Institucional
Confira na íntegra a entrevista exclusiva de Thiágo Ávila para o Esquerda Diário
Publicado em 17 jun 2025 • Última modificação em 17 jun 2025

Nesta entrevista exclusiva ao Esquerda Diário, realizada em 14 de junho, poucos dias após seu retorno ao Brasil, Thiago compartilha os bastidores da missão Flotilha da Liberdade e denuncia as violações cometidas por Israel, criticando a omissão do governo brasileiro e convocando a classe trabalhadora e os movimentos sociais à solidariedade ativa. Com a experiência de quem enfrentou de perto a violência do imperialismo e do sionismo, ele traz reflexões importantes sobre o papel do internacionalismo, da ação direta e da luta anticolonial em nosso tempo.
Nos últimos meses, o cerco imposto por Israel à Faixa de Gaza se intensificou, provocando uma crise humanitária de proporções históricas. Em meio ao silêncio cúmplice de diversos governos e ao bloqueio midiático internacional, ações de solidariedade direta surgem como resistência. É nesse contexto que o ativista e militante Thiago Ávila participou de mais uma missão da Flotilha da Liberdade, iniciativa internacional que tenta romper o bloqueio marítimo e levar ajuda humanitária ao povo palestino.
Letícia Parks conduziu a entrevista em nome do Esquerda Diário. Durante a entrevista Thiago compartilha os bastidores da missão Flotilha da Liberdade e denuncia as violações cometidas por Israel, criticando a omissão do governo brasileiro e convocando a classe trabalhadora e os movimentos sociais à solidariedade ativa. Com a experiência de quem enfrentou de perto a violência do imperialismo e do sionismo, ele traz reflexões importantes sobre o papel do internacionalismo, da ação direta e da luta anticolonial em nosso tempo.
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{{Assista na íntegra a entrevista:
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{{Leia na íntegra a transcrição da entrevista abaixo:
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{ {{Letícia – Esquerda Diário:}} } Pessoal, a gente tá aqui no dia de hoje, 14 de junho, alguns dias após o retorno de Thiago Ávila ao Brasil, né? Em primeiro lugar, o Esquerda Diário… a gente tá aqui pela Esquerda Diário e vamos entrevistar o Thiago hoje. Thiago, em primeiro lugar, queria dizer que a gente tá muito aliviado. “Contente” acho que não é bem a palavra pro momento, mas aliviado de ter você de volta em segurança, né? Acho que todo mundo tá muito aflito com o que aconteceu contigo e com toda a tripulação da flotilha.
Então, queria desde já te agradecer por, enfim, ter levado essa mensagem e, em nome de todos nós, a gente se solidariza muito. E te dizer que a gente tá à disposição com todos os nossos meios pra te defender. Enfim, a gente sabe que podem vir perseguições, podem vir ataques, e todos os nossos meios estão à sua disposição.
{ {{Thiago Ávila:}} } Obrigado, Letícia. Fico super feliz. Queria agradecer ao Esquerda Diário por estar acompanhando, não só essa, mas todas as demais missões da flotilha. A verdade é que tem 20 anos que eu me dedico à militância, e a maior parte desses anos os veículos de vocês, enquanto organização política, sempre tiveram de solidariedade. Eu não lembro uma única vez que eu fui preso que vocês não fizeram uma nota de solidariedade, por exemplo. Então eu fico super feliz de estar com vocês nesse momento também, podendo contar um pouquinho do que a gente passou. Obrigado pela força.
{ {{Letícia – Esquerda Diário:}} } Legal. Bom, eu vou começar com uma pergunta que é de você contar um pouco sobre a flotilha mesmo, assim, né? Como que veio essa decisão de participar? Não é a primeira vez que você vai, né? Qual que é a história da flotilha? O que leva a flotilha a ter esse tipo de prática? Conta um pouco pra gente sobre isso.
{ {{Thiago Ávila:}} } Legal, Letícia. Bom, nós que viemos de uma formação marxista sempre soubemos que o internacionalismo proletário é algo necessário pra gente alcançar a transformação do mundo…Bom, nós que viemos de uma formação marxista sempre soubemos que o internacionalismo proletário é algo necessário pra gente alcançar a transformação do mundo. E as revoluções que a gente gostaria de fazer… ao mesmo tempo, é muito difícil, numa militância marxista do cotidiano da vida do Brasil, numa militância da periferia do sistema capitalista no seu global, a gente conciliar a nossa militância concreta, diária, na cidade, no campo, na floresta, com uma militância internacionalista.
Isso sempre era uma frustração muito grande, assim, porque eu sempre acompanhei essas causas. Desde que, quando eu comecei a me politizar, 20 anos atrás, estavam justamente acontecendo processos na Palestina, invasão de Israel ao Líbano, escalada de genocídio e a guerra do Iraque acontecendo, dos Estados Unidos invadindo o Iraque… e eu ficava muito frustrado. Parecia como se a gente tivesse lutando a nossa batalha aqui, mas um pouco afastado das grandes linhas da história, né? E aí eu tentava me envolver nisso com coletivos, e a internet era muito diferente naquela época, os meios de comunicação. Então era através de e-mail, de mensagem, aplicativos bem rudimentares de mensagem, e tentando me conectar com esses coletivos, essas organizações.
Em 2010, eu fiquei sabendo que tinha um grupo indo para uma missão de barco para tentar romper o cerco ilegal de Israel sobre Gaza — porque o povo palestino vive oito décadas de genocídio, de limpeza étnica, que se estruturou num Estado de colonização e apartheid, uma ditadura terrível que é liderada não por uma religião, mas por uma ideologia racista e supremacista que é o sionismo. Eu compreendi isso há 20 anos atrás e desde então eu fiquei muito chocado em ver o quanto essa ideologia é odiosa, o quanto ela tenta permear todas as demais sociedades, inclusive aqui no nosso país, e o efeito destrutivo que ela tem aliado ao maior, mais perigoso, mais destrutivo império que a humanidade já inventou, que é o imperialismo estadunidense.
Então, acompanhar esse processo à distância foi sempre muito difícil. E eu vi esse grupo que tava indo em 2010 tentar romper o cerco — de 18 anos hoje — que começou em 2007, de Israel sobre Gaza. Eu fiquei encantado com aquilo. Falei: “Poxa, que massa! Um grupo de ativistas internacionais, né?”
Aqui a gente não tem muito hábito de chamar de ativista, mas em inglês se usa “ativista”. Aqui a gente chama de “militante”. Parece que “ativista” é aquela pessoa que só tem uma causa, que não fala da totalidade, né? E tal. Tô nessa confusão, mas eu vou usando “ativista” pra conciliar com a forma que a gente se comunica em inglês com as outras pessoas. Mas ativistas de vários países do mundo, indo romper o cerco ilegal de Israel sobre Gaza de barco!
Eu fiquei encantado com aquilo. Eu mandei um e-mail: “Me deixa fazer parte disso, por favor!” Eu era um jovem de 23 anos naquela época, pedindo: “Eu quero muito fazer parte disso! Como que eu faço? Como que eu faço?” Só aperreei tantas pessoas lá que eles falaram: “Vem! Mas você tem que pagar sua passagem.” Então eu falei: “Ixi… então não dá.” Porque como é que ia fazer um jovem de 23 anos, a mãe doente, a família sob endividamento médico severo? Então, não fui. E aquela missão foi atacada e assassinaram 10 pessoas há 15 anos atrás. E aquilo era a Flotilha da Liberdade. Esse foi o primeiro contato que eu tive com a flotilha, e aquele momento ficou… não só uma frustração de que eu queria estar lá para pelo menos tentar ajudar em alguma coisa, né? Mas também aquela questão de que poderia ter sido eu, porque pessoas como eu estavam lá naquela missão — uma missão humanitária, uma missão não-violenta, que usa tática não-violenta.
Aquilo ali foi uma frustração muito grande. A flotilha sempre ficou no meu imaginário como uma missão extremamente corajosa, extremamente perigosa também, mas extremamente eficaz de solidariedade ao povo palestino. E foram passando os anos. Eu fui me envolvendo mais na causa palestina, estive na Palestina, estive em todos os países da região também, colaborando com ações de solidariedade. Até que chegou o momento de novo de me reconectar com a flotilha. Eu me tornei coordenador internacional da flotilha. Hoje sou um dos coordenadores internacionais que coordena as missões que a gente leva. Eu que treino as nossas equipes — junto com uma equipe, né — mas nessa missão eu tava responsável por treinar nossa equipe em ação direta não violenta, em como lidar com situações de emergência, de ataque. Há um mês atrás, eles bombardearam o nosso barco e não mataram ninguém por um milagre. E esse novo barco tinha apenas 12 pessoas, os riscos eram altíssimos. Então os riscos de segurança também eram, então a gente tinha muito foco no treinamento, na preparação dos nossos militantes.
A flotilha tem esse objetivo: romper o cerco ilegal de Israel sobre Gaza, mostrar que Gaza vive sob cerco há 18 anos, mostrar que o povo palestino sofre de genocídio, de limpeza étnica, e mostrar que, a partir da solidariedade, os povos do mundo não vão assistir a um genocídio e ficar calados. E que ações de tática não violenta — embora a gente saiba, e nós enquanto revolucionários, sabemos que as revoluções são feitas de formas diferentes — mas que essas táticas não violentas têm um poder na luta anticolonial muito forte.
Na independência da Índia tiveram um papel importante, na luta contra o apartheid da África do Sul tiveram um papel importante, na luta contra as leis de segregação racial nos Estados Unidos, por exemplo, também tiveram um papel importante. E que na causa palestina também sempre tiveram um papel importante, e que do movimento de solidariedade ao povo palestino também tinham. Então eu fiquei muito orgulhoso de fazer parte disso.
Isso é uma construção bonita, ampla, socialmente ampla até no sentido político, porque junta ativistas pela paz que não são marxistas revolucionários como nós, mas que entendem o imperialismo como um mal, entendem que matar crianças de fome é errado, entendem que bombardear hospitais, escolas, abrigos é errado. E nesse momento, isso é suficiente para caminhar junto em solidariedade ao povo palestino. Então tem sido uma honra e uma satisfação poder fazer parte disso. Essa é a quarta missão que eu mesmo participo fisicamente. E essa foi a primeira interceptação que eu sofri em Israel. Não foi a primeira vez que eu tive contato com os armamentos deles, com as bombas deles. Estive no Líbano durante os bombardeios também. Infelizmente, vi coisas que nenhum militante deveria ver — nenhuma pessoa deveria ver — mas que é pedagógico que se veja para entender a brutalidade do sistema capitalista na sua etapa imperialista.
Mas a flotilha é uma das coisas que encanta, assim. Eu acredito que é uma ação que, mesmo quando não atinge o seu objetivo de romper o cerco, de criar, nesse caso, o corredor humanitário dos povos para que acabe a fome em Gaza — imposta por Israel como arma de guerra — mesmo quando não atinge, ela atinge o imaginário das pessoas. Acho que é possível. Qualquer pessoa pode fazer algo para tentar deter os grandes inimigos da nossa geração. Isso é muito potente. Porque a gente pensa nas grandes linhas da história como aquela coisa distante. Mas aí vêm pessoas com alguma ideia, e com esse pequeno grupo ou com essa ideia simples, você consegue desafiar o maior inimigo da nossa geração. Isso é uma coisa que encanta. E quando as pessoas entendem essa mensagem, a gente sabe que esses grandes inimigos provavelmente estão com os dias contados. Porque os povos, quando decidem ser livres, não tem quem pare.
{ {{Letícia – Esquerda Diário:}} } Não tem, de fato, Thiago. Eu queria muito que você falasse mais sobre essa questão do cerco humanitário, né? Porque acho que parte da função fundamental que a flotilha cumpriu foi de alertar pra esse fato e tornar muito mais conhecido algo que muita gente, infelizmente, pelo cerco midiático também, não chega a saber, né? Que Israel utiliza a fome como arma de guerra. E que, inclusive, as pessoas vão para doações de alimentos, etc., e são recebidas com bombardeio, metralhadoras, etc.
Queria que você falasse um pouco mais sobre isso, e que tipo de ações você vê sendo feitas ou acredita que precisam ser feitas no sentido de romper esse cerco.
{ {{Thiago Ávila:}} } É muito importante, Letícia, a gente falar disso. O processo de tomada da terra que leva ao cerco total começa quando a ONU decide partilhar aquela terra. 53% ficaria para o novo Estado de Israel, uma parcela menor para o povo palestino. Dois anos depois, Israel já tinha tomado 78% do território. Em 1967, já tinha tomado toda a Palestina histórica ocupada militarmente, inclusive Cisjordânia e Gaza.
Gradativamente, em 2005, começa o processo de tirar as colônias de Gaza para transformar Gaza num experimento social genocida: tirar as colônias de Israel de lá para cercar Gaza totalmente. Então, em 2005 começa essa saída. Em 2006, tem uma escalada do genocídio tanto contra Gaza, mas também uma tentativa de invasão do Líbano novamente. Em 2007, Gaza é cercada por terra, por ar e por mar. E esse cerco, que agora dura 18 anos, impede coisas básicas: impede que entrem filtros de água, impede que entrem muletas, impede que entrem vestidos de casamento. Contam as calorias que entram em Gaza todos os dias. É um processo de violação tão terrível, que é um crime. É um crime de guerra. Você não pode praticar cerco contra um povo, né? Você também não pode colonizar um povo — também é um crime, a colonização em si.
E esse cerco de 18 anos foi levando Gaza a um nível muito precário no sentido da subnutrição da sua população. 60% da população de Gaza vivia sobre insegurança alimentar antes de outubro de 2023. A gente via crianças com desnutrição grave em diversos setores da Faixa de Gaza. A gente via 97% da água contaminada que a população tinha que ingerir. A gente via apenas quatro horas de energia elétrica por dia — ou então, quatro horas a cada dois dias — distribuição de água durante seis horas somente a cada dois dias também. Então, uma complicação da vida completa, assim. Um campo de concentração. As pessoas chamavam Gaza de a maior prisão sem teto do mundo. E esse cerco só foi piorando. Depois, quando escala o genocídio em outubro de 2023, o ministro da defesa naquele momento, Yoav Gallant, fala: “Nós estamos lidando com animais humanos e vamos tratá-los dessa forma.”
A partir daquele momento, decretou-se um bloqueio total: terra, ar e mar. E o que entrava em média — 500 caminhões por dia em Gaza — passou a entrar, no primeiro momento, zero. Depois, uma quantidade ínfima, de 50, 30… Sendo que a ONU dizia que, pro cerco que Gaza vivia, era necessário entrar de 1000 a 1500 caminhões por dia de ajuda humanitária, de itens básicos. Israel já permitia entrar quase 1/3 do que era necessário para manter o mínimo de dignidade para aquela população. E depois de outubro de 2023, passou a entrar praticamente nada. Quando Israel rompe os acordos de cessar-fogo, vira um bloqueio total por mais de três meses, onde não entrou uma única garrafa, um único pacote de farinha em Gaza, e as crianças passaram a morrer de fome, e a população morrendo de fome mesmo.
Tem um indicador de insegurança alimentar no mundo que vai da escala de 1 a 5, onde o nível 5 é a fome aguda — em inglês eles chamam de famine. Esse nível só foi atingido duas vezes na história desde que esse indicador foi criado: no Sudão do Sul, em 2012, e na Somália, em 2011. A gente tá falando de uma violação tão grande que, nesse momento, quase 100% da população de Gaza está em estágio de fome nível 5. E isso nem no Sudão ou na Somália — Sudão do Sul e Somália — foi alcançado. E as pessoas estão simplesmente sendo mortas ali a céu aberto, transmitindo suas próprias mortes. E Israel simplesmente ignorando os apelos do mundo — principalmente dos povos do mundo. Muitos Estados nacionais omissos, outros cúmplices diretamente do genocídio. Mas as pessoas estão vendo outras pessoas sendo mortas de fome, usando a fome e a sede como armas de guerra.
Quando Israel percebe que o nível de pressão social está muito forte e está perdendo até aliados estratégicos — dos países cúmplices, até setores da imprensa que por um ano e nove meses apoiaram o genocídio e chancelaram esse genocídio com a sua desinformação — eles decidem tomar uma medida. E não é de acabar com o cerco, mas sim de criar checkpoints militares: postos de comando militares que fingem ser centros de distribuição de alimento, mas que ainda prendem, ainda assassinam pessoas e que fecham e abrem a qualquer momento.
O foco nunca foi alimentar aquelas pessoas. Foi consolidar o processo de genocídio e limpeza étnica sem ter a opinião pública por trás. Então agora eles dizem que tem alimento sendo distribuído em Gaza, mas na verdade é parte do processo de limpeza étnica — e por isso que não dá certo. A necessidade de romper o cerco e abrir o corredor humanitário dos povos é nesse sentido: de que não dá para ser gerido pela força imperialista dos Estados Unidos e muito menos pela entidade genocida que está tentando colonizar aquela região. É isso que a gente diz sobre o cerco: que hoje não há um processo genuíno de ajuda humanitária em Gaza.
{ {{Letícia – Esquerda Diário:}} } E, Thiago, é interessante isso que você tá falando, né? Porque nesse momento seguem presos alguns membros da flotilha. A gente também tá vendo o governo do Egito, que apesar de dizer que repudia os ataques ao povo palestino, tá reprimindo a Marcha Global para Gaza, né? Impedindo que ativistas alcancem Rafah e, portanto, se solidarizem fisicamente com o povo palestino.
A gente tá vendo também governos nacionais, Estados nacionais, perseguindo ativistas dentro dos seus próprios países, como é o caso do Anasse Kazib, que é um trabalhador, filho de imigrantes na França — inclusive, vai ser julgado agora dia 18. Eu queria que você comentasse um pouco: quais ações você acha que são fundamentais, importantes, para defender os perseguidos pelo Estado de Israel, pelo sionismo a nível global?
{ {{Thiago Ávila:}} } É muito importante a gente compreender isso. Eu insisto nisso, o futuro do povo palestino muito provavelmente vai ser o futuro de toda a classe trabalhadora do mundo. O experimento social genocida que eles praticam ali, eles tentam aplicar no mundo inteiro. Eles testam aquelas armas em corpos palestinos e depois trazem para as polícias militares daqui, para assassinar nas favelas do Brasil. Eles testam mecanismos de repressão, testam suas entidades de lobby, de desinformação, de ataque à reputação das pessoas, de pressão psicológica de todo tipo — e aplicam para chantagear e manipular democracias liberais no mundo inteiro, né? Que já são tão limitadas por serem democracias liberais, e tentam sequestrar esses países para seus objetivos: imperialismo e sionismo. Então, é muito triste ver isso, que o sionismo consegue escalar o nível de repressão à classe trabalhadora em países do mundo inteiro. A gente vê a violência que a Alemanha pratica contra seus próprios cidadãos em nome do sionismo — é uma coisa impressionante, o nível da violência.
Estados Unidos também, com os ataques aos acampamentos universitários, ataques aos movimentos pró-Palestina agora — principalmente agora, nesse governo Trump, cada vez mais feroz e agressivo. A gente viu na França, a gente viu em tantos lugares, a gente viu no Brasil. Misturado com uma forma de lawfare, com uma forma também de ataque à reputação, campanhas de difamação a partir da imprensa também.
A gente vê muitos mecanismos sendo utilizados para tentar calar a solidariedade ao povo palestino no mundo. E a forma de lidar com isso é a partir da solidariedade. Os movimentos têm que estar unidos. E nisso eu vejo uma conduta muito bonita do Esquerda Diário: de que qualquer caso de criminalização, de ataque, o Esquerda Diário é sempre o primeiro a falar: “Olha, temos que denunciar isso, né?” Temos que denunciar os ataques aos camaradas, porque a gente sabe que se a gente não fala agora, depois somos nós imediatamente. E quase sempre a gente tá certo nisso, porque depois vêm os ataques a nós da mesma forma.
Então, a solidariedade é o caminho para que a gente vença a criminalização, vença as ofensivas do imperialismo e do sionismo. E que, no fim, está tudo ligado à luta geral. A criminalização e o ataque só vão parar quando o colonialismo e o imperialismo pararem de atacar a Palestina. Então está ligado à luta global. Ao vencer a luta no território a partir do próprio povo palestino, e nós enquanto aliados, a gente sabe que a gente vence também a luta contra a repressão e a criminalização fora.
{ {{Letícia – Esquerda Diário:}} } E como que você vê a posição do governo Lula nesse momento? Porque, enfim, você tava lá, foram feitos apelos à ruptura das relações, etc., né? As relações com todas essas atrocidades e com todo esse processo de perseguição. Como que você vê em relação a isso?
{ {{Thiago Ávila:}} } Sabe, Letícia, acompanhando a causa palestina, eu entendi duas coisas que me impressionaram positivamente. A primeira é que o povo palestino ama o povo brasileiro. Isso é uma coisa muito bonita, assim. Inclusive, os povos se parecem no quanto são amáveis, no quanto são carinhosos, no quanto são alegres, inclusive. Tem muitas coisas em comum.
E outra coisa também é que o povo palestino é muito grato ao Lula por ser um aliado histórico da causa palestina, desde amigo do Yasser Arafat. O Brasil foi o primeiro país a reconhecer o Estado Palestino, teve uma embaixada da Palestina em Brasília. Lula foi um dos primeiros a falar também que o genocídio era, de fato, um genocídio agora, quando escalou — que era uma guerra empreendida contra mulheres e crianças e tudo. Declarações que demandam coragem, e que eu dou muito valor.
Agora, a questão é que as palavras convencem, mas é o exemplo que arrasta. Então, as palavras fazem efeito, porque o Lula é uma figura diplomática muito importante no mundo, uma liderança global. Mas quando ele fala isso, e o Brasil ainda é o quarto maior exportador de petróleo para Israel, quando a gente ainda tem contratos militares, contratos acadêmicos, acordos comerciais, quando a gente ainda traz softwares de espionagem para espionar o nosso próprio povo, quando as nossas polícias militares ainda compram fuzis que são testados sobre corpos palestinos, quando o lobby ainda pressiona e tenta calar a nossa militância aqui que tá tentando dizer o óbvio — que genocídio é genocídio, que matar crianças de fome é errado, bombardear hospitais é errado — quando tudo isso ainda acontece no nosso país, as palavras não são suficientes. E a gente vem cobrando, desde que escalou o genocídio — a gente não fala que começou em outubro de 2023, ele escalou, porque são oito décadas — e a gente foi cobrando que o governo Lula tenha coragem e rompa relações.
Momentos como esse têm o potencial de engrandecer figuras mundiais, assim como têm o potencial de apequená-las. Nelson Mandela, por exemplo, quando acabou o apartheid na África do Sul, falou: “Nossa liberdade não será completa enquanto o povo palestino não for livre.” A gente viu outros processos de revoluções históricas em que o internacionalismo sempre esteve muito presente, sempre com o povo palestino junto também. No caso do Brasil, eu vejo que, nesse momento, o presidente Lula faz declarações importantes, mas que são totalmente insuficientes. Não só com o que o povo palestino precisa agora, mas com o que a gente tinha de expectativa de uma pessoa que fez a sua militância política pautada na luta contra a fome também, a luta da classe trabalhadora.
E com todos os limites que tenha um governo, mas isso sempre foi o que foi comunicado como sendo a defesa fundamental que se fazia. A gente teve um barco há um mês atrás que foi bombardeado em território europeu, em Malta — a 1800 km de Gaza — e que não morreu ninguém por um milagre. Na nossa missão anterior, no barco Conscious, quando eu voltei, eu tinha certeza que o governo Lula ia condenar esse ataque — e não condenou. Isso me decepcionou muito.
Quando tava indo pra flotilha, a gente sabia que essa missão com 12 pessoas, um barco muito menor, era uma missão muito mais perigosa. A gente sabia que ia precisar de muito apoio internacional e muito apoio no próprio Brasil. E eu sinceramente tinha… eu tinha certeza que o governo Lula ia se posicionar a favor, assim.
E quando a gente tava no barco, a gente ouviu mais uma declaração do Lula falando que era genocídio e tudo mais. Então sentia como um caminho natural que, pô, trouxe esse contexto e já já ele vai falar da flotilha. “Não é possível que ele não vá falar.” O mundo inteiro tá falando. E a gente foi atacado. A gente foi sequestrado. Passamos cinco dias sob sequestro de Israel. Eu passei dois dias na solitária, eles me ameaçando de tanta coisa.
A gente foi deportado ilegalmente, roubaram o nosso barco, roubaram toda a ajuda humanitária, cometeram muitas violações. E quando eu cheguei no Brasil, descobri que o governo Lula não tinha sequer condenado o ataque, que o Lula em si não tinha feito muita fala sobre isso. Isso me decepcionou profundamente. Eu não esperava. E eu sei que o povo palestino não esperava também. Momentos como esse, novamente, podem engrandecer ou apequenar lideranças globais. Eu acredito que, se o Lula tem a ideia de que, ao se esconder da sua responsabilidade histórica, dos acordos internacionais que o Brasil assinou, ele vai estar fazendo um bem ao Brasil ou à sua carreira política ou aos seus cálculos eleitorais, eu acredito que ele tá completamente enganado.
A história não tem perdoado as pessoas que se isentam nesse processo. E a causa palestina tem decidido eleições no mundo inteiro. O povo tem rejeitado pessoas que são coniventes com genocídio. Veja só o governo Biden, né? Foi rejeitado de um jeito que elegeram a extrema direita nos Estados Unidos, mas não votaram num candidato que estava abraçado com genocídio. No mundo inteiro, no Reino Unido, em tantos outros lugares, as pessoas têm pautado as eleições por princípios também. Então, uma pessoa que não toma uma ação concreta… quando chega o momento de tentar prolongar o seu mandato político, ele precisa ter isso em mente: que as pessoas sabem o que é certo, o que deve ser feito pelo mundo. Sabem que bombardear crianças é errado e sabem que só as palavras não são suficientes. Agora, espero que o governo brasileiro entenda isso antes que seja tarde.
{ {{Letícia – Esquerda Diário:}} } Thiago, achei interessante você trazer esse tema do petróleo, da exportação de armamentos e tal. A gente sabe que tudo isso é conduzido pelas mãos da classe trabalhadora, claro que obedecendo ordens, etc., mas a gente tem visto algumas demonstrações de setores operários se recusando a prestar o serviço de envio de bombardeios, de armamentos para Israel.
E aqui no Brasil, os petroleiros do Rio de Janeiro, através do Sindipetro-RJ, expressaram a sua contrariedade ao envio de petróleo pro Estado de Israel. Amanhã vão ter marchas no mundo inteiro também, né? Então queria que você comentasse um pouco — até pra se comunicar com o pessoal que tá assistindo — qual a importância de que se somem a essas ações e de que hajam demonstrações também da classe em apoio e suporte ao povo palestino.
{ {{Thiago Ávila:}} } Nossa, isso é fundamental. Porque às vezes as pessoas ficam pensando que a solidariedade ao povo palestino tá apenas numa manifestação… só para as pessoas que conseguem se enfiar dentro de um barco e ir pra lá, né? Mas, na verdade, tá em todo o nosso cotidiano.
A nossa classe é quem produz tudo nessa sociedade. Então, se a gente para a produção… tem pessoas parando a produção de dentro das fábricas de armas, mas tem gente ocupando as fábricas de armas de fora pra dentro. Tem pessoas parando a produção no sentido do carregamento de navios de petróleo, carregamento de armas em portos. E tem pessoas ocupando esses portos também, ocupando as rodovias que levam até esses portos. A classe trabalhadora tem, ao mesmo tempo, essa responsabilidade de não permitir que o fruto do nosso trabalho explorado seja utilizado para cometer maiores violações contra a nossa classe. E ela tem essa potência de, se a gente entende o nosso papel na roda da história, no funcionamento dessa sociedade… não tem força que possa parar a nossa classe. Porque, de fato, tudo passa por nós. E a gente tem visto processos muito bonitos. O processo dos petroleiros aqui do Brasil é muito bonito. Processo de trabalhadores estivadores em vários setores da Europa — na França, na Irlanda. Trabalhadores aeroportuários na Bélgica, que se recusam a carregar aviões também que vão com destino a Israel. Isso é muito bonito.
Quando a gente alcança esse nível de consciência política, de que o trabalhador, além de lutar contra a exploração que ele vive, consegue lutar contra opressões e contra a destruição da natureza — porque o que acontece também é um ecocídio em escala global — a gente adquire uma potência muito grande.
Então, quando a gente deixa de ser só a nossa classe lutando para viver numa sociedade que não foi feita pra gente, a gente passa a ser uma classe que consegue pensar uma nova sociedade à nossa maneira. Ser classe para si, né? Esse salto tem potencial revolucionário, né? A gente sabe disso.
{ {{Letícia – Esquerda Diário:}} } Eu queria deixar assim aberto para, caso você queira fazer alguma denúncia das violações, violências que vocês — não só você, né, Thiago, outros membros também da flotilha — possam ter vivido durante esse verdadeiro sequestro promovido pelo Estado de Israel. Enfim, eu não sei se você quer falar sobre isso, mas deixo aqui o nosso espaço aberto para você fazer qualquer tipo de denúncia que quiser em relação a esse tema. Como foi esse momento do sequestro, da prisão e tudo mais?
{ {{Thiago Ávila:}} } Obrigado, Letícia. A gente viveu um momento de violações ali, né? Quando a gente chegou, a gente tinha tomado a decisão de que não ia falar sobre isso. Porque, sinceramente, o que a gente passou é uma pequena fração das violações que o povo palestino passa há oito décadas. Tem, nesse momento, mais de 10 mil presos palestinos nas masmorras de Israel — entre eles, mais de 400 crianças — passando por violações muito superiores ao que a gente passou. Isso não quer dizer que não sejam violações o que a gente passou. E a gente mudou de decisão e decidiu contar o que a gente passou quando três dos nossos não voltaram. A gente queria dizer para as pessoas que aquelas pessoas não estavam lá sendo tratadas com dignidade. Então aí a gente passou a falar.
Quando eu cheguei no Brasil, tudo que eu não queria era uma manchete do tipo: “Ativista internacionalista brasileiro sofre maus-tratos e prisão em solitária em Israel”. A gente queria que falassem da Palestina. Nós não queremos ser a história. A história é o povo palestino. Essa missão nem deveria existir, cara. Deveria ser os governos fazendo isso que a gente tá fazendo. Não era pra gente estar abrindo corredor humanitário nenhum. Mas se os governos não estão fazendo, os povos do mundo precisam fazer. Então é a galera que precisa marchar até Rafah pelo Egito — e lidar com um Estado que é cúmplice do genocídio, uma ditadura militar que é mantida e apoiada pelos Estados Unidos e por Israel — ou então nós, que temos que cruzar os oceanos para tentar abrir um cerco contra uma força militar terrível, assassina, justamente porque os governos estão falhando.
Então a gente não queria que a história fosse a gente. A gente tomou essa decisão. Passamos a falar a partir do momento que três dos nossos não voltaram, porque Israel atacou o Irã — nessa tentativa de fugir das derrotas de opinião pública, das derrotas diplomáticas e das relações políticas — através da escalada para um conflito regional ou mundial. Essa é a saída de Netanyahu desde sempre. Sempre apostou numa escalada. Só que ele queria que os Estados Unidos atacassem o Irã por eles — e ele não conseguiu. A ponto de que agora Israel se viu numa situação tal… porque o momento político que foi criado, tanto pela flotilha quanto pelas denúncias da fome e o prolongamento dessa crise humanitária em Gaza, isso gerou uma comoção mundial.
E a gente tava dentro do barco, tinha dificuldade de perceber isso. Mas a gente só tava entendendo que tinha alguma coisa muito grande acontecendo. E não é à toa que Israel escolhe esses momentos em que tá perdendo tudo, e aí ele escala. Porque aí, quando ele escala, ele consegue trazer de novo as potências do norte global — as grandes potências imperialistas — pra falar: “Não, agora a gente tem que defender nosso aliado estratégico ali, porque senão ele vai ser destruído, porque tá provocando uma guerra contra todos os outros vizinhos.” Então é uma forma de tirar atenção. A denúncia que eu poderia fazer é que, sim, a nossa militância sofreu violações. Mas é uma pequena fração do que o povo palestino sofre. E nós temos que denunciar mais de 10 mil presos palestinos, entre eles mais de 400 crianças. Mais de 60 mil pessoas assassinadas em Gaza — identificadas! Do que pode ser muito mais. Pode ser centenas de milhares de pessoas assassinadas em Gaza. E todas as que estão vivas estão vivendo um inferno na Terra, e nós precisamos parar isso.
Então, o chamado para as manifestações, o chamado para uma militância política consciente, disciplinada e dedicada a essa causa, é que — felizmente — nós temos a maioria social do mundo. A gente sabe que nós somos os 99%. A nossa classe é 99% do mundo. São raros os momentos em que conseguimos unir a nossa classe no sentido de um poder de convocatória, de mobilização mesmo. E, nesse momento, sim, a maioria social do mundo entende que matar crianças de fome é errado na Palestina. Que bombardear hospitais, escolas e abrigos é errado. E estão dispostos — se entenderem um caminho — estão dispostos a fazer algo para deter isso. Estão fazendo isso nas redes, tentando romper o bloqueio midiático, o boicote das big techs. Estão fazendo isso indo cada vez mais em manifestações. Provocando boicote, desinvestimento, sanções. Estão fazendo isso em missões como essas: missões de vanguarda, como a flotilha, como marchas e tudo mais. Parando fábricas de armas, parando a produção ou a circulação de mercadorias.
E assim a gente vai caminhando.
A nossa marcha é histórica. Eu tenho certeza que esse processo que o povo palestino ofereceu ao mundo deu ao mundo lentes para entender o que é imperialismo, o que é sionismo, o que é o sistema capitalista que a gente vive. E depois que a pessoa adquire essa consciência de classe… não tem mais volta. Eu acredito que o povo palestino está mudando a história da humanidade. E que, se o imperialismo achava que ia conseguir cometer a limpeza étnica contra esse povo, o genocídio, e que o mundo ia só assistir… embora os Estados nacionais estejam, na sua maioria, só assistindo, os povos do mundo estão se levantando. E isso não para só na liberdade do povo palestino, mas sim na libertação de todos os povos contra a exploração, todas as opressões e a destruição da natureza. Então, ao mesmo tempo em que eu fico muito apreensivo sobre os planos destrutivos do imperialismo e do sionismo, eu fico extremamente entusiasmado e querendo ver a sociedade nova que a gente vai construir depois que derrotar esses nossos grandes inimigos históricos.
{ {{Letícia – Esquerda Diário:}} } Total, Thiago. Uma última assim, pra gente poder encerrar mesmo. É muito louco estar falando isso e a gente tá vendo agora essa tentativa de membros de diversos países do planeta — a Marcha Global para Gaza. A gente, inclusive, tá com alguns companheiros do Esquerda Diário participando, trazendo notícias ali do Cairo, do acampamento em Rafah e tal. Eu queria que você deixasse uma última mensagem para o pessoal que tá assistindo: o que você recomenda que as pessoas façam? Como que você chamaria a galera para participar? Às vezes não dá para ir para uma marcha global para Gaza, né, mas dá para acompanhar, dá para ir para os atos… Enfim, que mensagem você deixaria final pra gente encerrar essa entrevista?
{ {{Thiago Ávila:}} } Legal. O chamado fundamental desse momento é: agir, gente, onde quer que vocês estejam, com as ferramentas que vocês tenham. O momento é agora. Cada pessoa que vier, cada geração que vier depois de nós, vai perguntar o que a gente estava fazendo nesse momento, Letícia. Na soma de todas as crises — em que a ruptura metabólica que o sistema capitalista provoca nos ecossistemas tá levando a um desastre ambiental planetário, em que a exploração tá cada vez maior, em que as opressões estão cada vez mais intensas — a crise é um momento de profundas violações.
Mas, para revolucionários, a crise é o momento da gente trazer os nossos ideais de uma sociedade nova, da revolução que a gente precisa fazer. Então, ajam agora, gente. Não tem momento mais importante pra gente agir do que agora. As consequências do que tá acontecendo nesse exato momento vão ser vividas por décadas e décadas. E a gente tá vivendo momentos, de fato, decisivos na história. Façam tudo que vocês puderem nessa grande batalha do nosso tempo. Não tenham medo deles. Tudo que eles têm são as bombas, são as armas, o ódio e a violência. Nós temos a solidariedade. Nós temos o companheirismo e a camaradagem da nossa classe. Nós temos, sobretudo, a história diante de nós, que ensina que os povos, quando resolvem caminhar essa marcha pela liberdade, eles são impossíveis de parar. Os povos unidos jamais serão vencidos. E eu tenho certeza que a gente vai vencer essa batalha. A gente só precisa ter coragem de lutar ela.
{ {{Letícia – Esquerda Diário:}} } Obrigada.
{ {{Thiago Ávila:}} } Obrigado, camarada.
{ {{Letícia – Esquerda Diário:}} } Bem-vindo de volta.
{ {{Thiago Ávila:}} } Muito obrigado.