pelo controle do mercado mundial?”.

A dúvida com que conclui a nota está mal formulada, porque o objetivo de derrotar a URSS não era apenas do regime fascista, mas do conjunto do capitalismo imperialista, independentemente de sua forma de regime político. Nesse sentido, Trotsky era defensor da URSS e, diante da invasão alemã, teria estado na trincheira soviética.

Apenas com a restauração burguesa dos anos 1990 o imperialismo alcançaria esse objetivo — que, no novo milênio, voltaria a ser questionado com a crise capitalista de 2008.

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