Revista Casa Marx

A partilha imperialista da África

Walter Rodney

O texto a seguir é um artigo de Walter Rodney, historiador e ativista político guianês, publicado no dia 11 de abril de 1970, no 21º volume da revista Monthly Review, uma revista socialista criada no ano de 1949 em Nova Iorque. Walter Rodney foi um importante intelectual e ativista da luta negra durante toda a vida, até ser assassinado em 1980, aos 38 anos de idade.

Lênin pouco mencionava a África em seus escritos sobre o colonialismo, mas inferências sobre a África podem ser extraídas de seu ensaio Imperialismo, estágio superior do capitalismo1e de outros textos. A maioria dos escritores burgueses fazem falsificações da explicação leninista do imperialismo sobre a Partilha da África. Porque eles já estabeleceram praticamente um monopólio sobre o que se escreve desse tema, é necessário enquadrar essa análise como uma refutação de equívocos comuns. Além disso – como é muitas vezes o caso sobre trabalhos de Marx, Engels e Lênin – muitas críticas hostis são baseadas em pura ignorância sobre seus textos.

Se diz frequentemente que Lênin explanou uma teoria economicista do imperialismo. Isso fomenta o criticismo de que sua teoria seria unilateral, já que os europeus dividiram a África por várias razões econômicas, políticas, sócio-humanitárias, psicológicas etc. É claro que o marxismo não se preocupa somente com o dito aspecto “econômico” da sociedade. É uma visão de mundo que compreende a presença de múltiplas variantes dentro da complexidade da sociedade humana e busca desvendar as suas relações a partir das condições materiais existentes. Lênin não precisava expor essa posição elementar do marxismo em tudo que escrevesse. O seu ensaio sobre o imperialismo lidou com questões da expansão da economia capitalista. As dimensões não-econômicas eram conhecidas e foram consideradas secundárias. Lênin trata sobre esse ponto em duas oportunidades:

1) Os capitalistas dividem o mundo não por maldade própria, mas porque o grau de concentração alcançado os força a adotar esse método para conseguirem lucros. E o dividem em proporção ao “capital”, em proporção à “força”, porque não pode existir outro sistema de divisão sob a produção de mercadoria e sob o capitalismo. No entanto, a força varia de acordo com os graus de desenvolvimento econômico e político. Para se entender o que acontece, é necessário saber que contradições são estabelecidas por essa mudança de forças. A questão dessas mudanças serem “exclusivamente” econômicas ou não-econômicas (p.ex., militares) é secundária, o que de forma alguma afeta a visão fundamental sobre o estágio superior do capitalismo.

2) A superestrutura não-econômica que cresce em base ao capital financeiro, sua política e ideologia, estimula a luta pela conquista colonial.

Nós certamente necessitamos estar informados sobre como as mudanças no equilíbrio de poder político-militar e as ambições de dominação das nações europeias estimularam a conquista por colônias na África. Tais fatores não estavam fora da alçada de Lenin, e as explorar profundamente não invalidam sua tese. Por exemplo, fatos como que os franceses são presos ao “prestígio”, ou que as mudanças que ocorrem no chamado equilíbrio de poder são relacionadas a política econômica européia, não surgiram do nada. Eles foram resultado do desenvolvimento do capitalismo monopolista dentro dos limites de vários Estados-nações europeus. A elaboração desse argumento nos levaria profundamente ao passado da Europa, o que foge do escopo dessa curta análise. Uma questão mais pertinente é: O quão longe e de quais formas o capitalismo monopolista emplacou-se na África durante o período da tão conhecida partilha?

Uma grande polêmica vem surgindo ao reconhecer-se que pouco capital foi investido na África antes da primeira guerra imperialista mundial. A Europa Ocidental investiu muito mais no Leste Europeu, nos EUA, na América Latina e na Ásia do que na África. Isso é uma contradição em Lênin apenas para aqueles que não leram Lênin. Seus exemplos doe investimentos realizado por monopólios fora dos epicentros capitalistas são situados no Leste Europeu, no Oriente Médio e na América Latina. Ele cita Rússia, Romênia, Turquia e Argentina como países onde o investimento e a exploração capitalista chegavam poderosamente.

Apenas a Grã-Bretanha, com um vasto número de antigas e novas colônias, exportava uma quantidade significativa de seu capital às suas colônias no começo deste século. A França investia principalmente na Rússia, enquanto a Alemanha dividia seus interesses entre o Leste Europeu e as Américas.

Lênin citou o geógrafo Alexander Georg Supan no sentido de que a especificidade do final do século XIX era a divisão da África e da Polinésia. Depois ele acrescentou que “há que ampliar a conclusão de Supan e dizer que o traço característico do período que nos ocupa é a partilha definitiva do planeta, definitiva não no sentido de ser impossível reparti-lo de novo ‘pelo contrário, novas partilhas são possíveis e inevitáveis’, mas no sentido de que a política colonial dos países capitalistas já completou a conquista de todas as terras não ocupadas que havia no nosso planeta”2. A ênfase de Lênin em “completou” é significativa, pois coloca a Partilha da África dentro do contexto de um processo único, emanando da Europa e se espalhando por todo o mundo. A sua intensidade não foi a mesma em todos os lugares. Montantes de capital não foram investidos inicialmente na África, mas a África não pôde escapar do inexorável processo de expansão, dominação e partilha que teve em suas raízes o capitalismo monopolista.

Lênin sofreu para demonstrar que a divisão do mundo entre monopólios capitalistas e os Estado-nações nos quais esses eram incrustados não foi uma opção política que poderia simplesmente ser substituída por mais pensamento ilustrado. Ele enfatizou a lógica interna que fez da partilha internacional inseparável da natureza do capital monopolista da época. A África era o grande continente desconhecido. Os europeus sonhavam com o seu potencial. Certas passagens de Lênin são muito acertadas nessa questão:

O capital financeiro não está interessado nas já conhecidas fontes de matéria-prima, … porque o desenvolvimento técnico de hoje é extremamente rápido, por isso a inevitável ambição do capital financeiro de estender suas fronteiras econômicas e até mesmo as suas fronteiras em geral. Da mesma forma que os trusts capitalizam seus bens por especularem-os a duas ou três vezes seu valor, levando em conta o retorno “potencial” (e não o retorno presente), e resultados posteriores do monopólio, o capital financeiro busca alcançar o maior território possível em qualquer lugar possível, de todas as maneiras, contando com a possibilidade de encontrar matéria-prima e temendo estar sendo deixado para trás na luta por todos os restos do território ainda não repartido.

Levou um bom tempo até as potências imperialistas investirem grandes quantidades de capital na África como um todo. No caso da França, investimento significado na África é um fenômeno do pós-Segunda Guerra Mundial. Lênin havia notado que a possibilidade de exportar capital para países atrasados foi criado por esses países, que vinham desenvolvendo previamente relações capitalistas internacionais, assim criando condições elementares (como o desenvolvimento inicial de ferrovias e portos) para mais envolvimento posterior. A infraestrutura necessária estava se desenvolvendo no Leste Europeu, nas Américas e em partes da Ásia; mas mal ocorreu na África durante os séculos XIX e início do XX. Lênin, assim como Marx antes dele, reconheceram a tremenda contribuição feita pela África para a acumulação de capital durante a época do comércio de escravos. O fato de que ele não tratou da África em nenhum momento do contexto do imperialismo não foi uma debilidade, pois naquela época a África era marginal para o desenvolvimento do capitalismo.

O entendimento desse debate é frequentemente obscurecido pela tendência de tornar caricata a teoria de Lênin sobre o imperialismo, como se ela significasse a divisão do mundo em colônias políticas. Pelo fato da África ter sido o exemplo clássico de partilha, isso deveria significar que a África foi o primeiro continente em que o monopólio esteve majoritariamente interessado. Lênin falava em primeiro lugar sobre as “disputas por território econômico”. As nações imperialistas por vezes achavam possível e necessário transformar seus territórios econômicos em colônias políticas, a fim de reforçar a exploração e proteger seus capitalistas da concorrência estrangeira. Como Lênin afirmou: “A posse de colônias é a única coisa que garante de maneira completa o êxito do monopólio contra todas as contingências da luta com o adversário, mesmo quando este procura defender-se mediante uma lei que implante o monopólio do Estado”3. Ainda assim, o capital monopolista frequentemente se contentava com esferas de interesse econômico que mantinham variados graus de independência política.

O capital monopolista tinha pouca representação no continente africano comparado a sua presença na Ásia e nas Américas, mas aparecia com força suficiente para precipitar a impiedosa Partilha da África. Deve-se levar em conta que esse capital como foi investido na África era concentrado em duas áreas: África do Sul e Egito, com Congo, Magreb e Nigéria como outros locais de destaque. Ao olhar para a África Oriental, um historiador burguês (Richard Koebner) frisou que “a Companhia Imperial Britânica da África Oriental certamente não era uma galáxia dos grandes interesses capitalistas”. Isso tinha o objetivo claro de desbancar a interpretação leninista, e é um fato, mesmo que lamentavelmente fora de foco.  A posição de Lênin não implicava que todas as partes da África estavam borbulhando com mais-valia trazida pelos grandes monopólios europeus. Não é necessário, por exemplo, procurar uma única razão de porquê os europeus almejavam a região que é hoje a República Centro-Africana. O fato de que o capital monopolista estava interessado em algumas partes do continente onde seu potencial era até certo ponto verificável é suficiente. Nas querelas por essas áreas, os europeus também viram potencial em dividir entre si as áreas desconhecidas – especialmente porque não havia ninguém que queria perder nem um pedaço, nem mesmo a Espanha ou a Itália.

Os elementos-chave da época de Cecil Rhodes (colonizador britânico da era do imperialismo) são muito bem conhecidos para ganharem atenção aqui. Todos os ingredientes dos quais Lênin comentou estavam claramente presentes. Lá estavam Rhodes e De Beers representando o capital monopolista; lá havia ouro, diamantes e a possibilidade de um desenvolvimento ferroviário extenso; lá havia a disputa anglo-germânica; e lá estava também a cena de ambos os bôeres e africanos sendo sujeitados e incorporados ao vasto império do capital. O cenário egípicio também é bem conhecido, o Canal de Suez é o símbolo das grandes ambições do capital financeiro europeu. Benjamin Disraeli (Primeiro Ministro do Reino-Unido na década de 1870) não era nada menos que o encarregado dos Rothschild na linha de frente, estes que posteriormente utilizaram a sua influência política para levarem à frente a conquista do Egito. Além disso, capitalistas britânicos interessados na Índia tinham boas razões para quererem expulsar a França e assim colonizar o Egito e o Sudão.

No Egito, a Grã-Bretanha e a França investiram capital diretamente no Canal e indiretamente em outros setores por meio de empréstimos. Os franceses eram afiados com os empréstimos, assim como Lênin observou quando disse que “o imperialismo francês pode ser qualificado de usurário”[4]. Isso foi bem demonstrado em Magreb. A ocupação francesa da Tunísia foi realizada sobre uma política de empréstimos financeiros com taxas extravagantes para um tão extravagante quanto Bei de Tunes, governante que ainda existia em uma atmosfera como a das Cruzadas, e que se mostrou uma presa fácil para manipulação dos financeiros europeus.  Tanto a Grã-Bretanha quanto a Itália também estavam na negociação, mas a França os desligou com um ataque armado em 1881, significativamente chamado de Coup de Bourse (ou o golpe da bolsa). O sultão do Marrocos foi pego no mesmo saco quando em 1904 ele negociou um empréstimo de 62,5 milhões de francos em documentos em branco dos bancos franceses, que pediam 60% das receitas alfandegárias do país como garantia.

A Argélia era uma exceção, mesmo que não de muita importância a partir de um ponto de vista analítico. Sua costa havia caído nas mãos da ganância francesa desde 1830, e então o começo de sua colonização não havia sido parte da expansão geral do imperialismo. No entanto, a partir dos anos 1880 a Argélia foi estimulada pela nova ofensiva francesa na África, e no Magreb particularmente. Quando Lênin referiu-se a Portugal como uma colônia britânica, ele afirmou que isso era verdade desde bem antes do imperialismo, mas que isso adquiriu uma nova significação durante a época da Partilha. Suas definições nesse contexto são bem apropriadas para a relação França-Argélia. “Este gênero de relações entre grandes e pequenos Estados sempre existiu”, diz Lênin, “mas na época do imperialismo capitalista tornam-se sistema geral, entram, como um elemento entre tantos outros, na formação do conjunto de relações que regem a ‘partilha do mundo’, passam a ser elos da cadeia de operações do capital financeiro mundial.”5. Na Argélia, Tunísia e Marrocos, forças militares foram empreendidas para interesses financeiros assim como para assegurar as planícies costeiras do Mediterrâneo livre para colonos europeus. A questão da busca por território para o “superpopulação relativa” europeia foi destacada por Lênin, tomando indicações dos pronunciamentos de imperialistas como Cecil Rhodes. Na prática, esse não foi um tema importante na conquista imperialista do continente africano, sendo o Magreb uma das poucas áreas onde isso foi aplicado.

No sul do Saara e no norte do Transvaal situa-se a grande massa da África Negra, que foi cinicamente cortada por estadistas facínoras que se sentaram em Berlim no ano de 1884. Ao distinguirem o Egito e a África do Sul como casos de países africanos “excepcionais” de investimento de capital no século XIX, abriram o caminho para a mistificação da partilha do resto do continente, onde se falava sobre exploradores e missionários que poderiam levar a civilização aos nativos. Ainda assim, de certa forma ainda é possível dizer que em nenhum outro lugar está tão bem vinculada a universalidade da formulação leninista do que nessas terras onde o capitalismo já difundiu o tráfico de escravos da costa leste à oeste. “O que caracterizava o velho capitalismo, onde reinava plenamente a livre concorrência, era a exportação de mercadorias.” Disse Lênin. “. O que caracteriza o capitalismo moderno, no qual impera o monopólio, é a exportação de capital.” (Pg. 180). Apenas um relance do olhar sobre as evidências nos mostraria que essa mudança foi profundamente efetiva na região afro-tropical. Durante a época do comércio transatlântico de escravos, europeus levavam bens para a África e os trocavam por seres humanos, e eram assim colocados transformados em mercadoria. Quando a Europa começou a se interessar na matéria-prima do continente, o capital foi realocado para transformar os africanos em trabalhadores e lavradores produzindo  para o mercado capitalista.

O Congo tem a desfortuna condição de ser um dos primeiros e um dos últimos países africanos escravistas. Por volta do século XIX, alguém que vivia na bacia do Congo podia ser preso e enviado aos confins do oeste no Atlântico ou ao leste no Oceano Índico. A Europa imperialista teve que suprimir o comércio escravo onde ele ainda existia; a nova necessidade de força de trabalho africana devia ser aproveitada pelo capital europeu para exportação de matéria prima como borracha e algodão. Entram em cena David Livingstone, Henry Morton Stanley e o Rei Leopoldo, salvaguardados pelo franco belga e por missionários brancos que pregavam sobre o valor restante do trabalho que o capitalismo exigia.

É uma mera ilusão apresentar o Congo como a propriedade de um homem (Rei Leopoldo) e discutir sua colonização nos termos de requintes pessoais. Era devido ao grande número de nações ávidas a explorar o Congo que ele foi deixado sob a administração do governante de um pequeno Estado. A própria Grã-Bretanha estava somente interessada no comércio e não na soberania do país. Primeiro, a Grã-Bretanha tentou firmar um acordo com Portugal que daria o Congo aos portugueses, enquanto permitiria os mercadores britânicos de abusarem de diversos privilégios. Depois, a Grã-Bretanha alinhou-se com a Alemanha e a França em apoio da criação do “Estado Livre do Congo”, por Leopoldo – livre no sentido de que não deveria haver restrições no comércio e no investimento de capitais de todos os países. Havia um grande protesto humanitário contra as atrocidades dos europeus no Congo durante o regime de Leopoldo, mas a comissão internacional que estudou o caso estava mais interessada no fato de que Leopoldo havia violado os acordos de livre comércio. Em 1906, o reino pessoal de Leopoldo chegou ao fim, Ele foi obrigado a oferecer quatro grandes concessões aos capitalistas britânicos, franceses e americanos. Esse foi o momento em que surgiu a Union Minière and Forminière [Companhia Internacional de Silvicultura e Mineração do Congo], e o Congo deu o primeiro passo para se tornar o centro de controle do capital monopolista internacional.

O Congo era atípico. Em qualquer outro lugar da África, os principais capitalistas europeus buscavam território econômico e corriam com para hastear suas bandeiras e chamar aquilo de seu. Algumas vezes, o mastro parecia estar fincado no chão sem sentido algum. Por que a Gâmbia é no coração de Senegal? Por que a Togolândia (colônia alemã de 1884 até 1916) e o Daomé Francês eram esmagados pela Costa do Ouro Britânica e a Nigéria? A única explicação (e uma que é destacada por Lênin) é de que a busca europeia por matéria-prima utilizável para óleos de cozinha e gorduras poderia ser obtida na África Ocidental do óleo de palma do amendoim. Era no sentido de manter os investimentos que encorajaram o crescimento de amendoim que os britânicos se agarraram na Gâmbia, enquanto Togo e o Daomé eram “protetorados” estabelecidos por Alemanha e França para proteger os seus interesses pelo óleo de palma.

O envolvimento alemão no comércio de óleo de palma e sua aquisição do Togo constituiu um pequeno episódio que ilustra um dos principais argumentos de Lênin sobre o jeito que a Alemanha estava rapidamente ultrapassando a Grã-Bretanha e a França na fase monopolista do capital. A Alemanha tinha um grande interesse no óleo de palma da África Ocidental porque as suas indústrias e ferrovias em expansão estavam precisando de mais lubrificantes. o seu proletariado oferecia um grande mercado para óleo de cozinha barato, o setor avançado de culturas mistas utilizava palmiste como abastecimento de estoque, os seus navios a vapor haviam estabelecido conexão direta entre o oeste e (o leste) africano, e Hamburgo era o único lugar na Europa com maquinário para quebrar palmistes. A consequência de tudo isso foi de que a Alemanha uma fatia muito maior de “território econômico” da África Ocidental do que aparenta, usurpando o território controlado politicamente pela Grã-Bretanha e pela França. Por volta de 1895, companhias alemãs (apoiadas pelo banco Disconto-Gesellschaft) haviam assegurado mais de metade das exportações de palmiste do protetorado britânico de Lagos, e um terço do óleo de palma. Mais de três quartos dos palmitos exportados da África Ocidental África foram para a Alemanha até 1914. Além disso, a aquisição da pequena colônia do Togo (e as outras colônias alemãs) foi uma conquista notável na qual o poder econômico alemão teve que superar uma grande vantagem histórica estabelecida pela Grã-Bretanha e pela França, que a presença na África Ocidental data desde o período de comércio de escravos.

Nem todas as companhias engajadas no comércio de óleo de palma eram monopolistas. Ao contrário, no início do século XIX o comércio se encaminhou com um grande número de pequenos empreendedores que eram conhecidos como “criminosos do óleo de palma” e os quais as atividades constituíram uma fase de empresas abertamente violentas. Mas na época da partilha, o ascendente Níger tinha uma única companhia gigante, a Royal Niger Chartered Company (RNCC), que foi o primeiro governo colonial do norte da Nigéria, assim que a mais notável companhia de Rhodes, a British South African Company foi confiada com o destino do povo sul-africano. O jeito que a RNCC consumiu e subordinou os competidores por fusões, redução de preços e outros meios se encaixa perfeitamente no padrão clássico analisado por Lênin.  Sua licença (concedida em 1886) encerrou-se em 1897, mas a companhia continuou como a Niger Company até 1911, quando foi colocada debaixo da asa dos irmãos Lever. Portanto, uma grande parte da produção nigeriana foi destinada ao controle dos tentáculos do capitalismo africano, a United Africa Company (UAC), que, por sua vez, era subsidiária da (anglo-holandesa) Unilever.

No sentido do monopólio, Lênin falou sobre a dominância de uma ou das companhias sobre um ramo específico da indústria em uma dada economia capitalista. Na partição e repartição econômica da África, novas dimensões do monopólio surgiram. Primeiro, algumas empresas europeias estabeleceram dominação sobre o comércio colonial – uma categoria muito mais difusa, diga-se, do que aço, óleo, ou indústrias químicas, que tomaram a atenção de Lênin. Dessa maneira, a UAC apareceu em todas as colônias britânicas e no Congo, Daomé, Alto Volta, Chade, e nos Carnations, cuidando de qualquer matéria prima que fosse aplicada nesses territórios. Segundo, a UAC na maioria dos casos estendeu – seus tentáculos em todas as facetas de uma economia colonial – desde embarcando até a distribuição de lâminas cortantes nas suas compras retalhadoras. De maneira similar, os monopólios coloniais franceses como o CFAO (Campanha Francesa da África Ocidental)6 , SCOA7, e o Madagascar Import-Export foram engajados ativamente em atividades concessionárias da atividade agrícola, assim como no trato do mastro de exportação e importação. Nenhum monopólio, não importa o quão grande, poderia ter um controle tão completo sobre uma economia capitalista metropolitana.

 

Deve-se reiterar que Lenin teve pouco a dizer explicitamente sobre a África. As suas reflexões promovem a partir disso um ponto de partida imediato para as análises da partilha imperialista da África, ninguém deveria esperar encontrar todas as respostas em seus textos. Por conta disso, Lenin não colocou uma questão-problema: Porque o imperialismo apareceu na África na forma de partição política? Essa ausência é uma razão pela qual escritores burgueses sustentaram de maneira nebulosa a diferença entre imperialismo e a partição política da África. As duas coisas não eram imutáveis. O imperialismo derivou da expansão da economia capitalista, enquanto a partição foi determinada por (a) a natureza das formações sociais africanas, (b) o racismo como elemento da superestrutura capitalista e (c) os africanos se opondo à incursão europeia.

 

Em alguns casos, o imperialismo estava preparada para permitir a independência política de países (como na América Latina e nos Balcãs); enquanto em outros, a intervenção europeia na coleta de impostos e na configuração de esferas comerciais de interesse (como na China), debilitou gravemente a independência política mas não a aboliu de uma vez. Na América Latina e no Leste Europeu, havia classes sociais que cumpriam um papel dentro da produção capitalista bem antes da era imperialista. Esses países eram facilmente incorporados pelo imperialismo, garantidos de que nada fosse feito para destituí-los abertamente dos atributos de soberania nacional, por causa deles terem uma burguesia que participara das revoluções nacionais. Na China do século XIX, existia uma classe burocrático-feudal e o surgimento de uma burguesia nacional, ambas que poderiam ser usadas como instrumento do capital estrangeiro. Os burocratas feudais em particular se transformaram rapidamente em interlocutores a serviço do imperialismo. Nesse período, a maioria da África era pré-feudal em suas relações sociais, e por isso os europeus achavam necessário apresentar seus próprios funcionários e fundar seus próprios governos.

 

No entanto, existiam poucos africanos com a experiência social necessária que poderiam funcionar de maneira independente dentro da estrutura colonial. No Senegal, em Serra Leoa, em Gana, e na Nigéria, uma elite escolarizada estava em processo de formação desde o fim do século XVIII, e relativamente proeminente durante a instituição do governo colonial. A chegada do colonialismo envolveu a destruição deliberada dessa elite negra, pois o racismo emergiu na fase inicial da expansão capitalista, quando o genocídio na América Latina e a escravização de africanos recebeu justificações filósoficas pseudo-científicas e obscurantistas.

 

A África do Sul foi outro laboratório em que o vírus racista dos brancos foi cultivado; e enquanto o capitalismo subordinou a economia quase-feudal dos bôeres, foi entendido como útil entronchar o racismo como uma vantagem da brutal exploração do trabalho de negros da África Meridional. Como parte da superestrutura capitalista, o racismo era tão poderoso que europeus mal podiam pensar nas politicamente independente Etiópia e Libéria no continente africano, apesar do fato de que ambos os estados se tornaram nodulares no sistema capitalista internacional.

 

A África não tinha nenhuma tradição revolucionária que teria combatido as ambições colonialistas. De qualquer forma, lá difundiu-se uma resistência à imposição das leis coloniais, porque as pessoas espontaneamente defendiam seu modo de vida contra alienígenas. Em uma ocasião – a da Etiópia–  forças europeias foram inadequadas, e os etíopes derrotaram os italianos em Dogali, no ano de 1887, e mais decisivamente em Adowa, em 1896, assim garantindo a sua independência política. Por outro lado, a Grã-Bretanha sofreu com contratempos no Egito e no Sudão, e usou isso como trampolim para o poder político. É bem verdade que os estadistas britânicos não imaginavam dominar politicamente o Egito quando os britânicos insvestiram no Canal de Suez pela primeira vez. A vitória dos sudaneses sobre os generais Hicks e Gordon e o embrionário movimento nacionalista egípicio sob o comando do coronel Urabi foram sem dúvidas eventos eventos que forçaram os britânicos a exercerem dominação política sobre o Egito e o Sudão. Alguns escritores burgueses, ao falarem dos eventos no Egito, formularam a conclusão sem pé nem cabeça de que a revolta nacionalista, mais do que o capital finacneira,  é o que explica a presença do imperialismo britânico nessa parte da África. Claramente a manifestação nacionalista foi uma resposta ao imperialismo britânico, que (com seu equivalente francês) já tomaram posse do Egito como um território econômico. Para Lênin, a divisão do território econômico foi o fator central, e a certeza dessa posição é fortemente evidente na África de hoje, quando o imperialismo quase que completamente mudou a sua forma de partição política, da melhor forma para perseguir o fundamento da exploração econômica.

 

Notas

1.LÊNIN, Vladimir. O Imperialismo, Etapa Superior do Capitalismo, Campinas: Navegando publicações, 2011.

2.Ibidem, p. 201

3.Ibidem, p. 209.

4.Ibidem, p. 184.

5.Ibidem, p. 213.

6.Compagnie française d’Afrique occidental. Tradução nossa.

7. Société commerciale de l’Ouest africain. Tradução nossa.

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