Felipe Guarnieri
Transcrição da Palestra “A origem do trotskismo no Brasil”, apresentada por Felipe Guarnieri, metroviário e pesquisador, na Casa Marx em 07 de Agosto de 2024. Essa palestra se insere na programação da Casa Marx pautada por homenagens a León Trótski a 84 anos de seu assassinato a mando do stalinismo.
A história do movimento operário brasileiro sempre despertou meu interesse de reflexão e pesquisa. Na dissertação de mestrado que apresentei na PUC-SP “A questão nacional e o trotskismo no Brasil (1927-1940)” e, sobretudo, com os anos de estudo e formação politica e teórica militante, pude retornar a uma etapa significativa dessa história e que hoje gostaria de compartilhar um pouco dela com vocês. Para assim, debatermos e coletivamente nos conectarmos com o que a tradição do marxismo revolucionário produziu de melhor em nosso país e que seguem vigentes nos dias de hoje.
Analisar o por que de as revoltas e lutas inerentes ao sistema capitalista não se transformam em revoluções operárias triunfantes faz parte de uma tensão do pensamento marxista. Se alguns são céticos em ver essa possibilidade se realizar e, por conta disso, almejam outras estratégias, essa pesquisa buscou se orientar por outro caminho: resgatar os debates teóricos que constituem a essência de uma política independente do proletariado para responder a problemática da hegemonia sobre a questão nacional.
O capitalismo é como um grande oceano e se deixarmos nos levar por suas correntezas inevitavelmente iremos parar nas suas profundezas mais sombrias. Digo isso, porque parte do convite que faço é assumir o desafio que os trotskistas brasileiros se propuseram nas primeiras décadas do século passado: enfrentar essas correntezas.
Uma tarefa complexa, mas que a revolução russa de 1917 demonstrou não ser impossível. Afinal, não precisamos nadar contra a corrente sozinhos, podemos construir grandes embarcações, que com a rota correta superará até mesmo as mais temíveis tempestades. Falo aqui de partido e da teoria revolucionária. A luta em defesa da hegemonia operária de Lênin e Trótski foi determinante para que os bolcheviques superassem a estratégia de conciliação menchevique. Contudo, a reação burocrática do stalinismo representou não somente a derrota da revolução operária em vários países, como o abandono do socialismo no terreno internacional. Tal fator foi determinante para o capitalismo prevalecer no século XX, e por outro lado, reatualiza o debate sobre a disputa entre a hegemonia operária e burguesa no século XXI.
O terreno escolhido para essa reflexão se deu através da investigação das condições de origem do trotskismo no Brasil com a formação da Liga Comunista Internacionalista (LCI), a partir da luta política interna com a direção do Partido Comunista Brasileiro, no período que abrange dos anos de 1927 até 1940. Trata-se de expor as teses dos trotskistas brasileiros acerca da formação do capitalismo nacional com o objetivo de demonstrar a importância da hegemonia operária como fator estratégico determinante para a condução dos processos revolucionários nos países de capitalismo atrasado.
A hipótese teórica consiste na seguinte pergunta: a classe operária pode exercer uma função hegemônica antes de conquistar a dominação política? No que diz respeito à questão nacional, esse questionamento se faz necessário não apenas para a análise dos nacionalismos que pavimentam o caminho para regimes fascistas, como principalmente para desenvolver a relação entre a luta pela libertação nacional e a revolução socialista.
Nesse sentido, os estudos realizados por Poulantzas, Gramsci e Trótski ajudam na compreensão dessa problemática, ainda que com maneiras distintas de abordagem, baseadas fundamentalmente em 3 concepções da manifestação da hegemonia sobre a questão nacional.
A primeira remete ao fato de o Estado Capitalista ser um Estado-Nação. Ou seja, a questão nacional se constitui como alicerce da hegemonia burguesa. A ideologia nacional se manifesta nas estruturas do Estado Capitalista para ocultar a dominação política da burguesia através de anular/distorcer as relações de exploração de classes. Diferentemente dos modos de produção pré-capitalistas, em que a ideia de nação tinha como prerrogativa um poder político legitimido pelo “direito divino”, no capitalismo a nação remete ao princípio da igualdade, normatizada por um estrutura jurídica-política de um Estado-popular-de classe. Poulantzas constata um duplo efeito que promove a exclusão das classes dominadas do controle das instituições do Estado. Um efeito de Isolamento: que abstrai o caráter de dominação de classe do Estado e atua para desorganizar as classes dominadas. E o efeito de representação de unidade: que iguala os indivíduos proprietários e não proprietários como cidadãos livres e políticos.
A segunda podemos chamar de crise de hegemonia burguesa ou, como Gramsci definia, de crise orgânica. Ela vai além das definições corretas, porém estáticas de Poulantzas. É justamente onde busco realizar uma aproximação das posições teóricas de Gramsci e Trótski para analisar as circunstâncias em que a hegemonia burguesa passa a ser questionada, seus partidos tradicionais perdem capacidade de influência, aumenta a crise de representatividade nas classes médias e a polarização política na sociedade – creio que se trata de um conceito que ajuda bastante a compreender a atual realidade dos regimes políticos em vários países atualmente, em particular o Brasil. Não necessariamente situações de crise orgânica se desenvolvem em situações revolucionárias. Tanto Gramsci como Trótski, referenciam-se nas obras de Marx e falam sobre a possibilidade de surgir nesse processo tendências bonapartistas no regime e em governos, que atuam como uma espécie de árbitro sobre as classes sociais. A burguesia concede ao Bonaparte o poder político, para preservar seu poder econômico. Baseado na ideia de equilíbrio instável da teoria gramsciana do Estado Ampliado, aonde para responder as revoluções operárias do início do século, o Estado Capitalista assume uma forma integral na sociedade, como com a estatização dos sindicatos e dos movimentos de massa, através de concessões que buscam de maneira sofisticada institucionalizar as lutas reivindicativas com objetivo de manter a dominação burguesa.
Voltando ao conceito de bonapartismo, Gramsci ainda irá dizer que ele pode assumir um caráter progressivo ou regressivo. Progressivo se ele é obrigado pela dinâmica da luta de classes a se apoiar em forças sociais progressivas (Cárdenas no México) para manter a ordem capitalista. Regressivo quando se apoia em forças reacionárias, aprofundando o militarismo, os traços ditadoriais e as ações policialescas contra as classes dominadas (Estado Novo varguista). Trótski ainda agrega uma outra característica aos regimes políticos na América Latina observando a existência de um tipo de bonapartismo sui generis baseado na relação entre as burguesias nacionais e o imperialismo norte americano por um lado, e o forte proletariado já presente nos países atrasados e semi-coloniais por outro.
A terceira concepção corresponde à resposta da hipótese anunciada anteriormente. Para Poulantzas hegemonia e dominação política são conceitos diretamente associados, critica Gramsci por promover uma ruptura teórica entre eles, e portanto defende a ideia de que a classe operária só consegue realizar a sua função hegemônica sendo classe politicamente dominante. Uma visão perigosa que levou Poulantzas a se distanciar da teoria revolucionária na década de 70 e o levou ao Eurocomunismo, já que para ele ao não exercer a dominação de classe resta à classe operária uma estratégia de polarização institucional do aparelho estatal parlamentar, baseado na luta de classes como fator de pressão externa, e não como fator estratégico insurrecional.
Já para Gramsci, hegemonia e dominação política possuem um nexo dialético. Se de fato o autor concebe que a realização plena da hegemonia só pode ocorrer com a conquista do poder político pelo proletariado, isso não significa dizer que em situações revolucionárias o proletariado não possa exercer uma função hegemônica no conjunto da sociedade em base à realização prévia de uma série de tarefas preparatórias. Como se comprova, por exemplo, a partir do duplo poder aberto pelos sovietes (auto-organização da classe operária) na Rússia pré-Outubro de 1917. Em sua teoria da revolução permanente, Trótski, não somente absorve essa hipótese gramsciana, como vai além, pois determina como condicionante do triunfo do processo revolucionário a necessidade de a classe operária ser o sujeito hegemônico da revolução. No sentido de promover a fusão das tarefas democráticas da revolução, como no caso específico a luta pela libertação nacional, com as tarefas socialistas (planificação da economia e a ditadura do proletariado, com apoio do campesinato, contra a reação burguesa). Em termos gerais podemos dizer que se para Gramsci a classe operária pode exercer uma função hegemônica antes da tomado do poder, para Trótski a classe operária não só pode como o Partido deve estabelecer tarefas preparatórias nesse sentido também nos países de desenvolvimento capitalista atrasado.
Será em base às formulações e leis presentes na TRP (Teoria da Revolução Permanente) que surgirá na URSS e em diversos países do mundo que a OIE 1 , conformada por organizações políticas, vão estabelecer, contra a degeneração stalinista, a defesa das conquistas da Revolução operária na Rússia e a necessidade da sua internacionalização. Entre elas, no Brasil, a LCI, torna-se politicamente a seção mais forte na América Latina.
A origem do trotskismo no Brasil e a estratégia de construção partidária da LCI
O primeiro momento do trotskismo no Brasil constituiu três fases importantes dentro de um período que pode ser compreendido entre os anos de 1927-1940, diretamente relacionado com a formação da Oposição de Esquerda Internacional, a fundação da Quarta Internacional e o assassinato de Trótski a mando do stalinismo. Buscaremos desenvolver esse processo, que não somente influenciou de maneira determinante o pensamento acadêmico em torno da formação do capitalismo brasileiro, assim como a estratégia de construção partidária que formou a Liga Comunista Internacionalista (LCI) em confronto com a direção do PCB e as diretrizes políticas do 2º e 3º período oriundas da III Internacional stalinizada.
O desafio dos primeiros trotskistas brasileiros era aplicar as leis da teoria da revolução permanente no Brasil, ou seja, construir uma estratégia revolucionária baseada no exercício da função hegemônica da classe operária capaz de fundir as tarefas da revolução democrática com as tarefas da revolução socialista, dentro de um país de formação capitalista atrasada. Se por um lado, a classe operária brasileira já era uma força social que acabara de protagonizar fenômenos da luta de classes como a Greve Geral de 1917, por outro lado o atraso dos direitos democráticos determinados pela dominação imperialista reforçava a luta pela libertação nacional, que era condicionada pelo PCB através da aliança do movimento operário com variantes burguesas e pequeno-burguesas.
Apesar de Rodolpho Coutinho ter sido o primeiro militante comunista a estabelecer contato com Trótski em 1924, foi com Mário Pedrosa em 1927 que as ideias oposicionistas começaram a formar corpo no Brasil. No mesmo ano, Pedrosa foi enviado pelo PCB para participar da Escola Leninista na URSS, contudo no percurso da viagem adoeceu, acabou se estabelecendo na Alemanha onde participou das atividades partidárias do PCA e depois seguiu para a França, onde estreitou relações com Pierre Naville e a as ideias da Oposição de Esquerda. Vale destacar que esse é o momento mais agudo das divergências políticas na III Internacional. Tratou-se das mudanças dos rumos da Revolução de 1917 e da consolidação da reação stalinista como força hegemônica na Internacional, a partir da sua ofensiva contra os oposicionistas. Para chegar nessa localização, o stalinismo enfileirou corpos da velha guarda bolchevique. 18 dos 31 membros do Comitê Central que o PCUS teve entre 1918 e 1921 posteriormente foram assassinados a mando de Stálin, além da repressão a milhares de militantes de todas as correntes anti-stalinistas, e principalmente com a expulsão de Trótski da URSS.
É neste contexto que se desenvolve de forma intensa o intercâmbio entre Pedrosa e Lívio Xavier através de cartas, presentes no arquivo do jornalista e recentemente abordadas na obra Solidão Revolucionária, de José Castilho Marques Neto, que possui o mérito de estabelecer um valor mais preciso sobre as análises teóricas e programáticas da época em comparação com o peso que geralmente assume as dissidências do PCB na historiografia. Afinal, a crise do PCB não era decorrente apenas do fato de o partido possuir uma direção jovem com pouca experiência na luta de classes, também estava associada com as transformações do movimento comunista que colocavam o debate internacional no centro da reflexão militante. Na dimensão em que os critérios programáticos de filiação de um grupo para a OIE se concentraram em temas como o comitê anglo-russo, a revolução chinesa e a política econômica da URSS, presentes na deliberação da reunião de fundação do Grupo Comunista Lenine (GCL) em 1929:
Desde agora, porém, por deliberação da nossa reunião de 13 de abril, estamos autorizados a declarar que nosso grupo adota a mesma posição de Trótski e da Vérite em três questões – a teoria da edificação do socialismo em um só país, a questão do Comitê Anglo-Russo e a Questão Chinesa. (A Luta de Classes apud MARQUES NETO, 2022, p. 157, grifo do autor)
1ª Fase: A Origem baseada na conquista de uma fração revolucionária de dirigentes do PCB
A fundação do GCL e a publicação do jornal A luta de Classes consolidou a origem do trotskismo no Brasil. Era resultado fundamentalmente da articulação de um núcleo de intelectuais que Mário Pedrosa e Livio Xavier estabeleceram com as ideias oposicionistas, desde os organismos dirigentes do PCB, e como esses atuaram nas rupturas decorrentes da crise do partido, motorizadas por: a-) a política de alianças e a tática do BOC; b-) a relação do partido com os sindicatos; e c-) o centralismo democrático.
Já em 1927, na reunião do Comitê Executivo do PCB, Rodolpho Coutinho, colocou-se contra a tática do Bloco Operário Camponês, baseadas nas formulações de Octávio Brandão e apoiadas pela política do 2º período da IC até 1928. Brandão e Astrojildo Pereira defendiam uma espécie de Kuomintang Tupiniquim 2 através de uma aliança eleitoral do partido com o Luís Carlos Prestes sob a justificativa de que a Coluna Prestes influenciaria com elementos revolucionários a pequena burguesia, possibilitando ao partido sair do isolamento e “ampliar as bases”. A aposta da direção do PCB era na hipótese de que as revoltas tenentistas do forte de Copacabana e São Paulo fossem seguidas por uma “terceira revolta”, ainda mais radicalizada, e que pudesse se transformar na revolução democrática.
As hipóteses do PCB não se materializaram, mas a argumentação de Coutinho alertou ao fato de que mesmo se desenvolvendo essa aposta, tornaria-se a repetir os erros da IC na revolução chinesa, já que os setores com que a direção do PCB pretendia construir uma aliança se voltariam contra a classe operária em meio ao processo revolucionário.
Coutinho foi o único voto contrário à tática na reunião. Não por conta de seu aspecto eleitoral, mas por estar fundamentada a partir de uma estratégia de conciliação de classe. Contou também com a abstenção de João da Costa Pimenta, que, no ano seguinte, junto com Joaquim Barbosa, liderou a Cisão de 1928.
Essa ruptura aconteceu quando a IC começou a implementar o seu giro para política de 3º período, uma outra face sectária da orientação oportunista do período anterior, não captada pela própria direção do PCB, que na sua orientação partidária tentou realizar um amálgama entre os dois períodos por meio da conformação do BOC. Isso aprofundou as crises internas no partido, em particular na sua relação com os sindicatos.
O caso mais concreto foi na União dos Trabalhadores Gráficos (UTG), nos sindicatos de RJ e SP. A direção do PCB combinou métodos ultra-esquerdistas que abriram espaço para a ofensiva repressiva da Lei Celerada 3 que levou ao fechamento da sede da UTG no Rio de Janeiro, e uma orientação oportunista de construir uma Federação Regional com a política de participar dos debates sobre a Lei de Férias do Governo Arthur Bernardes, que se tratava de um ataque ao movimento sindical.
A atuação de Coutinho e Xavier, em correspondência com Pedrosa, foi fundamental para conquistar uma fração revolucionária nessa ruptura da oposição sindical. Isso porque elevou as críticas dos temas sindicais ao patamar político, e subordinou as denúncias de método burocrático, feitas principalmente por Barbosa, aos problemas teóricos e programáticos da direção do PCB. A luta política dos trotskistas estabeleceu ao mesmo tempo a defesa de Barbosa, expulso por suas críticas pela direção do partido, e a diferenciação com sua plataforma, a rigor sindicalista. Isso permitiu que parte importantes dos signatários da Cisão de 1928 aderissem posteriormente ao GCL, entre eles Pimenta, secretário geral do Partido e principal dirigente sindical da UTG, três dos quatro dirigentes da juventude (Hicar Leite, Sávio Antunes e seu irmão) e nomes como Aristides Lobo, João Dalla Déa e Plinio Gomes de Mello.
2ª Fase: Bastião, centro de gravidade e a Frente Única Operária
O resultado dessa luta política promoveu um salto de construção dos trotskistas no movimento operário. Em particular, após a greve de 23 de Março de 1929, deflagrada pelo Sindicato dos Gráficos em SP, que durou 72 dias e contou com a participação de mais de 7 mil trabalhadores. Uma greve fortíssima em meio à crise do PRP no governo, com grande apoio popular e a solidariedade de outras categorias de trabalhadores, como os próprios gráficos do Rio de Janeiro. Em uma de suas manifestações, no dia 25 de Maio de 1929, entoavam o hino da Internacional Comunista nas avenidas cariocas. Os erros novamente cometidos pela direção do PCB culminaram na derrota da greve, contudo a vanguarda não saiu desmoralizada, e os trotskistas conseguiram no momento seguinte se alçar como direção do Sindicato de SP.
O GCL chegou a organizar 36 militantes no Sindicato dos Gráficos de SP e 15 militantes no Rio de Janeiro durante a década de 1930, marcando a segunda fase do trotskismo no Brasil com a fundação da Liga Comunista (LC) em janeiro de 1931. A mudança de Grupo para Liga correspondeu não somente à conquista de um bastião revolucionário em São Paulo, combinado com a homogeneização de um núcleo dirigente com intelectuais importantes e de renome, como também com a elaboração de teses fundacionais e de uma plataforma programática sobre a formação do capitalismo brasileiro, baseada no Esboço de uma Análise da Situação Econômica e Social do Brasil, publicado por Pedrosa e Xavier na edição nº 6 do Jornal A luta de classes.
Essas teses possuíram um caráter inovador na teoria marxista, pois contrapunham-se às formulações etapistas da direção do PCB, que caracterizavam um período feudal da economia brasileira para justificar a aliança com a burguesia nacional na revolução democrática, especificamente na Aliança Liberal de Vargas (entre setores nacionalistas das forças Armadas), local onde Prestes gozava de enorme prestígio. Segundo Pedrosa e Xavier, a premissa adotada pelo PCB supervalorizou o conflito burguês entre o imperialismo inglês e o norte americano, através do esquema dual agrarismo e industrialismo, dentro de um suposto confronto de interesses entre os traços feudais da economia cafeeira de SP e o movimento liberal da modernização e da indústria. Para os trotskistas, os pressupostos teóricos eram outros. O que determinava era a subordinação da burguesia nacional como um todo ao imperialismo. A disputa inter-imperialista não se sobrepunha ao fator da luta de classes, o que exigia a ação hegemônica do proletariado como uma força social independente, diante das frações burguesas envolvidas na guerra civil de 1932. Materializada na política de Assembleia Nacional Constituinte defendida pelos trotskistas naquele momento para responder ao problema da unidade nacional, na relação entre as tarefas democráticas da reforma agrária radical e as tarefas socialistas de controle dos meios de produção.
A transição da LC para Liga Comunista Internacionalista (LCI) ocorreu em outubro de 1933 e possuiu uma relação com uma nova estratégia de construção partidária. Deixou de atuar como uma fração externa do PCB e passou a ser uma organização política independente a partir da capitulação do stalinismo na Alemanha, que resultou na vitória eleitoral do nazismo. A vitória de Hitler foi consequência da política de 3º período da IC que negou a realização de exigências às organizações da socialdemocracia para a construção de uma frente única operária. Esse processo levou à completa degeneração burocrática dos PC’s e orientou os grupos da OIE para um movimento consciente de construção da IV Internacional. No Brasil, os impactos dessa estratégia do PCB foram significativos.
São Paulo se transformou num centro de gravidade da atuação da LCI que adquiriu um peso político superior ao Comitê Estadual do PCB. Isso ocorreu pela acumulação militante do momento anterior, pela localização dirigente no Sindicato dos Gráficos que influenciavam outras categorias como ferroviários, químicos e comerciários, e pela fundação do Jornal O Homem Livre, periódico que publicou o manifesto do lançamento da frente única anti-fascista (FUA), onde Pedrosa e Fúlvio Abramo eram redatores. Os trotskistas conseguiram desempenhar um papel hegemônico na articulação das forças políticas que impediram a ascensão do integralismo brasileiro da AIB dirigida por Plinio Salgado, no episódio que ficou conhecido como A revoada dos Galinhas Verde em 07 de Outubro de 1934.
A partir do Sindicato dos Gráficos a LCI articulou a construção de uma frente única operária com organizações anarquistas e socialistas, assim como o próprio Comitê Estadual do PCB de SP, dirigido por Hermínio Saccheta, que não acatou as deliberações da direção nacional, contrária à adesão do Partido na Coligação das Esquerdas.
Milhares de trabalhadores na Praça da Sé impuseram o recuo das forças integralistas. A AIB que vinha numa espiral de crescimento pela crise orgânica aberta no regime brasileiro começou a se fragilizar a tal ponto que não conseguiu mais se reorganizar.
O grande exemplo de atuação dos trotskistas brasileiros, baseado na construção de um centro de gravidade e de um bastião para a difusão da política revolucionária, demonstrou a importância da dimensão estratégica da política de frente única operária defendida por Trótski, na França, na Alemanha e na Itália contra a ascensão do nazifascismo. Apesar de ser uma pequena organização, bem menor inclusive que muitos grupos trotskistas atuais, e que atuava sob condições não favoráveis de repressão e clandestinidade, nos poucos espaços abertos pela luta de classe dentro de uma conjuntura que predominavam os elementos de crise política do regime, a LCI conseguiu fazer uma diferença significativa. Afirmou-se como uma alternativa concreta ao stalinismo, que enterrava o caráter internacional da revolução operária. A LCI foi uma organização atrativa para os militantes descontentes e que acumulavam críticas à direção do PCB, perdida entre os giros políticos da IC que rifou a própria direção do partido. Até mesmo Pereira, um dos fundadores do PCB, que não rompeu com o stalinismo, acabou sendo expulso da direção partidária.
3ª Fase: Crises, desvios e a fusão com Saccheta
A audácia e o dinamismo da LCI logicamente corresponderam com o fortalecimento da OIE e com a fundação da IV Internacional, na qual Pedrosa no então POL (Partido Operário Leninista) foi o único delegado da América Latina presente no Congresso de fundação. Demonstrando como a LCI era uma das organizações mais fortes politicamente no continente. No entanto, e por fim, a terceira fase desse primeiro momento do trotskismo no Brasil abarca as principais crises e equívocos cometidos pela LCI.
Houve o aspecto determinante da ruptura de Pedrosa, que após o assassinato de Trótski aderiu definitivamente às teses de Capitalismo de Estado na URSS na direção da IV Internacional junto com Max Schachtman, dirigente da SWP norte-americana. No que diz respeito ao principal elo entre as posições de Trótski e o grupo brasileiro, ainda em 1935, a organização começou enfrentar muitas crises, pressionada pela aventura militarista da Intentona Comunista levada a frente pelo PCB na ANL.
Neste momento, quadros importantes como Lobo, Raquel de Queiroz e Vitor de Azevedo rompem com a LCI e o nacionalismo aparece como questão central estratégica, diante das manobras promovidas por Vargas e suas barganhas com o imperialismo dos EUA e a Alemanha Nazista. Contudo, o centro de atuação da LCI permaneceu no combate anti-fascista. Mesmo atuando por fora do norte estratégico que primava o fortalecimento das variantes nacionalistas, ainda assim a LCI capitalizou as rupturas oriundas da conciliação de classe do PCB. Entre elas, a oposição classista, processo que deu origem a uma nova fusão partidária, e a LCI passou a se chamar POL.
Todavia, sem dúvida nenhuma, a fusão mais relevante foi com o fração de Saccheta. O dirigente do Comitê Estadual do PCB que acumulava críticas desde a articulação da frente única antifascista em SP, chegou a conquistar o apoio da maioria dos comitês regionais do Partido em 1937 contra a tese de que a “burguesia nacional era a força social da revolução brasileira”. Após 2 anos de luta política, em meio à tentativa de contenção da direção da IC, a Dissidência Pró-Reagrupamento da Vanguarda Revolucionária dirigida por Saccheta aceitou estabelecer um comitê com o POL, que em agosto de 1939 deu origem ao Partido Socialista Revolucionário (PSR), reunindo nomes importantes como Florestan Fernandes, Moniz Bandeira, Mauricio Tragtenberg e a escritora Patrícia Galvão (Pagu), que também havia rompido com o stalinismo.
Se por um lado, os oposicionistas brasileiros ainda conseguiram manter um dinamismo na captação das rupturas do PCB, principalmente pela localização estratégica conquistada e pela luta política que se desenvolvia do momento anterior, por outro lado, as pressões nacionalistas atuavam diretamente na organização. Mesmo que não seja o tema central de aprofundar esses aspectos, há de se considerar que as teses da LCI possuíram um limite importante, no que diz respeito a tratar o problema da escravidão.
Se é verdade que isso não era um problema particular somente da LCI, mas sim do conjunto da esquerda que pouco produziu sobre o tema na época, também é fato que carece nas formulações da LCI a continuidade dos debates desenvolvidos sobre a questão negra na tradição marxista e presentes na história da Internacional Comunista, assim como nos debates realizados entre Trótski e CRL James da SWP norte-americana. Esses debates partiam de encarar o problema nacional, sob a perspectiva dos setores mais oprimidos, e no caso brasileiro representavam a herança escravista do regime social brasileiro. Ou seja, toda a luta pela reforma agrária radical passava necessariamente pela organização dos trabalhadores negros e por fortalecer as relações de solidariedade dos trabalhadores brancos, unificando as fileiras da classe operária como questão estratégica para levar a frente as tarefas socialistas de emancipação.
Com o assassinato de Trótski em 1940, se encerra esse primeiro momento do trotskismo no Brasil. A crise na direção na Quarta Internacional vai se aprofundar durante o período da Segunda Guerra Mundial, levando a divisão de grupos e frações que vão constituir o que definimos como Trotskismo de Yalta, a partir de 1945, cujos desdobramentos vão impactar em todas as sessões nacionais, e sendo assim também no Brasil, tema esse que já mereceria um novo capítulo da historiografia do movimento operário e uma nova oportunidade de encontro para o debate de estratégia da revolução brasileira e internacional.
NOTAS DE RODAPÉ
1. Oposição Internacional de Esquerda- Trata-se da organização internacional das sessões nacionais em diversos países alinhadas com a plataforma política e programática defendida por Trótski e pela Oposição de Esquerda, expulsa do PCUS e da III IC em 1927.
2. Em referência ao Kuomintang, partido da burguesia nacional chinesa o qual Stalin propôs a dissolução dos comunistas no seu interior durante a revolução de 1925-1927. A estratégia de aliança com a burguesia nacional levou a morte e a perseguição de milhares de comunistas do PCCH pelas tropas do General Chiang Kai-Shek.
3. Dispositivo autoritário que limitava a atuação de oposição no regime da república velha, baseada desde a proibição de reuniões até o fechamento das sedes de entidades políticas e sindicais.