Revista Casa Marx

Classes, Estado e Estratégias nas independências africanas (Parte 1)

João de Regina

Após a Segunda Guerra Mundial e até meados dos anos 1980, ao menos 35 das 54 nações africanas proclamaram-se socialistas em algum momento de suas trajetórias independentes. Esse número, por si só, evidencia o potencial revolucionário das massas africanas. No entanto, a variedade de experiências, estratégias e concepções engendradas nesses processos exige uma análise cuidadosa sobre o sentido atribuído a esses “socialismos” e sua inserção no contexto específico da Guerra Fria. Este artigo busca contribuir para esse exame, apresentando uma visão crítica sobre a influência do chamado “campo socialista” e da estratégia stalinista, incluindo variantes como o maoísmo, e suas apropriações pelas direções dos movimentos de independência. 

Esse debate histórico ganha especial importância hoje, na medida em que algumas experiências contemporâneas em África, como no Níger, especialmente em Burkina Faso, sob a liderança de Ibrahim Traoré se distanciam dos Estados Unidos e da França e se aproximam de potências como a Rússia e a China, emulando símbolos e retóricas das independências passadas. Consideramos fundamental recuperar a reflexão crítica sobre as revoluções e independências africanas para compreender em que medida elas se diferenciam desse novo militarismo e para evitar a aceitação acrítica de projetos militaristas que ainda que possuam retórica de esquerda, não são de fato uma alternativa revolucionária.

Após a Segunda Guerra Mundial, os regimes operários burocratizados aprofundaram a tendência, já consolidada por Stalin, de substituir a luta de classes pela disputa diplomática entre Estados nacionais1. Nessa concepção, os marxismos e projetos nacionais que se desenvolviam na África foram tratados com ceticismo, ainda que as lideranças nacionalistas e/ou socialistas africanas recebessem, em vários casos, apoio financeiro e militar, como forma de serem incorporadas às esferas de influência da China ou da URSS. Por sua vez, muitos dirigentes africanos desenvolveram táticas e concepções próprias, arbitrando em benefício de seus interesses nacionais entre os dois blocos da Guerra Fria, como exemplifica o chamado “Movimento dos Não-Alinhados”.

Como em qualquer parte do mundo, os avanços e derrotas da luta de classes e do socialismo na África, são produtos do embate entre revolução e contrarrevolução, em escala nacional e internacional, e devem ser analisados à luz das estratégias adotadas. É nesse sentido que propomos uma crítica às direções dos processos africanos, rejeitando tanto explicações que culpabilizam um suposto “atraso das massas”, quanto concepções que naturalizam as derrotas como fatalidades das condições objetivas. Além disso, entendemos que as lutas de classes no continente africano estiveram articuladas à dinâmica da luta de classes no interior das metrópoles coloniais. Cada processo de libertação na África minou a autoridade das burguesias imperialistas, e impulsionou as lutas dos trabalhadores nos centros capitalistas. Assim, a luta heroica das massas africanas foi um elemento decisivo na crise do equilíbrio internacional capitalista dos anos 1970.

Por exemplo, raramente se reconhece que a grande mobilização estudantil de Maio de 1968 na França, acompanhada por um ciclo de greves operárias, esteve profundamente conectada às lutas de libertação nas colônias africanas. O general De Gaulle não enfrentava apenas a juventude e a classe operária francesas, mas também camponeses, trabalhadores, homens e mulheres mobilizados na Argélia, na Guiné-Conacri e em quase todas as colônias africanas sob domínio francês. Entre as décadas de 1950 e 1960, a França não conseguiu deter as grandes revoltas, greves e lutas armadas que se desenvolviam em suas colônias, e tentou manobrar oferecendo uma suposta autonomia através do plebiscito que propunha às colônias integrarem a “Comunidade Francesa”. Tal política dividiu a esquerda e mesmo setores do panafricanismo. O Partido Comunista Francês apoiou tal medida. Senghor também votou a favor no Senegal na participação na Comunidade Francesa, afirmando que se tratava de uma etapa para a independência das nações africanas. Em Guiné-Conacri, por sua vez, a França simplesmente perdeu a votação, o que marcou o início da independência do país. Já a guerra pela independência da Argélia enfraquecia profundamente o regime político francês, alimentando um vigoroso movimento de solidariedade entre a juventude e os trabalhadores franceses. Esse ambiente foi decisivo para a formação de uma geração de ativistas de esquerda, muitos críticos ao stalinismo, que viriam a cumprir papéis de destaque nos acontecimentos de Maio de 1968.

As independências das colônias portuguesas constituem outro exemplo central dessa dinâmica. A Revolução dos Cravos, frequentemente lembrada como um processo pacífico e sem derramamento de sangue, não pode ser compreendida sem as guerras de libertação que ocorreram, entre os anos 1960 e 1970, em Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e Angola. A repressão imposta pelo regime português nas chamadas “guerras coloniais” produziu enormes penúrias à população metropolitana, que se opunha cada vez mais ao alistamento militar obrigatório e aos sacrifícios econômicos impostos para sustentar a contrarrevolução nas colônias. A persistência da luta africana e a crescente impossibilidade de manter a guerra dividiram o exército português e provocaram revoltas em seu interior, fator decisivo na eclosão da Revolução dos Cravos. Esse processo culminou no colapso do regime salazarista e na consequente transferência de poder para os partidos guerrilheiros que conduziram as lutas de libertação nos territórios africanos.

Esses são alguns dos exemplos que ilustram como as independências africanas não podem ser compreendidas isoladamente, mas como parte de dinâmicas entrelaçadas de revolução e contrarrevolução internacional. 

Mesmo as chamadas descolonizações “negociadas” foram, em grande medida, respostas ativas do imperialismo para evitar novas revoluções, inseridas no contexto mais amplo da estratégia imperialista de contenção, própria da Guerra Fria. Segundo Emílio Albamonte e Manolo Romano, no artigo “Trotsky e Gramsci: Convergências e Divergências” existiu no pós-guerra uma

“tentativa de ‘descolonização’ a partir de cima, na qual, para conter a revolução anticolonial, os imperialistas procuraram conferir às colônias o estatuto de nações semicoloniais mais ‘modernas’. Mas, contrariamente aos seus planos, é justamente na periferia capitalista que a revolução encontra suas expressões mais ativas: uma verdadeira explosão das massas oprimidas das colônias e semicolônias. Isso deve ser incluído nas previsões da Quarta Internacional e confirma o acerto de ter colocado especial ênfase nesses processos na teoria da revolução permanente: o proletariado e as massas dos países coloniais e semicoloniais não deveriam esperar pela revolução nas metrópoles imperialistas, mas iniciar a sua própria revolução, podendo inclusive alcançar antes a ditadura do proletariado.” 

Essa perspectiva é fundamental para compreender que, embora muitos processos de independência tenham sido parcialmente canalizados ou neutralizados por manobras imperialistas e direções conciliadoras, a explosão revolucionária das massas africanas forçou transformações políticas de alcance internacional. Como discutimos ao longo deste texto, casos como as guerras de libertação nas colônias portuguesas e a crise do colonialismo francês exemplificam esse fenômeno: a ação das massas coloniais não apenas acelerou o colapso dos impérios, como também impulsionou a luta de classes no interior das metrópoles. Assim, a teoria da revolução permanente se confirma como chave interpretativa indispensável para analisar tanto os limites quanto o potencial dessas experiências revolucionárias.

Notas sobre a história das independências, marxismo e a luta negra

Antes de entrar propriamente na análise dos processos e das estratégias que marcaram as independências africanas, é necessário realizar uma breve discussão e um posicionamento sobre as interpretações historiográficas e políticas que se constituíram em torno dessas experiências. Esse debate implica distintas formas de compreender a articulação entre as lutas de libertação nacional, a luta anti-racista e a luta de classes.

Não é novidade que assistimos a uma variedadde de posições que buscaram apresentar o marxismo como algo exterior e inadequado às experiências africanas. Essa ideia é defendida por diferentes tradições de pensamentos e, neste texto, não temos como objetivo polemizar com todas elas. No entanto, é importante pontuar algumas questões para situar a perspectiva a partir da qual compreendemos o cruzamento entre a luta antirracista e a luta de classes; entre a libertação nacional e a revolução socialista; entre o marxismo e o pensamento negro.

Em 1983, na obra O Marxismo Negro: a criação da tradição radical negra, Cedric Robinson utiliza a noção de “marxismo negro” não apenas como uma forma de localizar a fusão, a aplicação criativa ou o desenvolvimento deste campo teórico por intelectuais ou revolucionários negros. Caso assim fosse, a história estaria permeada de exemplos de intelectuais e militantes que viram no marxismo uma chave explicativa e um guia para a ação contra o racismo dentro de uma perspectiva de classe e revolucionária. Cedric Robinson, na verdade, propõe uma leitura antimarxista, sugerindo o marxismo como uma perspectiva histórica e epistemologicamente eurocêntrica, produto do capitalismo europeu, e que só pode responder aos problemas restritos a esse contexto. Quase como se dissesse: “o mais radical que a sociedade europeia branca pode criar foi o marxismo; a luta negra depende do desenvolvimento de outra tradição radical”. A ideia de “marxismo negro”, tal como ele a formula, é que, se o marxismo foi a teoria revolucionária da Europa com a ascensão da classe operária, os povos negros necessitam criar a sua própria teoria revolucionária, baseada na longa duração histórica das diversas lutas dos povos negros.

Para defender que a teoria negra se torna mais radical na medida em que se afasta do marxismo, Robinson propõe, em seu livro, não só uma leitura alternativa do desenvolvimento capitalista, propondo centralidade e antecedência a ideia de raça produzida na Europa, mas também um panorama reivindicativo porém crítico sobre intelectuais negros que se reivindicaram marxistas, como W.E.B. Du Bois, C.L.R. James e Richard Wright, sugerindo que eles foram “o mais longe possível” justamente na medida em que se distanciavam da aplicação eurocêntrica do marxismo. Esse “acerto de contas” é idealista: ao mesmo tempo em que acusa o marxismo de um pernicioso eurocentrismo que quase contaminaria a tradição radical negra, acaba sendo relativamente “leve” com tradições realmente eurocêntricas que influenciaram correntes do pensamento negro não marxistas, entre elas a própria concepção de nação e Estado.

Da nossa perspectiva, não há dúvidas de que a teoria revolucionária deve se apropriar e se atualizar criticamente com base em todas as lutas históricas dos povos oprimidos, e que as populações negras foram e continuam sendo um material riquíssimo de exemplos e ensinamentos para a luta revolucionária contemporânea. No entanto, é inegável uma certa busca de endogenia nas reivindicações de Cedric Robinson, que, em nossa visão, não corresponde nem à situação social das populações negras no contexto do desenvolvimento capitalista, nem às tradições de lutas desenvolvidas por elas, que historicamente se articularam com outros sujeitos e ideologias. No continente africano ou na diáspora, negros e negras revolucionários(as) consideraram o marxismo a sua teoria, aplicada às suas realidades concretas, e a compreenderam como capaz de libertar não só a si mesmos, mas o conjunto dos oprimidos e explorados.

Um ponto chave das divergências entre marxismo e outras leituras frente às independências africanas se passa em torno do tema da centralidade da classe frente a outros conceitos como raça, povo e mesmo nação. Nos anos 60 e 70 esta discussão estava diretamente relacionada as diferentes estratégias defendias para se conquista a independência no mundo colonial. No entanto, nos anos 1990, começou um esforço grandioso que influenciou diversas tendências do pensamento negro que aceitam teses pós-estruturalista e/ou pós-modernas em “depurar” o marxismo da tradição negra. Não há dúvida que tal imagem é facilmente desmentida por qualquer análise histórica minimamente objetiva e levando a sério o que foi escrito por, inclusive, por vários autores panafricanistas.

Ao ignorar a dimensão estrutural de exploração corre-se o risco de obscurecer a compreensão das lutas de libertação nacional e anticoloniais como processos atravessados por contradições de classe, onde as aspirações revolucionárias das massas muitas vezes entraram em choque com os projetos das burguesias nativas e das lideranças nacionalistas. Por isso, é fundamental recuperar uma perspectiva que não dissocie a opressão racial da exploração capitalista, nem a luta anticolonial da necessidade de uma transformação socialista. A experiência histórica demonstra que muitos dos processos de independência africana foram, simultaneamente, expressões das lutas populares contra o colonialismo e tentativas das elites locais de limitar essas lutas a mudanças formais, preservando as estruturas de dominação de classe e a inserção subordinada das novas nações no sistema capitalista mundial.

Outro tema polêmico, caro à análise das lutas de libertação, é a compreensão de que, no contexto africano, quase inexiste uma classe operária, o que implicaria na impossibilidade de uma estratégia socialista. Como veremos, algumas dessas afirmações possuem raízes nas próprias formulações do que ficou conhecido como “socialismo africano”. Adiantamos aqui que ignorar o peso dos assalariados modernos no continente africano, pelo menos desde o início do século XX, significa desconsiderar um aspecto central das realidades sociais africanas. Ainda que, em comparação à massa camponesa e às sociedades tradicionais, o proletariado não corresponda à maioria demográfica, sua presença, em diversos contextos, possui uma importância econômica, social e política ímpar.

No livro A Luta de Classes na África, escrito por Kwame Nkrumah após ter sido afastado do poder em Gana por um golpe de Estado, o autor dedica toda uma seção à desconstrução da concepção segundo a qual a realidade de classes, e o próprio proletariado moderno, não teriam feito parte da história africana no contexto da colonização e da escravidão. Pelo contrário, Nkrumah demonstra como as relações sociais capitalistas, impostas pelos processos coloniais, produziram novas formas de exploração, consolidando uma classe trabalhadora moderna que desempenhou papel central nas resistências e nos movimentos de libertação. De fato, no período posterior à Segunda Guerra Mundial, não apenas muitos países africanos possuíam concentrações significativas de trabalhadores assalariados, como também as lutas travadas pelos operários e operárias foram intensas e marcantes. O continente, como um todo, contava, em 1962, com cerca de 10% da sua população, mais de 15 milhões de pessoas, integradas ao trabalho assalariado. A África do Sul, já na época o país com o processo de urbanização mais avançado, possuía um proletariado urbano de cerca de 7 milhões de trabalhadores.

Ainda na primeira metade do século XX, o movimento sindical havia ganhado grande destaque. A África Ocidental, por exemplo, viveu uma intensa atividade grevista e sindical no final da década de 1930, sendo emblemático o movimento dos trabalhadores ferroviários em Thiès, no Senegal, em 1938. Os operários da estrada de ferro Dakar-Niger realizaram uma greve radicalizada, fortemente reprimida, que resultou em seis mortos. Contudo, a mobilização obteve conquistas importantes, como o direito de associação e indenizações às famílias das vítimas. No pós-guerra, já no contexto das lutas pela independência, os trabalhadores e trabalhadoras realizaram uma sucessão de greves que abalaram a administração colonial em diversas regiões. Ocorreram greves gerais no Quênia, na Nigéria, em Gana e na Guiné. Entre as mobilizações clássicas, destacam-se a greve dos mineiros do Rand, na África do Sul, em 1946, e as greves na indústria do sisal, entre 1957 e 1959, no Tanganica.

É evidente que há uma anatomia específica da classe operária africana e que, com exceção de alguns países como a África do Sul, a maioria dos Estados africanos manteve-se predominantemente camponesa. No entanto, mesmo no mundo rural, há aspectos fundamentais a serem considerados. Não se trata de camponeses completamente desvinculados da classe operária. Em muitos contextos africanos, a mão de obra migrante provinha justamente do campesinato. Muitos migravam periodicamente para trabalhar em minas e plantações, retornando posteriormente às suas regiões de origem. Esse sistema de trabalho migratório foi amplamente utilizado pelo imperialismo como forma de assegurar uma força de trabalho extremamente barata. Um exemplo emblemático é o das minas sul-africanas, que recorreram de forma sistemática ao trabalho migratório moçambicano, viabilizado através de um acordo com o colonialismo português. Este, por meio de leis coloniais de trabalho forçado, garantia o fluxo de camponeses para as minas sul-africanas, recebendo, inclusive, uma parte do valor pago pela burguesia daquele país. Outro exemplo expressivo é o de Gana: nos anos 1960, cerca de 40% de sua força de trabalho era composta por migrantes.

Esse panorama desmistifica uma ideia recorrente, sustentada inclusive por correntes stalinistas, de que o socialismo seria inviável na África devido ao seu suposto baixo desenvolvimento industrial. O que se verifica, na realidade, é que, apesar das limitações estruturais impostas pelo colonialismo, o continente possuía um grande potencial revolucionário, com uma classe operária portadora de fortes características internacionalistas e um campesinato, majoritário, com rica experiência enquanto força de trabalho assalariada temporária, além do conhecimento de formas modernas de organização política e sindical, como greves, sindicatos e partidos.

Reconhecer a centralidade das classes trabalhadoras africanas, tanto urbanas quanto rurais, é fundamental para compreender as dinâmicas das lutas de libertação nacional no continente. Os processos de independência em diversos países africanos foram profundamente marcados pela ação organizada dos trabalhadores e trabalhadoras, cujas greves, boicotes e mobilizações desafiaram diretamente a dominação colonial e abriram caminho para a constituição de projetos políticos mais radicais. Assim, um debate marxista no estudo das independências africanas permite complexificar o entendimento dessas lutas, afastando-se das interpretações que as reduzem a processos a expressões de unidade nacional, epistemologias locais/endógenas ou de uma cultura essencial africana. Nossa perspectiva também compreende que as massas africanas possuíam aspirações e potencialidades objetivas para ir muito além dos limites imposto por suas direções. Por isso o debate estratégico sobre ela é essencial e esse texto busca contribuir.

Por último, é importante destacar que também nos distanciamos das leituras que tendem a exagerar nas aproximações entre o marxismo revolucionário e as ideologias dos dirigentes políticos dos processos de libertação. Esse é o caso do livro organizado por Jones Manoel e Gabriel Landi, Revolução Africana: uma antologia do pensamento marxista, que reúne textos de lideranças africanas como Kwame Nkrumah, Agostinho Neto, Amílcar Cabral, Frantz Fanon, Thomas Sankara e Eduardo Mondlane, apresentando-os como uma compilação do marxismo africano. Embora o livro registre a reivindicação explícita de muitos desses líderes como marxistas, ele pouco qualifica as especificidades históricas, políticas e sociais de cada processo e das conjunturas em que esses autores estavam inseridos, além de ignorar as diferenças substanciais entre eles. Em suma, busca afirmar que o marxismo foi o “guia teórico-prático das lutas de libertação” e insere esses autores como parte do “campo socialista” dos anos 1970. No entanto, a realidade é bem mais complexa: o que ficou conhecido como panafricanismo é, por definição, plural, e mesmo os autores presentes na coletânea forjaram suas concepções políticas a partir de apropriações múltiplas de distintas tradições teóricas, para além do marxismo. Ademais, muitos desses dirigentes, quando no poder (com exceção de Fanon e Samir Amin, que são os únicos não-estadistas incluídos no livro), implementaram políticas marcadas por combinações de partido único, centralização econômica, coletivização forçada, e experiências oriundas de nacionalismos burgueses, como o de Nasser, além de promoverem perseguições políticas, expurgos e campanhas de “limpeza urbana”, e estabelecerem aproximações estratégicas e compromissos com países do “Ocidente”. Assim, ao utilizar termos como socialismo, marxismo e revolução como guarda-chuvas, a coletânea acaba por não qualificar criticamente essas distintas experiências e tampouco enfrenta o problema de analisar a responsabilidade dessas lideranças na posterior adesão ao neoliberalismo, como ocorreu com o MPLA em Angola e a FRELIMO em Moçambique, limitando-se a afirmar que tais governos “nunca conseguiram planificar sua economia”.

Diante de tudo isso, reforçamos que é fundamental ler a história das independências africanas a contrapelo. Não só das narrativas forjadas pelas ideologias burguesas e coloniais, quanto em relação às histórias oficiais dos próprios regimes pós-independência, frequentemente marcadas pela tentativa de legitimação de projetos autoritários e pela ocultação de contradições, disputas internas e fracassos. A partir de uma leitura crítica e situada das diversas experiências políticas, sociais e econômicas, bem como das múltiplas articulações e conflitos de classe que atravessaram e seguem atravessando o continente, é possível compreender a riqueza e a complexidade das lutas de libertação africanas, assim como os desafios que se colocam para pensar projetos revolucionários no presente.

De Berlim a Acra: desafio das independências africanas

Diante desse cenário global de ascenso revolucionário, marcado tanto por insurreições operárias nos países do chamado “socialismo real” quanto por derrotas do imperialismo em diversas frentes coloniais, as lutas no continente africano ganham uma centralidade incontornável. É nesse contexto que podemos compreender os processos de independência africanos não como episódios isolados, mas como parte de uma dinâmica mais ampla de crise do imperialismo e de reorganização das correlações de força internacionais. Assim, de Berlim a Acra, os desafios enfrentados pelas lutas de libertação na África se entrelaçaram com as transformações que sacudiam o mundo nas décadas de 1950 e 1960.

Em 1953, a Checoslováquia vivenciou uma onda de greves e a Alemanha Oriental enfrentou uma insurreição protagonizada por metalúrgicos em Berlim, que rapidamente se expandiu, atingindo cerca de 250 cidades e resultando na formação de conselhos operários em diversas fábricas. Os protestos adquiriram uma dimensão política, exigindo a unificação da Alemanha e a instalação de um governo provisório revolucionário composto por operários. Reprimir o levante operário exigiu o deslocamento de 300 mil soldados e o cerco à cidade de Berlim. Pouco tempo após a morte de Stálin, tornava-se evidente que a burocracia do Kremlin enfrentava suas próprias revoluções no interior da COMECON. Em 1956, foi a vez da Polônia e da Hungria vivenciarem revoluções políticas e levantes protagonizados por operários e estudantes, que se insurgiam contra a opressão nacional imposta pelo próprio Kremlin.

Enquanto isso, o imperialismo francês sofria uma derrota na Indochina, e os Estados Unidos, sob o governo Eisenhower, buscavam negociar a paz na Guerra da Coreia. Em outras palavras, a revolução emergia em cada um dos campos da Guerra Fria. Nesse contexto, era previsível que a África e outras regiões colonizadas experimentassem também processos revolucionários. Para desmontá-los, o imperialismo recorreu a uma variedade de táticas: em alguns países, impulsionou processos de “descolonização”, buscando disciplinar as lutas e preservar seus interesses nas antigas colônias.

Projetos que ofereciam relativa autonomia, eleições locais e agendas prolongadas rumo à independência foram ativados, abrindo espaço para que parte das lideranças coloniais almejasse processos de independência pacíficos. Os processos de independência na África se iniciaram, assim, na segunda metade da década de 1950. Com a declaração de independência do Sudão, em 1956, e de Gana, em 1957, somadas à recusa de Guiné-Conacri em aderir à “União Africana” presidida pela França, em 1958, a exigência de autonomia política e independência das nações africanas tornava-se um problema incontornável para o imperialismo.

Ainda assim, muitas independências foram fruto de uma combinação entre processos de negociação e insurreições. É o caso da revolta Mau Mau, no Quênia, onde Jomo Kenyatta[2] se tornou uma figura de mediação capaz de “pacificar” o país. Na Argélia, chegou-se a proclamar um “governo operário e camponês”, mas as políticas nacionalistas burguesas não avançaram rumo à planificação econômica.

O imperialismo norte-americano, junto aos antigos países colonizadores, seguiu patrocinando golpes militares, como contra Patrice Lumumba3, no Congo Belga, e contra Kwame Nkrumah4, em Gana. Outros golpes eram promovidos por setores das Forças Armadas, cujos militares que assumiam o poder se posicionavam ora a favor do bloco socialista, ora próximos de lideranças como Nasser, do Egito. Estes eram frequentemente considerados pelos partidos stalinistas e suas variantes como “regimes militares progressistas”.

Podemos afirmar que muitas das independências africanas foram produto e agentes desse contexto internacional, que combinava processos revolucionários com uma dinâmica de contenção e bloqueio entre as potências hegemônicas. Estados Unidos e URSS limitavam mutuamente seus objetivos em nome de frear a revolução em seus respectivos campos, enquanto, no mundo colonial, emergiram lideranças nacionalistas-burguesas e projetos estatais que buscavam uma relativa autonomia, ao mesmo tempo em que procuravam conter o avanço de um poder proletário internamente.

Nesse sentido, é fundamental analisar a contradição existente entre as aspirações e ações das massas negras e as direções políticas das nações africanas independentes, uma vez que estas, majoritariamente, buscaram desenvolver e consolidar uma burguesia nacional, muitas vezes aliando-se a novas ou antigas potências coloniais. Neste contexto, muitas lideranças africanas apresentaram suas visões de africanidade e concepções ideológicas a favor da autonomia de seus países, muitas vezes em um franco projeto burguês. No caso de Senghor, ou no que se convencionou chamar de movimento Negritude, a independência nacional foi imaginada como produto de uma identidade africana policlassista, mas embasada em uma tradição essencialmente comunalista. Essa imagem de uma “natureza do homem e da sociedade africana” não impedia que o projeto de independência estivesse projetado através de uma acomodação privilegiada com a própria França. Os antagonismos de classes da própria sociedade africana eram diminuídos ou até declarados inexistentes. Esse projeto combinaria a herança do próprio colonialismo francês, mas se apoiando nessas tradições comunalistas africanas, prometendo uma civilização superior à europeia, ainda que capitalista. É nessa concepção intelectual, que nega a existência da luta de classes na África, que emerge a concepção de “socialismo africano”.

Como debateremos a seguir, a ideia de um socialismo africano esteve presente em projetos nacionais como Quênia, Tanzânia e mesmo com personagens reacionários como Mobutu no Zaire. Especialmente após o posicionamento de Senghor a favor da Comunidade Francesa e da Conferência de Dakar em 1962, começa a emergir, sob o nome de marxismo africano ou mesmo “socialismo científico”, uma crítica a essas concepções que negavam a existência da luta de classes na África5. Kwame Nkrumah, depois de ser deposto através de um golpe, passou a apresentar uma crítica ao “socialismo africano”, transitando para uma concepção mais ligada ao reconhecimento da luta de classes. As experiências oriundas de guerras prolongadas, como em Angola e Moçambique, afirmaram-se como projetos socialistas mais críticos ao “socialismo africano” e com maior inspiração no socialismo real, seja da China, da República Democrática Alemã ou da URSS. Os partidos-exércitos que lideraram essas independências se declararam socialistas, marxistas e até comunistas, mas mantiveram-se fiéis às concepções etapistas e burocráticas do stalinismo.

Como veremos, mesmo as versões que se propuseram a transformações mais radicais, as que ocorreram tardiamente, já no contexto do ascenso da luta de classes entre 1968 e 1981, como nas ex-colônias portuguesas, compartilhavam dessas compreensões e aplicaram seus projetos socialistas como um dirigismo estatal, onde os partidos guerrilheiros se consideravam os únicos capazes de guiar as massas, seja do ponto de vista político, econômico ou mesmo moral. Tais experiências implicaram em processos violentos contra os trabalhadores e as populações rurais, não para defender o socialismo, mas também para garantir a adesão desses países ao neoliberalismo no contexto da restauração burguesa e do fim do socialismo na URSS e no Leste Europeu.

Os processos revolucionários africanos, em sua grande maioria, não foram além dos nacionalismos burgueses. Apesar da grande potencialidade revolucionária que se desenvolveu entre os anos 1950 e 1980 na África, esses processos não romperam com o capitalismo, nem criaram sociedades independentes frente ao imperialismo, fundamentalmente devido às direções e estratégias adotadas por eles. As independências foram dirigidas por nacionalistas burgueses (Egito, Argélia, Sudão), por stalinistas (Angola e Moçambique) ou por combinações entre essas duas variantes. Essas mesmas direções, anos mais tarde, conduziram seus países a se tornarem semicoloniais, dominados pela dívida externa e pelos monopólios imperialistas.

Para compreender tanto as potencialidades quanto os limites desses processos, é fundamental entender o contexto internacional em que eles se desenvolveram. Não sendo suficiente, é importante perceber que a política levada a cabo pelo stalinismo desde os anos 1930 estava na contramão do desenvolvimento da luta revolucionária no mundo colonial e que seu papel na ordem global, após a Segunda Guerra Mundial, implicou na ausência de um desenvolvimento de uma política proletária independente na África.

Se pudéssemos resumir o desenvolvimento teórico do marxismo representante das concepções dos Estados operários burocratizados, seria a progressiva substituição estratégica da hegemonia operária pela reificação e fetichização do Estado, de suas diplomacias e aparatos militares, compreendidos como fins em si mesmos. A concepção presente em todas as tradições stalinistas, na qual os interesses do Estado se tornam muito mais importantes do que a revolução na arena global, foi decisiva para o isolamento e as limitações das experiências revolucionárias africanas.

Independências africanas em meio a guerra fria

         A luta de libertação em África e as disputas estratégicas sobre suas independências possuem uma longa história que datam de muito tempo antes da segunda guerra mundial. O chamado movimento panafricanista possuía aproximações e distanciamentos da história do movimento comunista internacional. Infelizmente neste artigo não abordaremos a rica história destes encontros e desencontros6. Muitas destas lideranças negras africanas, caribenhas ou norte americanas, que circulavam o mundo, debruçaram esforços políticos e teóricos para imaginar a independências da África com distintas estratégias.

Algumas dessas personalidades foram importantes no questionamento a burocratização da III Internacional e do Stalinismo e no esforço para que o movimento operário europeu e estadunidense se engajasse ativamente a favor da luta pela autodeterminação dos africanos e dos povos colonizados. George Padmore7 e C.L.R James tiveram papéis decisivos na denúncia da invasão da Itália a Etiópia, uma vez que política stalinista nos anos 30 foi decisiva para o afastamento de lideranças negras da Comintern. Padmore rompeu com o stalinismo após a adoção da política que diferenciava os imperialismos francês e britânico, considerados “democráticos”, dos imperialismos fascistas. Tal concepção implicava, evidentemente, no abandono de qualquer política séria de luta anticolonial. O desenrolar da Segunda Guerra Mundial aprofundou essa orientação de Stalin, culminando na dissolução da III Internacional em 1943.

C.L.R. James, por sua vez, aderiu à IV Internacional, tendo um papel central na denúncia da política stalinista que, às vésperas da guerra, rifava a revolução proletária internacional em favor das frentes populares. Ainda nas fileiras do SWP (Partido Socialista dos Trabalhadores, de orientação trotskista), C.L.R. James publicou o artigo “Por que os negros devem se opor à guerra?”, no qual defendia que o continente africano era a principal prova da hipocrisia das potências capitalistas “democráticas”. Segundo ele, tais potências, que se colocavam contra Hitler na Europa, conclamavam os povos africanos a lutar em defesa da democracia ou da “civilização”, mas ocultavam que, em suas colônias, agiam das formas mais desumanas possíveis, comparáveis ao nazismo: “Como os imperialismos ‘democráticos’ tomaram a África? O fizeram da mesma maneira que Hitler tomou a Áustria e a Tchecoslováquia”.

A luta dos etíopes contra a invasão fascista de Mussolini é referida como um grande exemplo da traição “democrática” a um povo africano. A Liga das Nações havia prometido defender um dos poucos territórios africanos que não havia passado diretamente por colonização, mas Inglaterra, França e Estados Unidos barganharam com Mussolini e impediram que armas chegassem à resistência etíope. Stalin, por sua vez, manteve o fornecimento de petróleo à Itália durante toda a campanha fascista contra a Etiópia.

Logo após a Segunda Guerra Mundial, realizou-se em Manchester o V Congresso Panafricano, entre 15 e 21 de outubro de 1945. O evento apresentou um peso social significativo, com forte presença de organizações sindicais africanas e de futuros dirigentes de países independentes, como Kwame Nkrumah, de Gana, e Jomo Kenyatta, do Quênia. As posições apresentadas no congresso eram fundamentalmente anti-imperialistas e reconheciam a via armada como possibilidade para as independências africanas. No entanto, havia uma variedade de estratégias, conciliando expressões nacionalistas e policlasistas sobre os rumos que as independências tomariam. Apesar das diversas posições anti-imperialistas e favoráveis às autonomias nacionais, compreendia-se que, no contexto do fim da Segunda Guerra, havia um campo aberto para negociações e apoios pontuais de países imperialistas às independências africanas. Outro tema em aberto era a dinâmica da luta de classes na África.

Para muitas lideranças, a luta anticolonial já expressava a luta de classes internacional no continente. Assim, muitos políticos panafricanistas consideravam que um governo africano independente representaria a unidade africana e que o fim do regime colonial permitiria o ressurgimento de uma essência socialista africana, interrompida pelo colonialismo.

No contexto da Guerra Fria, o panafricanismo tornou-se um movimento com uma ampla gama de posições: algumas mais próximas da influência do socialismo stalinista burocratizado; outras, de caráter mais nacionalista burguês. As posições marxistas revolucionárias, que relacionavam a luta de classes internacional às independências africanas, passaram a ser cada vez mais minoritárias. O próprio Padmore passou a defender um pan-africanismo mais geral, sem uma delimitação de classe profunda. É visível que ele transitou de uma crítica correta à política internacional stalinista para uma visão otimista sobre o desenvolvimento autônomo das lideranças africanas, considerando que, ao se distanciar da URSS e de uma estratégia declaradamente comunista, seria possível angariar apoio no Ocidente. Imaginou que as experiências africanas se desenvolveriam de forma uniforme, rumo a um Estado africano sem fronteiras e que, para tal objetivo, seria mais importante a articulação entre esses países, independentemente das classes que os dirigissem e do tipo de Estado que construíssem, do que a inserção no campo mundial da luta de classes.

O posicionamento de Padmore, bem definido no livro Pan Africanismo ou Comunismo? (1956), é representativo de um sentimento terceiro-mundista e africano crescente entre as décadas de 1950 e 1970, que considerava possível e provável a autonomia gradual dos países do “Terceiro Mundo”. À medida que as independências ocorressem, elas poderiam romper as amarras do subdesenvolvimento independentemente do futuro da luta de classes nos países centrais. Tal perspectiva diminuía as contradições de classe no interior das sociedades africanas, naturalizava como progressistas os regimes militares e nacionalismos burguesas africanos e depositava mais confiança na luta diplomática do que na revolução internacional

A emergência do campo internacional “socialista”, do Movimento dos Não-Alinhados e das concepções terceiro-mundistas implicou num movimento panafricano com inúmeras divergências internas e diferentes posições sobre como se situar no campo internacional. Algumas tendências defenderam claramente processos armados de independência, enquanto outras buscaram vias mais pacíficas, através de negociações com organismos internacionais (como a ONU), com o imperialismo ou com o bloco socialista.

No decorrer da Guerra Fria, os temas “em aberto” da V Conferência Pan Africana demonstraram as principais debilidades do pensamento independentista africano. Conforme as independências iam se concretizando e os líderes estatais implementavam suas políticas, tornava-se evidente o caráter bonapartista dessas experiências, com concepções de esquerda, mas sem delimitação de classe.

Gana foi o primeiro país da África Subsaariana a tornar-se independente, em 1957. Kwame Nkrumah tornou-se o primeiro-ministro, proclamou a construção de um “socialismo africano”, com foco na industrialização, e propôs uma linha internacional denominada “neutralidade ativa”, aproximando-se da URSS e da China. Embora seu governo não tenha ido além de políticas nacionalistas, sua influência internacional, seu histórico de “panafricanista radical” e sua aproximação com o bloco socialista tornaram-no inimigo do Ocidente, que patrocinou um golpe que o exilou em 1966.

A experiência de Gana foi seguida pela da colônia francesa de Guiné-Conacri. Sékou Touré (1922–1984) foi o líder nacionalista da República da Guiné, também conhecida como Guiné-Conacri (país vizinho da Guiné-Bissau, mas de colonização francesa). Em 1958, Charles de Gaulle tentou uma manobra diante dos movimentos de independência nas colônias francesas, oferecendo autonomia às colônias africanas caso estas ratificassem, via plebiscito, sua permanência na “Comunidade Francesa”. Sékou Touré, liderando o Partido Democrático da Guiné, defendeu a independência e a Guiné foi a única colônia a votar pela independência imediata, declarada em 2 de outubro de 1958.

Entre os dias 15 e 19 de julho de 1959, Sékou Touré e Nkrumah se reuniram na cidade de Sanniquellie, na Libéria, com o presidente William Tubman. O encontro foi marcado pela disputa entre Nkrumah e Tubman sobre os ritmos da declaração de unidade das nações independentes, com Tubman defendendo um gradualismo. Politicamente, a declaração resultante foi uma mescla entre descolonização e posições nacionalistas, sendo considerada, por muitos, precursora da Organização da Unidade Africana (OUA), fundada em 1963 na Etiópia, sob a liderança do imperador Haile Selassie. A OUA possuía muito do espírito da Conferência de Bandung, realizada em abril de 1955 na Indonésia, que reuniu representantes de 30 nações recém-independentes e significou uma articulação terceiro-mundista que não diferenciava as estruturas de classe nacionalmente, apresentando-se como simetricamente independente das duas potências da Guerra Fria. A Conferência de Bandung pode ser considerada o embrião do Movimento dos Países Não-Alinhados e, embora defendesse a emancipação das colônias, constava entre seus princípios a “solução de todos os conflitos internacionais por meios pacíficos (negociações e conciliações, arbitragens por tribunais internacionais), de acordo com a Carta da ONU”.

Em 1958, ocorreu em Accra a Primeira Conferência dos Povos Africanos, ocasião que deu grande destaque internacional a Nkrumah. Apesar das orientações similares às da Conferência de Bandung, a presença maciça de líderes de movimentos de libertação nacional africanos, como Patrice Lumumba — sendo que, dos 28 países presentes, apenas oito já eram independentes —, conferiu um caráter mais combativo e com declarações mais radicais.

As movimentações de reorganização na África geralmente são compreendidas como parte de dois blocos: o de Casablanca e o de Monróvia. O primeiro era visto como mais radical e internacionalista, defendendo uma união africana que questionasse as fronteiras estabelecidas pela Conferência de Berlim. O segundo, liderado por Léopold Sédar Senghor, do Senegal, e Félix Houphouët-Boigny, da Costa do Marfim, era mais conservador, próximo do Ocidente e favorável à manutenção das fronteiras coloniais.

Apesar das articulações dos líderes nacionalistas, as principais potências da Guerra Fria, por vias diplomáticas e de cooperação econômica e militar, buscaram instrumentalizar essas lideranças africanas conforme seus interesses. Os políticos africanos, por sua vez, também se posicionavam conforme seus próprios interesses, buscando normalizar as situações políticas internas e angariar apoios internacionais. Nesse contexto, a maior parte das experiências africanas não foi além dos nacionalismos burgueses e bonapartismos. Algumas não conseguiram evitar golpes patrocinados pelo Ocidente; outras abandonaram a perspectiva da existência de uma luta de classes na África, optando pela construção nacional a partir do Estado e do exército.

 

Estado e Classes Sociais no socialismo africano

Como afirmamos, as independências africanas eram elementos chaves e potentes da conjuntura internacional. A esquerda globalmente, jogava muita confiança e estava esperançosa com os acontecimentos políticos africanos. De acordo com historiador Baruch Hirson, proveniente das fileiras do trotskismo sul africano expressou o momento da seguinte maneira:

o entusiasmo pelo socialismo africano se espalhou entre grupos radicais. Aqueles que levantaram vozes críticas eram sectários, dogmáticos, escolásticos ou simplesmente tolos. Como alguém se atrevia a questionar as credenciais de Nkrumah, Touré, Keita, Ben Bella8, Lumumba ou Felix Moumie9 dos Camarões? Estes não haviam entrado no campo e conquistado apoio de massas, organizado seus compatriotas em movimentos de massas (ou um exército revolucionário na Argélia), não haviam embarcado em campanhas que humilhavam as potências imperialistas? Eles não eram campeões da paz mundial e oponentes da bomba atômica? Não condenaram o apartheid, insultaram os belgas, apoiaram os argelinos em suas batalhas? Até Nasser se juntou às fileiras dos quase socialistas. Ele livrou o Egito de uma monarquia corrupta, nacionalizou o canal de Suez, resistiu ao ataque da Grã-Bretanha, França e Israel e se juntou ao grupo Casablanca. Ora, ele até se voltou para Moscou para obter ajuda e assistência na construção da represa de Aswan, e isso sozinho o qualificou para a denominação: socialista. E se esses socialistas aprisionassem oponentes, acorrentassem sindicatos, proibissem greves, banissem os partidos comunistas? Tais feitos tinham que ser aceitos como parte do preço da libertação, como consequência necessária da luta contra o imperialismo.

Como já apontamos, diferentes governos, com distintas estratégias e concepções, passaram a se definir como socialistas após as independências africanas. Mesmo que suas políticas não rompessem com as práticas neocoloniais de seus antigos colonizadores, mantivessem ou impulsionassem, junto a empresas estrangeiras, relações sociais capitalistas, reprimissem internamente sindicatos, estabelecessem processos de deslocamento forçado das populações rurais e recorressem à repressão violenta, o “socialismo africano” estava recorrentemente presente como uma política de Estado.

Para verificar os contornos gerais do socialismo africano, tomaremos como exemplo expressivo o documento publicado em 1965 no Quênia, sob o regime de Jomo Kenyatta: o Sessional Paper No. 10: African Socialism and Its Application to Planning in Kenya. Tal documento foi elaborado frente às contestações ao regime de Kenyatta, por realizar uma reforma agrária que indenizava os antigos colonos e privilegiava os quenianos com dinheiro. Outras polêmicas existiam em torno da moderação de Kenyatta, de sua política de garantir a presença dos antigos colonos e do caráter não socialista de seu plano de industrialização. Para pôr um ponto final na contenda, com uma versão oficial do significado do socialismo africano, foi criado o Sessional Paper No. 10. Segundo o documento:

Na frase “socialismo africano”, a palavra “africano” não é introduzida para descrever um continente para o qual uma ideologia estrangeira será transplantada. Destina-se a transmitir as raízes africanas de um sistema que é africano em suas características. Socialismo africano é um termo que descreve um sistema político e econômico africano que é positivamente africano, não sendo importado de nenhum país ou sendo um projeto de qualquer ideologia estrangeira. mas capaz de incorporar técnicas úteis e compatíveis de qualquer fonte. As principais condições que o sistema deve satisfazer são: (i) deve basear-se no melhor das tradições africanas; (ii) deve ser adaptável a circunstâncias novas e em rápida mudança; e (iii) não deve depender de seu sucesso em uma relação de satélite com qualquer outro país ou grupo de países.10 

O socialismo africano afirma que sua base está em uma essência comunitária das populações africanas, consideradas não capitalistas, cooperativas e comunalistas. Em seu cerne, as propostas políticas são bastante moderadas e não estabelecem um critério rígido quanto ao caráter da propriedade. O socialismo africano se limita à defesa e à noção de “múltiplas formas de propriedade” e à sua difusão, incluindo: (i) democracia política; (ii) responsabilidade social mútua; (iii) diversas formas de propriedade; (iv) uma série de controles para garantir que a propriedade seja usada nos interesses mútuos da sociedade e de seus membros; (v) difusão da propriedade para evitar a concentração de poder econômico; e (vi) impostos progressivos para assegurar uma distribuição equitativa de riqueza e renda.

Kenyatta utilizou a palavra em suaíli, Harambee (agir junto), para expressar o espírito do socialismo tradicional africano. No entanto, sua política, além de traços autoritários, conciliou na administração antigas figuras coloniais, incentivou o investimento estrangeiro com o objetivo de impulsionar a economia local, e reprimiu movimentos insurgentes como os Mau Mau, dando continuidade à perseguição e repressão desses grupos.

É interessante notar que a disputa sobre o significado do socialismo africano por si só já representa a falácia de uma de suas teses: a de que, uma vez que a luta de classes não seria importante na sociedade africana, o Estado seria o representante genuíno de toda a nação. Rapidamente, setores críticos perceberam as contradições do socialismo africano. Blidad Kaggia, um dos defensores de uma reforma agrária radical, se pronunciou da seguinte forma:

 

Eu não me importo em chamar nosso socialismo de Africano, Socialismo Keninano, Socialismo Kikuyo ou até Luo Socialismo, mas eu acredito que, independentemente do prefixo que nós usamos, nós devemos ser socialistas e não capitalistas e eu acredito que o governo deve realmente implementar o socialismo para nossas próprias condições, mas não trazer o capitalismo encoberto pelo socialismo.11

 Outras lideranças de Estados independentista africanos desenvolveram suas próprias ideias sobre “socialismo africano”. É o caso da Ujaama Julius Nyerere na Tanzânia12. Nyerere destacou-se na política do Tanganica nas eleições realizadas ainda durante as reformas políticas do final da década de 1950, sob a administração colonial britânica. Nyerere e seu partido, a TANU (Tanganyika African National Union), criticaram a distorção representativa que equiparava a esmagadora maioria da população negra à minoria branca, defendendo uma ação “não violenta”. Em 1959, a TANU conquistou todas as cadeiras legislativas reservadas aos africanos e se tornou o único interlocutor da Grã-Bretanha no processo de descolonização do Tanganica, e Nyerere tornou-se presidente com a independência em 1961. Até 1964, a política adotada não só era moderada, como mantinha grande continuidade com a administração britânica. Tanto é que, em 1964, diante de um motim militar, Nyerere recorreu às próprias forças militares britânicas e manteve o Tanganica na Commonwealth.

Para Nyerere, a descolonização na África deveria se completar a partir de governos independentes, de forma gradual e por meio da articulação diplomática entre nações, o que poderia incluir novas uniões entre Estados. Em 1967, foi aprovado o documento intitulado “A Declaração de Arusha e a política da TANU sobre Socialismo e Autossuficiência”. O documento declarava a Tanzânia como um Estado em transição ao socialismo, ainda marcado por características feudais e capitalistas. No entanto, reconhecia o direito ao investimento e à presença de empresas estrangeiras no país, interpretadas como uma necessidade diante da austeridade financeira do Estado. Assim, a declaração de construção do socialismo na Tanzânia propunha uma política de convivência entre o investimento privado e uma suposta economia socialista que se desenvolveria fundamentalmente no campo.

Arrecadar dinheiro e permitir progressivamente a substituição de importações seria papel das empresas privadas, concentradas nas cidades. Para a zona rural, o documento reproduzia a ideia colonial de que a população trabalhava pouco e que a autossuficiência seria garantida por programas agrícolas que intensificassem a produção: “As indústrias virão e o dinheiro virá, mas sua base são as pessoas e o seu trabalho árduo, especialmente na agricultura. Este é o significado da Autossuficiência.” Em outras palavras “o socialismo como atitude” de Nyerere se transforma apenas no imperativo “trabalhem”!

Nessa combinação entre propriedade privada e socialização podemos compreender o significado da base ideológica, ujamaa, do chamado socialismo africano de Nyerere. Sua base agrária, fundamentada em uma tradição comunitária e socialista dos povos africanos, impediria o desenvolvimento das relações capitalistas no campo, enquanto o programa de industrialização progressivamente superaria a dependência internacional do país. Na concepção de Nyerere, a luta de classes não existia internamente na Tanzânia, e o ethos socialista do povo impedia o desenvolvimento das relações capitalistas. Ao mesmo tempo, para ele o socialismo não era um modo de produção distinto, mas apenas uma nova forma de distribuição.13 O Estado, nesse esquema, era o principal mediador que impediria o avanço capitalista e construiria o socialismo. Mais uma vez, a negação da luta de classes é imperiosa nessa concepção. Ainda que a declaração fale em organização democrática e socialista, a intervenção estatal na economia não ultrapassava um programa estatista burguês, sem espaço para controle operário nas indústrias e com um planejamento rural de caráter compulsório e burocrático.

A palavra ujamaa, que significa “família” ou “irmandade” em suaíli, representava essa essência comunitária africana e seria a base do socialismo tanzaniano, que, na concepção da TANU e de Nyerere, permitiria a autossuficiência da população rural diante das dificuldades e da lentidão da industrialização. No entanto, tal programa exigia a reorganização da população rural por meio de um plano desenvolvimentista de aldeamento. A dispersão da população rural era vista como um entrave ao aumento da produtividade almejada pelo Estado tanzaniano, e os objetivos econômicos da burocracia estatal colocavam por terra as frases sobre democracia e comunitarismo tradicional. Não era o trabalho coletivo que predominava nas aldeias; as decisões não eram efetivamente tomadas nas assembleias, mas nos Comitês Departamentais para o Desenvolvimento e Planificação, que desconsideravam até mesmo as tradições culturais das sociedades rurais. A partir da década de 1970, o exército passou a dirigir o processo de aldeamento por meio de violência e chantagens. Os progressos prometidos pelos aldeamentos — serviços básicos, insumos e maquinário — ficaram muito aquém do esperado, e os recursos já escassos eram desviados pela burocracia estatal e militar.[14]

Se, teoricamente, a filosofia do ujamaa de Nyerere reivindicava uma essência socialista das populações tradicionais africanas e uma modernização pela tradição, o projeto econômico posto em prática combinava desenvolvimentismo burguês com coletivização forçada do campo, praticada pelo Estado. O processo de aldeamento estava longe de representar qualquer associação livre por parte dos camponeses. Pelo contrário, além dos objetivos econômicos, os deslocamentos significaram uma forma de expansão do poder do Estado sobre o território e as populações. O cooperativismo, inicialmente uma forma de substituir os pequenos comerciantes, conforme a declaração de Arusha, foi rapidamente substituído pelas estruturas regionais do partido, e a auto-organização foi reprimida pelos militares. As lojas locais, por sua vez, atacadas em um primeiro momento, ressurgiram como iniciativas da própria burocracia estatal. Diferentemente do “socialismo africano” de Nyerere, a intensificação do trabalho agrícola ocorreu em contradição com as economias de subsistência rural e com a auto-organização democrática.

A teoria de Nyerere, segundo a qual tanto o socialismo quanto a democracia já estavam enraizados nas sociedades africanas[15] não representava uma forma de desenvolver a auto-organização, seja do poder operário ou de uma aliança operário-camponesa. Ao contrário, era uma forma de negar a luta de classes na África e substituir a ação das massas pela ação do Estado. O próprio Nyerere legitimou o aldeamento compulsório em 1973, declarando: “Viver na aldeia é uma ordem.

Diante dessas complexidades e contradições, a compreensão das experiências socialistas africanas exige um olhar atento para as tensões entre continuidade e ruptura, entre as estratégias de luta armada e as dinâmicas políticas internas e internacionais que condicionaram esses processos. Na segunda parte deste estudo, aprofundaremos a análise da Guerra Popular Prolongada em África, enfocando a emergência do socialismo científico como uma tentativa de radicalização política mais explícita e organizada, inspirada no maoismo. Examinar-se-ão os casos emblemáticos de Angola, Moçambique e a trajetória de Thomas Sankara, buscando compreender como essas experiências tentaram articular luta anticolonial, ideologia socialista e construção de Estado num contexto marcado por desafios geopolíticos e pela reconfiguração das relações de poder no continente.

 

 Notas

*Imagem: Luta contra apartheid África do Sul 1980. Imagem BillMari

1. Um dos fundamentos da tese “socialismo em um só país” é exatamente a separação entre a defesa da URSS e o avanço da revolução em outros países. A concepção de Stalin passava por se apoiar nas contradições entre os países imperialistas, nas burguesias nacionais dos países de desenvolvimento capitalista atrasado e na burocracia sindical dos países centrais, ainda que estes agentes praticassem políticas contrarrevolucionárias em seus países. Nos anos 30, com a orientação de formações de Frente Populares e a aproximação da Inglaterra e da França, tal concepção adquire caráter normativo e cada vez mais generalizado. Stálin, por exemplo, aconselhava diretamente Largo Caballero na Espanha a evitar o perigo de uma república comunista para resguardar as relações diplomáticas com a Inglaterra e França.

2. Jomo Kenyatta, membro do povo Kikuyu, que vivia sob o regime colonial britânico na então África Oriental Britânica, estabeleceu relações com George Padmore e C. L. R. James nos anos 1930, em Londres, por meio do International African Service Bureau, e esteve presente no V Congresso Pan-Africano. Padmore chegou a financiar os estudos de Kenyatta em economia, em Moscou. Contudo, diante da ruptura de Padmore com o stalinismo, Kenyatta decidiu retornar a Londres, onde prosseguiu seus estudos em antropologia sob a orientação de Bronislaw Malinowski. Sua tese, Facing Mount Kenya, publicada em 1938, foi a primeira etnografia realizada por um africano sobre seu próprio povo. Em 1946, já no Quênia, tornou-se líder da União Africana do Quênia (KAU). Em 1952, foi preso pelo governo britânico, acusado de liderar a rebelião Mau Mau, e só foi libertado em 1961. Em meio às negociações com o governo britânico, Kenyatta tornou-se primeiro-ministro do governo autônomo do Quênia. Em dezembro de 1964, foi proclamada a independência do país, com Kenyatta como seu primeiro presidente.

3. Patrice Lumumba (1925–1961), fundador do Movimento Nacional Congolês (MNC), no então Congo Belga, ganhou projeção em meio a uma onda de protestos em 1958, na capital Léopoldville, que forçou a Bélgica a estabelecer um plano de transição gradual para a independência, inicialmente previsto para cinco anos, com a legalização de eleições locais. Havia uma possibilidade concreta de que esse plano resultasse na formação de um movimento político de independência branca, que substituiria a presença colonial formal. O MNC, inicialmente, denunciou essa manobra e convocou um boicote às eleições locais. Lumumba ampliava sua influência por meio dos protestos nas principais cidades. Em 1959, após a repressão violenta a um protesto em Stanleyville, onde ocorreu um massacre, Lumumba foi preso. Paradoxalmente, sua detenção aumentou ainda mais sua influência, permitindo ao MNC capitalizar a popularidade conquistada para mudar de estratégia e participar das eleições. Em Stanleyville, o MNC obteve cerca de 90% dos votos, e essa vitória eleitoral forçou a Bélgica a convocar uma conferência para acelerar a transição. O MNC condicionou a continuidade das negociações à libertação de Lumumba.

A votação expressiva colocou Lumumba na posição de primeiro-ministro, mas as negociações, tuteladas pela Bélgica, resultaram na divisão prática do poder entre ele e Joseph Kasavubu. A independência foi rapidamente sucedida por um complô financiado pelo governo belga e por empresas de mineração, culminando na declaração de independência da província de Katanga. Diante da crise, Lumumba buscou apoio da URSS, o que levou Estados Unidos, Bélgica e Reino Unido a articularem sua deposição, apoiando Kasavubu, que dissolveu o governo e ordenou a prisão de Lumumba.

Lumumba tentou fugir do cativeiro, mas foi capturado, transferido para Katanga, onde, sob o comando do coronel Moïse Tshombe — um anticomunista que liderava as forças militares e paramilitares da região —, foi torturado e assassinado, com a participação de oficiais belgas, em 1961.

4. Kwame Nkrumah, que se tornou primeiro-ministro, estabeleceu nos anos 1940 importantes relações nos Estados Unidos com a tendência de C.L.R. James e Raya Dunayevskaya no Workers Party (partido fundado após a dissidência de Shachtman do SWP, em torno do debate sobre a defesa ou não da URSS durante a guerra). Em sua biografia, Nkrumah credita a James os primeiros aprendizados sobre o funcionamento de um movimento de vanguarda. Em 1949, na então colônia britânica Costa do Ouro, fundou o Partido para a Convenção do Povo (CPP), após a repressão de uma onda de protestos contra o assassinato político de africanos pelo regime colonial. Frente às agitações, a Inglaterra promoveu uma série de reformas graduais que garantiam relativa autonomia para a Costa do Ouro em assuntos “domésticos”. Nas eleições realizadas após a Constituição de 1951, Nkrumah e seu partido conquistaram 34 das 38 cadeiras legislativas. No entanto, a independência definitiva de Gana só foi declarada em 1957, e em 1961 foi elaborada uma nova constituição. Após sua saída do poder, Nkrumah radicalizou suas posições, apresentando leituras mais críticas do chamado socialismo africano e das limitações das lideranças nacionalistas que haviam assumido o comando dos estados pós-independência.

5. Ver Kwame Nkrumah, “O socialismo africano revisitado”. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/nkrumah/1967/mes/socialismo.htm

6. Ver programa de Letícia Parks com “Hakim Adi: ‘A Revolução Russa demonstrou a importante relação entre a luta nos países avançados e nos países atrasados contra o capitalismo e o colonialismo’”. Em: https://www.esquerdadiario.com.br/Hakim-Adi-A-Revolucao-Russa-demonstrou-a-importante-relacao-entre-a-luta-nos-paises-avancados-e-nos

7. Padmore nasceu em Trinidad, em 1903. Nos anos 1920, nos Estados Unidos, ingressou no Partido Comunista e, em 1931, substituiu James W. Ford na direção do Comitê Sindical Internacional dos Trabalhadores Negros, na cidade alemã de Hamburgo. Em meio à ascensão do nazismo, foi preso e acabou fugindo, passando pela França e pela Inglaterra, onde se estabeleceu em 1935. Após romper, em 1934, com o stalinismo, Padmore se transformou em um dos principais organizadores do pan-africanismo. Em 1957, mudou-se definitivamente para Gana, onde ocupou o cargo de Assessor para Assuntos Africanos de Kwame Nkrumah. Morreu em 1959.

8. Primeiro presidente da Argélia e líder da guerra de independência argelina.

9. Félix-Roland Moumié (1926 – 1960) líder da guerra anticolonial dos camarões contra a França. Foi assassinado pelo serviço secreto francês em 1960.

10. Em Sessional Paper No. 10, Africa Socialism ans its application to planning in Kenya, p. 03. Disponível em: https://repository.kippra.or.ke/bitstream/handle/123456789/2345/AFRICAN-SOCIALISM-AND-ITS-APPLICATION-TO-PLANNING-IN-KENYA.pdf?sequence=6&isAllowed=y.

11. Em: Ralph Grillo, The construct of ‘Africa’in ‘African Socialism’. Em: Socialism: Ideals, Ideologies and Local Practice. Routledge, 2003. p. 62.

12. A independência da Tanzânia se inicia em 1961 no Tanganica, antiga colônia alemã, que havia sido transferida para Inglaterra no Tratado de Versalhes ao fim da Primeira Guerra Mundial, através de negociações entre o Reino Unido e a União Nacional Africana do Tanganika (TANU), partido liderado por Nyerere. Em 1964, a elite tradicional de origem árabe, representada pelo sultão Jamshid bin Abdullah no Arquipélago do Zanzibar, foi deposta por uma insurreição, liderada por uma frente de partidos nacionalistas que se organizou no Partido Afro-Shirazi (ASP), liderado por Abeid Karume. Em 23 de abril de 1964 Nyerere e Karume negociaram a união dos dois territórios formando a República Unida da Tanzânia. Zanzibar recebeu status de região autônoma sendo governado Karume e um conselho próprio.

13. “A diferença básica entre uma sociedade socialista e uma sociedade capitalista não reside no seu modo de produção de riquezas, mas na   forma   como   as riquezas são distribuídas.” NYERERE, Julius.Ujamaa – Essays on Socialism. Dar Es Salaam: Oxford University Press, 1968.

14. Cf. Zecki Ergas, “La politique des villages Ujamaa en Tanzanie: la fin d’un mythe”. Revue Tiers Monde, p. 169-186, 1979. Disponível em https://www.jstor.org/stable/23589417?casa_token=srDQxlogT88AAAAA%3A-Ufi7-7VTmclrVXavkgc5GzTqQ7R1ItjwzWhEhMWfRBUSQd72k91SWY1Ple-mQha11nMsWkyqYvH2mt-p2nwS7CsxO2dDQYVBpwYBgzNv3JTxNeQwyc6Jg.

 

 

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