Revista Casa Marx

Considerações ecológicas na transição ao comunismo

Esteban Mercatante

A socialização dos meios de produção inicia o caminho rumo a uma sociedade comunista. Os contornos dessa sociedade não podem ser definidos de antemão, mas podemos esboçar alguns princípios fundamentais para alcançar uma sociedade sem exploração de classe que mantenha um metabolismo equilibrado com o conjunto da natureza.

A socialização dos meios de produção dá início ao caminho rumo a uma sociedade comunista. Os contornos dessa sociedade não podem ser definidos previamente. Por isso Marx e Engels eram contrários ao tipo de prefigurações da sociedade comunista às quais os socialistas utópicos eram tão apegados — ideias frequentemente desconectadas da consideração das forças materiais necessárias para sua realização. O que podemos esboçar são alguns princípios organizadores para uma perspectiva comunista ancorada nas potencialidades do nosso presente.

Como sustenta Paul Burkett, uma “coevolução saudável e sustentável da humanidade com a natureza requer um sistema socioeconômico que incorpore o reconhecimento da responsabilidade humana de gerir sua apropriação da natureza, tanto qualitativa quanto quantitativamente” 1 . Diante dos impactos biosféricos da produção humana:

“…a pergunta não pode ser se a natureza será em grande parte humanizada, mas se essa humanização será pró ou antiecológica. Embora uma produção humana pró-ecológica não tente forçar brutalmente a natureza a adotar as formas desejadas, ela ainda precisará guiar de forma suave e cautelosa as condições naturais em direções cuidadosamente escolhidas.” 2 

Não faltarão aqueles que classifiquem essas considerações como antropocêntricas. A questão é que, como nos lembra Andreas Malm, parafraseando o Manifesto Comunista: “a libertação da natureza não pode ser obra da própria natureza” — se deixarmos de fora os animais humanos 3 . Qualquer política ecológica “deve ser antropocêntrica, de forma elementar, metodológica e, como tal, bastante inofensiva” 4 .

O fim do capitalismo não nos colocará fora do Antropoceno, mas nos permitirá desenvolver novas condições para atravessá-lo. A sociedade que surgir das ruínas do capitalismo terá a responsabilidade de restabelecer caminhos sustentáveis para reverter as fraturas metabólicas. A produção humana socialmente desenvolvida não pode ser puramente natural, no mesmo sentido que a reprodução de outras espécies sem intervenção humana. Disso decorre que “a integração entre a humanidade e a natureza” deve “ser considerada conscientemente” em termos do “bem-estar mútuo de ambos” 5 .

A economia do tempo no capitalismo e na transição socialista

O capitalismo é dominado por uma economia do tempo específica: a economia do trabalho necessário por meio da tecnificação da produção, da intensificação dos ritmos laborais, da redução dos tempos mortos, etc. Na produção coletiva, a determinação do tempo também é essencial:

 “Quanto menos tempo a sociedade precisa para produzir trigo, gado, etc., mais tempo ela ganha para outras produções, materiais ou espirituais. Assim como para um indivíduo isolado, a plenitude de seu desenvolvimento, de sua atividade e de seu gozo depende da economia de seu tempo. […] Economia de tempo e repartição planejada do tempo de trabalho entre os diversos ramos da produção são sempre a primeira lei econômica sobre a base da produção coletiva.” 6

A “eficiência” não é apenas uma questão do capitalismo. “Afinal, ninguém quer desperdiçar mão de obra ou recursos naturais”, observa Richard Smith 7. Mas se, sob o capitalismo, o objetivo de usar os recursos de forma eficiente é apenas economizar para produzir ainda mais mercadorias, acelerar a conversão de mais recursos naturais em produtos — para serem esgotados, consumidos, queimados e descartados, e o ciclo recomeçar — então é preciso dizer que essa é uma “eficiência” que se nega a si mesma.

Por outro lado, se considerarmos a eficiência do ponto de vista da sociedade e da ecologia — incluindo as gerações futuras e presentes — em vez de apenas sob o ponto de vista da produção individual de cada empresa, então chegaremos a conclusões completamente opostas sobre o que é desejável. Desde uma perspectiva socioecológica:

 “…seria absurdamente ineficiente desperdiçar recursos produzindo bens e serviços de que não precisamos, produzir bens projetados para se desgastarem ou se tornarem obsoletos o mais rápido possível, apenas para que possamos fazer o mesmo trabalho tudo de novo. Por que iríamos querer fazer isso?” 8


A economia do tempo comunista “é algo essencialmente distinto” daquela que rege a produção mercantil capitalista 9 . Como afirma Burkett:

… a economia do tempo do comunismo serve ao valor de uso, enquanto a economia do tempo do capitalismo reduz os valores de uso (inclusive o trabalho útil e as condições naturais) a veículos do valor e da acumulação de capital. 10

A economia comunista do tempo de trabalho buscará reduções do tempo de trabalho que resultem em aumentos da riqueza humana medida pelo tempo livre. Já a economia do tempo do capital está orientada a aumentar o tempo de trabalho excedente realizado pela força de trabalho, o que se traduz em aumentos da riqueza capitalista medida pelo mais-valor. “Essa divergência entre as duas economias do tempo é ecologicamente significativa, dado o potencial ecológico positivo do aumento do tempo livre e o caráter antiecológico da acumulação de mais-valor.” 11

A organização consciente e coletiva do metabolismo social permitirá dar prioridade à problemática ecológica. A perspectiva ecomunista deve ter plena clareza sobre a necessidade de desenvolver “esforços para compreender os ecossistemas da Terra e como eles interagem com os numerosos componentes das mudanças globais causadas pelo ser humano.”12 Para que esse conhecimento ecológico seja aplicado em todo o sistema de produção e consumo da sociedade, ele precisará ser amplamente difundido e assimilado pelos produtores e pelas comunidades. Isso requer, por exemplo, “um sistema de avaliação de alternativas em que as instalações avaliem periodicamente a disponibilidade de alternativas” às formas tóxicas de produção e consumo, “coordenado com tentativas ativas de desenvolver e disponibilizar alternativas não tóxicas para processos atualmente tóxicos e com sistemas de apoio para aqueles que realizam a transição”. 13

Tecnologia

Do ponto de vista do ecomunismo, devemos evitar tanto a tecnofobia quanto o entusiasmo acrítico pelos legados tecnológicos do capital. Estes são dominados por uma vocação exploradora do trabalho e foram implementados sem qualquer consideração – além da puramente econômica, do ponto de vista do capital – sobre o desperdício de recursos e os demais impactos ecológicos. Mesmo as tecnologias do capitalismo verde, voltadas para resolver problemas ambientais específicos, frequentemente o fazem produzindo outros transtornos. A produção de conhecimento científico deverá priorizar os objetivos de economizar trabalho e “canalizar as capacidades produtivas da sociedade para manter e melhorar a qualidade das condições naturais” 14 Ao mesmo tempo em que se podem recuperar práticas e tecnologias desenvolvidas antes do capitalismo, será inevitável “o uso seletivo, que envolva tanto assimilação quanto rejeição, dos legados capitalistas.”15

É fundamental ter claro que “mesmo com todos os esforços para ampliar, difundir e aplicar o conhecimento sobre os impactos ambientais da produção humana”, o conhecimento humano “sobre a natureza e os efeitos das intervenções humanas nela jamais poderá ser completo.” 16 O controle humano eficaz e seguro sobre os processos naturais é limitado; um critério básico de precaução a ser seguido será, então, restringir qualquer uso das condições naturais que tenha impactos ecológicos ainda não plenamente compreendidos.

Sandra Steingraber propõe três princípios básicos para lidar com os efeitos tóxicos incertos da produção industrial: o princípio da precaução, que “determina que a indicação de dano, e não a prova do dano, deve ser o gatilho para a ação”, limitando a origem de efeitos tóxicos; o princípio da responsabilidade inversa, segundo o qual “é a segurança, e não o dano, que deve requerer comprovação”, o que efetivamente “transfere o ônus da prova dos ombros do público para aqueles que produzem, importam ou utilizam a substância [potencialmente] tóxica em questão”;O princípio da alternativa menos tóxica, que “pressupõe que substâncias [potencialmente] tóxicas não serão utilizadas enquanto existir outra forma de realizar a tarefa” 17 .

Cooperação

A cooperação, princípio fundamental da organização comunista da sociedade, também desempenha um papel de destaque no estabelecimento de um metabolismo socioambiental equilibrado. Construir um sistema de produção ecologicamente racional é, por natureza, uma tarefa cooperativa, pois envolve não apenas a gestão de recursos, mas também a reconstrução das instituições sociais que regulam o uso das condições naturais. Nesse processo, tanto a natureza quanto a sociedade “evoluem como parte do mundo vivo: sua relação e redes são dinâmicas, não hierárquicas. 18

O caráter cooperativo de todos os esforços socioecológicos “torna-se ainda mais evidente quando se leva em conta o critério da variedade e diversidade” 19 . Para começar, a diversidade das condições naturais significa que qualquer racionalidade ecológica sistêmica deve fomentar a manutenção e o desenvolvimento de diversas formas de vida. Essa lógica implica reservar “certas áreas do nosso planeta, terra e água” para “a preservação de formas de vida mais antigas e simples” 20, e apoiar os esforços que mantêm diferentes comunidades nesse sentido. Dasmann propõe que os sistemas de uso da terra pré-industriais, com longa história de adaptação bem-sucedida aos seus ambientes e produtividade significativa, sejam preservados sem intervenção, e que todas as mudanças introduzidas para substituí-los estejam sujeitas a uma avaliação cuidadosa 21 .

A preservação desses modos de vida alternativos à sociedade capitalista moderna torna-se fundamental não apenas para o reconhecimento daqueles que os reivindicam e lutam por sua continuidade, mas também para contribuir com a variedade e diversidade que favorecem a resiliência. Alcançar esse objetivo “exigirá cooperação em todos os níveis, baseada em um conhecimento amplamente difundido das práticas ecológicas envolvidas e das perdas potenciais para a sociedade caso fossem ‘inundadas’ pelas formas de produção dominantes, mais industriais.” 22

Universalismo e diversidade

O critério da variedade e diversidade assegura uma rica pluralidade de caminhos para a realização humana e o desenvolvimento das capacidades naturais e sociais dos povos. Um sistema “ecologicamente racional deve ser gerido de forma cooperativa por produtores e comunidades dispostos e capazes de tomar decisões prudentes e ecologicamente informadas no dia a dia” 23 . Uma sociedade assim terá de proporcionar uma variedade de canais para a realização individual, baseados em “uma extraordinária diversidade de estilos de vida comunitários” 24 . David Harvey aponta nesse mesmo sentido ao considerar:

 “O socialismo não diz respeito necessariamente à construção da homogeneidade. A exploração do potencial da nossa espécie pode também consistir na busca e exploração criativa da diversidade e da heterogeneidade. Os projetos socioecológicos, muito mais sintonizados com a resolução de questões de alienação e com a abertura de diversas possibilidades para a autorrealização, podem ser considerados parte fundamental de algum futuro socialista 25

Por fim, a ideia de pleno desenvolvimento humano que está na base da aspiração comunista não pressupõe uma abundância material infinita como a projetada pelo “comunismo de luxo” de Bastani e outros ecomodernistas.

A concepção de Marx de abundância comunista prevê uma saciedade das necessidades básicas e uma extensão gradual dessa saciedade às necessidades secundárias, à medida que se desenvolvem socialmente no contexto de um tempo livre ampliado e de um controle cooperativo da comunidade de trabalhadores sobre a produção social — e não uma saciedade total de todas as necessidades concebíveis 26 .

As e os produtores livremente associados tenderão a utilizar sua nova segurança material e seu maior tempo livre para se dedicar a uma variedade de formas intelectuais e estéticas de autorrealização e autodesenvolvimento. Esse desenvolvimento das “necessidades secundárias” deve ser potencializado pelas maiores oportunidades que o controle efetivo por parte da comunidade de trabalhadores permite, para que as pessoas se tornem participantes informados na vida econômica, política e cultural — em contraste com seu status atual, principalmente como trabalhadores subordinados hierarquicamente e consumidores passivos 27 .

É nesse último contexto que fica clara a plena importância ecológica do tempo livre como medida da riqueza comunista. Porque, na medida em que as necessidades secundárias desenvolvidas e satisfeitas durante o tempo livre exigem menos materiais e energia, seu peso crescente nas necessidades totais contribui para reduzir a pressão da reprodução social sobre as condições naturais 28 . Se, diante de um aumento da produtividade, a decisão coletiva for destinar menos tempo ao trabalho para gerar a mesma quantidade de bens, não haverá aumento no uso de materiais e energia. Rudolf Bahro propõe colocar no centro um critério de riqueza ecológica que significa dar “primazia” à “reprodução simples com o emprego das energias e dos recursos existentes”, enquanto, em geral, se privilegia a melhoria da qualidade em vez do aumento da quantidade fabricada 29 . Em resumo, a riqueza deve ser definida não em termos de crescimento da produção e do consumo por si mesmos, mas em termos de uma coevolução saudável, humanamente satisfatória e sustentável da natureza humana e extrahumana.

O fim do capitalismo e a transição

O comunismo não será instaurado de forma imediata com a conquista do poder por parte da aliança social liderada pela classe trabalhadora, mas será o resultado de um processo de transição. Nos debates sobre a transição ao socialismo na Rússia soviética, Evgeny Preobrazhensky formulou a lei da acumulação primitiva socialista, fazendo um paralelo com o processo, analisado por Marx, de formação da ordem social capitalista. A ideia central é que a transição é um processo durante o qual há duas dinâmicas em disputa: a do desenvolvimento das relações de produção socialistas e a da produção de valor por setores capitalistas. Os ritmos da transição serão determinados pela medida em que a primeira se fortaleça em detrimento da segunda. Esse marco geral proposto por Preobrazhensky — a partir do qual discutia uma série de propostas para a Rússia após a guerra civil e a chamada Nova Política Econômica — conserva grande interesse para entender os desafios de uma transição na atualidade. Esse é o período durante o qual se constroem as capacidades da planificação econômica e se reduz a gravitação dos imperativos da acumulação capitalista. O metabolismo irracional e alienado é substituído por um controle racional progressivo por meio de mecanismos de deliberação coletiva. A relação alienada com a natureza, que é característica do capitalismo, se transforma à medida que esse novo sociometabolismo se consolida.

Durante essa transição, será necessário enfrentar, em primeiro lugar, decisões difíceis sobre como lidar com o legado de destruição ecológica deixado pelo capitalismo. Sacristán já identificava em Marx a ideia de que a sociedade socialista estaria obrigada, num primeiro momento, a lidar com o fato de que o capitalismo “terá destruído completamente a relação correta da espécie humana com o restante da natureza (entendendo por ‘correta’, pragmaticamente, a relação adequada para a sustentação da espécie)” 30 . A sociedade socialista – ou melhor, a sociedade de transição ao socialismo, como acrescentamos – “fica assim caracterizada como aquela que estabelece a viabilidade ecológica da espécie”31 .

As forças produtivas socializadas que o capitalismo desenvolveu criaram condições de possibilidade para avançar rumo ao comunismo. A sociedade de produtores livremente associados não poderia propor uma perspectiva de verdadeira libertação das potencialidades da humanidade se não fosse sobre essa base. Mas essas mesmas forças produtivas têm seu correlato destrutivo sobre diferentes dimensões da subjetividade humana e da natureza não humana. O notável é que essa dimensão destrutiva é a que cada vez mais domina. Isso se dá pelo simples fato de que está cada vez mais difícil crescer menos; o capitalismo exige cada vez mais recursos para alcançar taxas menores de crescimento da produção e da produtividade. Para isso, não parece haver muitas soluções disponíveis, exceto após convulsões profundas que levem a uma destruição de valor em grande escala, como depressões ou guerras mundiais. As fraturas metabólicas se agravam com o passar dos dias, e por isso a magnitude dos reparos exigidos será muito maior quanto mais continuar desenfreada a produção de desastres por parte do capital.

À medida que ultrapassamos os níveis críticos na maioria dos limites planetários, aprofunda-se a perspectiva de que haverá uma “longa e difícil era de reparação”, avalia o Salvage Collective (ou Coletivo de Salvamento) 32 . “A escassez, a necessidade de privilegiar alguns objetivos em detrimento de outros, e as réplicas da perturbação planetária estarão presentes quando as forças anticapitalistas finalmente abrirem caminho”, aponta Malm 33 . “A terra que os despossuídos poderiam – e vão – herdar precisará de um programa meticuloso de restauração. Embora almejemos o luxo, o primeiro passo será o ‘comunismo de salvamento’” 34 . Desmantelar com urgência as indústrias mais insustentáveis, reparar ecossistemas, regenerar espaços plenamente silvestres: essas são algumas das medidas elementares que esse período de “salvamento” exigirá.

O distintivo é que as decisões amargas que precisarão ser tomadas durante a transição serão alcançadas por meio da deliberação do conjunto da classe produtora. Aqueles que definirão o curso de ação diante da emergência não serão os tecnocratas escudados em agências estatais, nem o poder privado do capital. O que orientará as decisões já não será mais a busca pelo lucro empresarial.

Isso significa que, mesmo no momento da transição – por mais complicada que seja – será possível buscar alternativas para responder à crise ecológica visando compatibilizar três objetivos: alcançar a plena satisfação das necessidades fundamentais; tomar as decisões de produção de forma democrática; e fazer isso tendo presente, em todo momento, a necessidade de estabelecer um metabolismo racional com a natureza. A democracia socialista e o planejamento econômico serão dois pilares inseparáveis sobre os quais poderá se apoiar a transformação socialista.

Embora um princípio fundamental para avançar rumo a uma sociedade comunista seja a busca pela economia de trabalho coletivo – aspirando à satisfação adequada das necessidades sociais com o menor esforço de trabalho possível, conforme a técnica permita –, esse princípio deverá ser conjugado com outro critério fundamental: minimizar as intervenções inevitáveis sobre os ecossistemas. Isso significa que, se existirem técnicas menos danosas, invasivas ou poluentes, mas que tenham um custo social maior (por exigirem mais trabalho agregado, seja pela técnica em si ou pelos insumos requeridos), estas últimas devem ser a primeira opção a ser considerada.

O planejamento socialista, apoiado no poder da classe trabalhadora organizada democraticamente em conselhos ou outras formas similares de autogoverno, introduz dentro do próprio espaço onde se elaboram os valores de uso uma democracia hoje ausente – a dos que produzem, que também são os que consomem boa parte do que é produzido. No capitalismo, produção e consumo formam uma “unidade diferenciada”, mediada pelo processo de troca, na qual a necessidade social só pode se expressar como demanda solvente (e só pode se manifestar na escolha de uma das mercadorias que os capitalistas decidiram previamente lançar ao mercado). Com a socialização dos meios de produção, restaura-se a unidade real entre esses dois processos, produzindo-se apenas na medida necessária para satisfazer a demanda social – passo inicial de qualquer planejamento. O planejamento deve ser concebido como um processo multinível, articulando escalas locais, regionais, nacionais e globais – o que dependerá das dinâmicas revolucionárias internacionais.

As ferramentas do planejamento, aplicadas por uma democracia dos que produzem, são fundamentais para mudar radicalmente o metabolismo socionatural. Como argumentava Ernest Mandel, em polêmica com Alec Nove, a principal vantagem do planejamento econômico é que as decisões sobre alocação de recursos e força de trabalho são tomadas ex ante e corrigidas posteriormente por tentativa e erro, em vez de serem feitas ex post pela força mediadora do mercado. O planejamento permite que as decisões sejam tomadas diretamente, por meio de uma “hierarquia de necessidades” debatida democraticamente pelos produtores-consumidores. Os parâmetros fundamentais da produção seriam estabelecidos pelos próprios produtores livremente associados. No terreno da produção,

…os interesses dos produtores em reduzir sua carga de trabalho e melhorar a ecologia humana gerariam um incentivo incorporado para reduzir custos. […] Uma democracia socialista cresceria em civilização e não em mero consumo, ou seja, em uma gama cada vez mais ampla de atividades e relações humanas significativas 35 .

Um amplo planejamento democrático da vida econômica é a chave para uma transição cujo desafio é “aumentar dramaticamente a satisfação das necessidades básicas de consumo de todos os seres humanos e, ao mesmo tempo, reduzir não menos dramaticamente a carga e a alienação do trabalho dos produtores diretos” 36 , conquistando um metabolismo socionatural equilibrado.

 

REFERÊNCIAS:

1. Paul Burkett, Marx and nature: A Red and Green Perspective, Nueva York, Palgrave Macmillan, 1999, p. 225.

2. Ídem.

3. Andreas Malm, The Progress of This Storm. Nature and Society in a Warming World, Londres, Verso, 2018, p. 196.

4. Ídem.

5. Roy Morrison, Ecological Democracy, Boston, South End Press, 1995, p. 182.

6. Karl Marx, Elementos fundamentales para la crítica de la economía política. (Grundrisse) 1857-1858, Vol. 1, México, Siglo XXI Editores, 1971, p. 101.

7. Richard Smith, Green capitalism: the God that Failed, Londres, WEA Book Series, 2015, p. 30.

8. Ibídem, p. 31.

9. Karl Marx, Elementos…, ob. cit., p. 101.

10. Paul Burkett, Marx and…, ob. cit., p. 255.

11. Ídem.

12. Peter M. Vitousek, Harold A. Mooney, Jane Lubchenco y Jerry M. Melillo, “Human Domination of Earth’s Ecosystems”, Science Vol. 277 N.° 5325, julio 1997.

13. Sandra Steingraber, Living Downstream: An Ecologist Looks at Cancer and the Environment, Nueva York, Addison-Wesley, 1997, p. 271.

14. Paul Burkett, Marx and…, ob. cit., p. 226.

15. Victor Wallis, “Socialism, Ecology, and Democracy”, en Chronis Polychroniou (ed.), Socialism: Crisis and Renewal, Westport, Praeger, 1993, p. 155.

16. Paul Burkett, Marx and…, ob. cit., p. 226.

17. Sandra Steingraber, ob. cit., pp. 270-271.

18. Roy Morrison, ob. cit., p. 181.

19. Paul Burkett, Marx and…, ob. cit., p. 228.

20. Raymond F. Dasmann, Planet in Peril: Man and the Biosphere Today, Nueva York, New World Publishing, 1972, p. 212.

21. Raymond F. Dasmann, The Conservation Alternative, Nueva York: John Wiley & Sons, 1975, pp. 124-125.

22. Paul Burkett, Marx and…, ob. cit., p. 228.

23. Ídem.

24. Roy Morrison, ob. cit., p. 181.

25. David Harvey, “The Nature of Environment: The Dialectics of Social and Environmental Change”, en Ralph Miliband y Leo Panitch (eds.), Socialist Register 1993: Real Problems, False Solutions, Londres, Merlin, 1993.

26. Paul Burkett, Marx and…, ob. cit., p. 253.

27. Ídem.

28. Ídem.

29. Rudolf Bahro, The Alternative in Eastern Europe, Londres, New Left Books, 1978, pp. 429-430.

30. Manuel Sacristán Luzón, “Algunos atisbos político-ecológicos de Marx”, Mientras tanto N.º 21, diciembre 1984.

31. Ídem.

32. Salvage Editorial Collective, “The Tragedy of the Worker: Towards the Proletarocene”, Salvage Zone, consultado el 10/12/2024 en https://salvage.zone/the-tragedy-of-the-worker-towards-the-proletarocene/.

33. Andreas Malm, Corona…, ob. cit., p. 119.

34. Salvage Editorial Collective, ob. cit.

35. Ernest Mandel, “In defense of socialist planning”, New Left Review I N.° 159, 1986.

36. Ídem.

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