Resolução do IV Congresso da III Internacional em 1922
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- Durante a guerra, e depois dela, entre os povos dos países coloniais e semicoloniais começou a se desenvolver um movimento revolucionário que continua, ainda hoje, a combater, com sucesso, o domínio do capital mundial. Devido a isso, a intensa colonização de áreas habitadas por pessoas da raça negra se converte na mais difícil tarefa de cuja resolução depende o desenvolvimento ulterior do próprio capitalismo. O capitalismo francês compreende claramente que o domínio militar do imperialismo francês pode ser conservado apenas por meio da criação de um império franco-africano, conectado pela ferrovia Transaariana. Os magnatas financeiros americanos (que exploram 12 milhões de negros em sua pátria) agora iniciam a invasão pacífica da África. Quanto a Grã-Bretanha, por seu turno, teme qualquer ameaça às suas posições africanas, o que pode ser visto nas medidas extremas de repressão às greves na África do Sul[1]. Por um lado, a concorrência entre as potências imperialistas no Oceano Pacífico resultou na ameaça de uma guerra mundial; por outro, também a África, é assustadoramente crescente também o papel da África como objeto de disputa imperialista. Finalmente, a guerra, a Revolução Russa e o grande movimento rebelde dos povos asiáticos e muçulmanos contra o imperialismo despertaram a consciência de milhões de negros oprimidos e humilhados ao longo de centenas de anos não apenas na África, mas, em certa medida até ainda mais, nos Estados Unidos.
- A história dos negros estadunidenses está lhes preparando para desempenhar um papel significativo na luta de emancipação de toda a raça africana. Há 300 anos, os negros estadunidenses foram apartados de seu solo africano natal, levados aos EUA em navios negreiros e em condições indescritivelmente cruéis vendidos à escravização. Trabalharam 250 anos na qualidade de gado operário sob o chicote do feitor estadounidense. Com o seu trabalho, limparam as florestas, construíram as estradas, cultivaram o algodão, abriram as linhas férreas – foi o trabalho deles que sustentou a aristocracia do Sul [dos EUA]. A recompensa pelo seu trabalho foi a miséria, o analfabetismo, a humilhação. O negro não foi um escravo submisso; sua história é rica em revoltas, insurreições, lutas clandestinas pela liberdade, mas todas as suas tentativas de emancipação foram barbaramente reprimidas. Foi com tortura que impuseram sua submissão, e a imprensa e a religião burguesas justificaram sua escravização. Quando a escravidão se tornou um empecilho para o desenvolvimento livre e completo dos EUA pela via do capitalismo, quando essa escravidão entrou em conflito com a escravidão do trabalho assalariado, a primeira teve que ceder. A guerra civil, ao ser não uma guerra pela emancipação dos negros, mas uma guerra pela conservação da hegemonia industrial do Norte, colocou ao negro a escolha entre a servidão no Sul ou a escravidão assalariada no Norte. O suor, o sangue e as lágrimas dos negros “emancipados” ajudaram na criação do capitalismo americano, e quando os EUA, ao se tornar potência mundial, foram inevitavelmente arrastados para a guerra, o negro americano recebeu o mesmo direito que os brancos… o de matar e morrer pela “democracia”. 400 mil proletários não brancos foram convocados pelo exército estadunidense e destacados em regimentos especiais de negros. Mal havia retornado da guerra sangrenta, o soldado negro deparou-se com a perseguição racial, o linchamento, o assassinato, a privação de direitos, o regime de castas e o desprezo generalizado. Pôs-se a lutar, mas pagou caro pela tentativa de fazer valer seus direitos humanos. As perseguições aos negros tornaram-se um acontecimento ainda mais frequente que antes da guerra, até que os negros aprendessem a “ficar no seu quadrado”[2]. O espírito da rebeldia, engendrado pela perseguição do pós-guerra e pela violência, havia arrefecido, mas irromperam com chama clara nos casos de crueldade desumana como os que ocorreram em Tulsa[3]. Ao lado da inserção dos negros no processo de industrialização do Norte [dos EUA] no pós-guerra, isso fez dos negros estadounidenses, em especial os negros do Norte, a vanguarda na luta por sua própria emancipação.
- É com infinito orgulho que a Internacional Comunista acompanha como os operários negros explorados repelem os ataques dos exploradores, já que o inimigo da raça negra e o inimigo dos trabalhadores são um único e o mesmo: o capitalismo e o imperialismo. A luta internacional da raça negra é a luta contra o capitalismo e o imperialismo. Na base dessa luta, deve ser organizado o movimento negro internacional: nos EUA, como centro da cultura negra e dos protestos dos negros; na África, onde se encontra a reserva de trabalho humano não utilizado para o futuro desenvolvimento do capitalismo; na América Central (Costa Rica, Guatemala, Colômbia, Nicarágua e outras “repúblicas independentes”), onde domina o imperialismo americano; em Porto Rico, Haiti, São Domingos e outras ilhas banhadas pelo mar do Caribe, onde o tratamento cruel contra nossos irmão negros por parte da ocupação estadounidense provoca amplos protestos de negros conscientes e operários revolucionários brancos; na África do Sul e no Congo, onde a industrialização crescente que engloba a população negra levou a diferentes tipos de rebeliões; no Leste da África, onde a penetração do capital internacional suscita um movimento ativo da população autóctone contra o imperialismo.
- A Internacional Comunista deve demonstrar ao povo negro que os negros não são os únicos a padecer sob o jugo do capitalismo e do imperialismo, que os operários e os camponeses da Europa, da Ásia e da América também são vítimas do imperialismo e que a luta dos negros contra o imperialismo não é uma luta de um só povo, mas de todos os povos do mundo, que na Índia e na China, na Pérsia e na Turquia, no Egito e no Marrocos, os povos oprimidos não brancos das colônias lutam contra a exploração capitalista, que esses povos se rebelam contra esse mesmo mal contra o qual se levantam também os negros, ou seja, contra as opressões de raças, a desigualdade e a exploração, que esses povos lutam pelo mesmo objetivo pelos quais lutam também os negros: por emancipação e igualdade políticas, econômicas e sociais.
A Internacional Comunista representa os operários e os camponeses revolucionários de todo o mundo em sua luta contra o domínio do imperialismo; constitui-se não apenas de uma organização dos brancos subjugados da Europa e da América, mas em igual medida também em uma organização dos povos oprimidos não brancos de todo o mundo, e considera sua obrigação promover e apoiar as organizações internacionais do povo negro em sua luta contra o inimigo comum.
- O problema dos negros se tornou uma questão vital para a revolução internacional. A Terceira Internacional já reconheceu que os povos asiáticos não brancos podem prestar à revolução proletária uma ajuda valiosa e nos países semicoloniais considera que a colaboração de nossos irmãos de pele negra oprimidos é demasiado importante para a revolução proletária e para a destruição do poder do capital. Por isso o IV Congresso imputa a todos os comunistas a obrigação de aplicar precisamente ao problema dos negros as “Teses sobre a questão colonial”[4].
- 1) O Quarto Congresso reconhece o apoio imprescindível a todas as formas do movimento negro que buscam solapar ou debilitar o capitalismo e o imperialismo ou impedir a sua ulterior expansão.
2) A Internacional Comunista vai lutar pela equiparação das raças negra e branca, pela igualdade de salários e por direitos sociais e políticos iguais.
3) A Internacional Comunista empregará todos os meios disponíveis para obrigar os sindicatos a aceitar em suas camadas os operários negros onde a lei permite e insistir em uma campanha especial pela sua admissão nos sindicatos. Em caso de insucesso, organizará os negros em sindicatos separados e vai aplicar, particularmente, a tática de frente única para obter sua admissão nos sindicatos gerais.
4) A Internacional Comunista vai, sem demora, dar passos no sentido de convocar uma conferência ou um congresso geral de negros em Moscou.
Notas
1. Em janeiro de 1922, na União Sul-Africana, no bairro de Joanesburgo, iniciou-se uma greve de operários das minas de ouro, devido à redução de salários e às demissões. Em março, a paralisação começou a escalar no sentido de uma greve geral e de um levante armada. O governo do general Jan Smuts (1870-1950) lançou as Forças Armadas sobre os insurgentes e no dia 14 de março o levante foi violentamente reprimido. No levante, teve participação ativa a juventude do Partido Comunista da África do Sul. Muitos comunistas pereceram heroicamente durante a luta arma.
2. No original “знать свой шесток” (conhecer a sua lareira, ao pé da letra), redução da expressão “знай, сверчок, свой шесток”, literalmente, “conheça, grilo, a sua lareira”, cujo significado é que cada um deve conhecer o seu lugar, cujo equivalente em língua portuguesa poderia ser “cada um no seu quadrado” (N.T.).
3. Tulsa (Estados Unidos) racistas estadunidenses organizaram um espancamento em massa de negros em reação a uma tentativa de impedir o linchamento de uma pessoa negra. Os racistas botaram fogo em bairros de negros, incluindo a igreja em que se refugiaram os negros para se protegerem de seus perseguidores.
4.Provável referência a “Esboço original das Teses sobre as Questões nacional e colonial” [Первоначальный набросок Тезисов по национальному и колониальному вопросам] elaboradas no II Congresso da Internacional Comunista de 1920 (N.T.).