Revista Casa Marx

A Guerra dos 12 Dias: Trump, Netanyahu e o ataque ao Irã

Claudia Cinatti

Na madrugada de 22 de junho, os Estados Unidos bombardearam diretamente o território iraniano pela primeira vez desde a fundação da República Islâmica em 1979. Foram alvos os três principais complexos nucleares do Irã — Natanz, Fordo e Isfahan — atingidos por 14 bombas antibunker, o armamento mais pesado do arsenal convencional norte-americano. Com isso, Trump veio em socorro de Benjamin Netanyahu para tentar encerrar sua guerra contra o Irã, que começava a deslizar quase inevitavelmente para um prolongado conflito de desgaste — um cenário de pesadelo para o primeiro-ministro israelense.

O “ataque preventivo” de Israel ao Irã e o subsequente bombardeio norte-americano representam um salto no processo de desintegração da chamada “ordem baseada em regras”, uma farsa que conferia “legitimidade” às intervenções imperialistas, seja por meio de alguma resolução do Conselho de Segurança da ONU ou pela OTAN. Trump dispensou diretamente até essa cobertura mínima, reivindicando para os Estados Unidos, como principal potência militar do planeta, o direito de intervir e atacar quem quiser. Esse fortalecimento do militarismo na política externa reflete-se internamente em um forte giro bonapartista e autoritário, cuja manifestação mais recente foi a votação no Senado que deu carta branca a Trump para usar a força militar como bem entendesse.

Fiel à retórica exuberante da extrema-direita contemporânea, que disfarça fraquezas e contradições com narrativas grandiosas, o presidente Donald Trump alardeou que a operação “Martelo da Meia-Noite” (nome codificado do ataque) foi um sucesso retumbante, de magnitude “histórica”, e que havia “destruído para sempre” o programa nuclear iraniano. Ironicamente, Trump agradeceu ao regime iraniano por ter respondido ao bombardeio com um ataque coreografado contra uma base norte-americana no Catar, que não causou repercussão significativa. E anunciou em sua rede Truth Social que a chamada “Guerra dos 12 Dias” havia chegado ao fim.

Mas, enquanto o presidente norte-americano se vangloriava nas redes, uma informação vazada à imprensa — um relatório de inteligência do Pentágono que rapidamente foi atribuído por membros da Casa Branca a setores do “estado profundo” — reconhecia que os danos foram limitados e que o desenvolvimento nuclear do Irã havia sido apenas adiado por alguns meses. A versão foi confirmada por senadores da comissão de defesa que tiveram acesso a informações confidenciais. Isso obrigou Trump, junto com seu secretário de Defesa, Pete Hegseth, o secretário de Estado, Marco Rubio, e o diretor da CIA, a dedicar horas atacando a mídia e tentando — sem sucesso — dissipar as dúvidas sobre a real eficácia dos bombardeios. Como destacou um editorial do Washington Post, a diferença entre “destruição total”, “degradação” ou “danos menores” não é meramente semântica — ela define o resultado do conflito com o Irã e, por extensão, condiciona toda a estratégia norte-americana no Oriente Médio.

Essa ambiguidade explica, em parte, o cenário peculiar desde o cessar-fogo: os três envolvidos reivindicam vitória. Trump e Netanyahu afirmam ter destruído o programa nuclear iraniano. Enquanto isso, o regime dos aiatolás organiza mobilizações para comemorar a resistência ao “Grande Satã” (Estados Unidos) e o ataque relativamente bem-sucedido ao “Pequeno Satã” (Israel), ao mesmo tempo que desafia ao dizer que seu programa nuclear continua intacto e fortalece seu aparato repressivo. Por sua vez, Israel voltou a bombardear o Líbano e continua massacrando palestinos em Gaza, enquanto crescem os rumores de que Trump estaria pressionando por um novo cessar-fogo com o Hamas, ainda em negociação no Cairo, como parte de sua política de ressuscitar os Acordos de Abraão.

Embora seja impossível saber com certeza o grau de destruição causado, analistas como John Mearsheimer apontam pelo menos três elementos que sustentam a hipótese de que as operações “Leão Ascendente” (Israel) e “Martelo da Meia-Noite” (EUA) apenas retardaram, mas não eliminaram, o programa nuclear iraniano. Primeiro, como o ataque foi amplamente anunciado — e o Irã estava sujeito a inspeções da agência da ONU, de modo que os locais eram amplamente conhecidos (e espionados) —, é altamente provável que o regime iraniano tenha transferido e protegido parte do material nuclear, incluindo equipamentos e estoques de urânio enriquecido. Segundo, o Irã pode ter instalações nucleares desconhecidas. E terceiro, e mais importante: mesmo com a execução de diversos cientistas envolvidos no programa, o Irã já domina o conhecimento científico e técnico necessário para o enriquecimento de urânio.

Essa é a base real do discurso desafiador do aiatolá Ali Khamenei, líder supremo da República Islâmica, que reiterou a disposição para negociações, mas também defendeu o direito soberano do país ao desenvolvimento nuclear. As consequências desse cenário ultrapassam o caso iraniano. Há dois exemplos recentes que ajudam a entender os dilemas enfrentados por Teerã. O primeiro é o destino do ex-ditador líbio Muammar Kadafi, que em 2003 surpreendeu o mundo ao desmantelar seus arsenais nuclear e químico, apenas para ser deposto e assassinado por uma intervenção da OTAN em 2011 — um alerta que segue vivo. Para evitar o “perigo líbio” e se blindar contra possíveis ataques ocidentais, o regime iraniano pode decidir seguir o exemplo do líder norte-coreano Kim Jong-un e acelerar o desenvolvimento de armas nucleares. Essa lição vale para além do Oriente Médio e põe em xeque o Tratado de Não Proliferação Nuclear como ferramenta para manter, o máximo possível, a exclusividade das potências na posse de armas atômicas.

Embora Netanyahu tenha parecido eufórico, chegando até a retomar velhos hábitos de aparecer em público — que havia abandonado devido à sua baixa popularidade —, seus problemas estratégicos não desapareceram com a guerra contra o Irã nem com a exibição da aliança incondicional com os Estados Unidos.

É verdade que atacar a República Islâmica sempre teve mais consenso interno e que, no imediato, a opinião pública israelense, inclinada à direita, em sua maioria apoiou a incursão militar e celebrou a “grande vitória” anunciada por Bibi após o bombardeio dos Estados Unidos contra o Irã. A “guerra dos 12 dias” permitiu-lhe selar um momento de unidade nacional e reforçar sua coalizão de governo, da qual seus aliados de extrema-direita condicionam a permanência à manutenção dos objetivos máximos — em particular, a limpeza étnica em Gaza, a recolonização da Cisjordânia e, em última instância, a “solução final” com a expulsão da população palestina.

Netanyahu conseguiu, momentaneamente, tirar do foco o genocídio em Gaza, que está corroendo a legitimidade internacional do Estado de Israel e pelo qual ele mesmo tem um pedido de captura emitido pelo Tribunal Penal Internacional. Mais uma vez, o coro de aliados imperialistas de Israel — ao qual se somou o governo submisso de Javier Milei — apoiou essa enésima guerra de Netanyahu apelando ao sagrado “direito à defesa”, invocado sempre e em qualquer lugar, tanto para encobrir as ações criminosas de Israel contra o povo palestino como quando é evidente que o Estado sionista é o agressor, como no caso do Irã. O alinhamento é tal que o chanceler alemão, Friedrich Merz, chegou a afirmar que Israel estava fazendo o “trabalho sujo” pelo Ocidente — embora, na prática, tenha sido o “Ocidente”, ou seja, os Estados Unidos, que acabaram tendo de concluir parcialmente a tarefa.

Até Trump afirmou que o julgamento por corrupção contra Netanyahu deveria ser imediatamente cancelado, chamando-o de uma “ridícula caça às bruxas” contra o “Grande ministro da guerra”.

Surfando a onda de otimismo, Netanyahu está avaliando antecipar as eleições, numa aposta arriscada, já que não há pesquisas indicando que ele poderia vencer. De fato, já há sinais de que a janela de oportunidade pode se fechar antes do esperado — ou seja, antes dos 90 dias entre a dissolução do atual governo e uma nova eleição.

Para além das flutuações conjunturais, a crise política de Netanyahu é a crise estratégica do Estado de Israel, que a guerra com o Irã volta a colocar em primeiro plano.

À medida que a poeira das bombas vai se dissipando, começam a aparecer fissuras entre os objetivos proclamados por Israel no início da guerra — destruir o programa nuclear do Irã, eliminar sua capacidade de mísseis balísticos e pôr fim à colaboração com o chamado “eixo da resistência”. A isso, o ministro da Defesa, Israel Katz, acrescentou o assassinato de Ali Khamenei, o líder supremo, e o desencadeamento de um processo de “mudança de regime”. Essa é uma aposta perigosa para o Estado sionista. O eventual colapso do regime atual poderia levar a uma desintegração nacional ou ao poder cair nas mãos de setores mais preparados e organizados, como a Guarda Revolucionária, instaurando um regime ainda mais radical em sua oposição aos Estados Unidos e a Israel.

Além disso, a tradição histórica conta. A identidade nacional iraniana está forjada na resistência à opressão colonial (britânica e depois norte-americana), que remonta à “revolução constitucional” de 1905-1911; à resistência contra o golpe da CIA contra o governo nacionalista de M. Mossadegh em 1953; e, por fim, à revolução de 1979 contra o xá — expropriada por R. Khomeini, que instaurou um regime reacionário, capitalista e opressor, mas com importantes contradições com as potências imperialistas e com Israel. Isso explica por que até mesmo os opositores mais perseguidos pelo regime teocrático rejeitaram a guerra e a intervenção de Israel.

Assim como na guerra-genocídio em Gaza, onde Israel, apesar de sua superioridade militar e capacidade de destruição e aniquilação, não conseguiu derrotar o Hamas, também não alcançou no Irã os objetivos máximos que havia se proposto e que claramente estão fora do alcance de uma guerra aérea — mesmo com a participação do poderio norte-americano no ataque.

A aliança incondicional de Israel com os Estados Unidos tem uma dupla leitura. Por um lado, fortalece o poderio militar regional de Israel, mas, ao mesmo tempo, revela sua dependência como Estado cliente. Sem os Estados Unidos, Israel não teria conseguido atacar as instalações nucleares subterrâneas do Irã. Essa dependência foi escancarada pelo próprio Trump, ao repreender Bibi por querer violar o cessar-fogo, deixando claro quem tem a palavra final.

Não se discute a superioridade militar nem a capacidade dos serviços de inteligência israelenses. Israel dominou o espaço aéreo iraniano e mostrou até onde havia infiltrado o regime dos aiatolás. No entanto, a breve guerra com o Irã deixou imagens de destruição em Tel Aviv e outras grandes cidades, que colocam em dúvida a recomposição da capacidade dissuasória de Israel — seriamente abalada pela ação do Hamas em 7 de outubro de 2023. O Irã demonstrou que Israel é vulnerável, mesmo com o “Domo de Ferro” — um sofisticado escudo antimísseis — e contando com a colaboração de aliados árabes regionais que fornecem desde inteligência até acesso ao espaço aéreo. Segundo um artigo publicado no site +972, vários prédios foram reduzidos a escombros, 29 civis israelenses morreram nos ataques, quase 10 mil pessoas tiveram que abandonar suas casas e mais de 40 mil solicitaram compensações estatais por danos. Além disso, toda a atividade econômica e cotidiana foi interrompida, e as sirenes soaram por várias noites consecutivas.

A disparidade entre os objetivos ambiciosos (considerados irreais por diversos analistas) e os resultados concretos tem decepcionado os aliados da extrema direita de Netanyahu, como Bezalel Smotrich, o ministro das Finanças fascista que incita o genocídio em Gaza. Ele declarou que a “grande vitória” deixou um “gosto amargo” e que não basta eliminar uma “ameaça existencial imediata”.

As idas e vindas, os giros de 180 graus na posição da Casa Branca e o pragmatismo oscilante de Trump expressam as divisões no governo entre “falcões neoconservadores”, “realistas” e “neo-isolacionistas” — grupo onde se alinham os representantes do movimento MAGA (a ala populista militante da coalizão trumpista, liderada por Steve Bannon e outros influenciadores). Esses setores não têm peso institucional e são marginais na Casa Branca, embora tenham alguns aliados no Congresso, como a pitoresca deputada direitista Marjorie Taylor Greene. Mas sua importância não está no palácio, e sim nas “ruas” — ou, mais precisamente, no espaço público digital — onde têm milhões de seguidores e sintonizam com os 53% dos eleitores de Trump que se opõem ao envolvimento em uma guerra com o Irã.

Diante disso, Trump parece ter adotado uma estratégia pouco sofisticada de “bater forte e sair rápido”, com a expectativa de que a exibição brutal do poderio militar dos EUA poupe o país de se envolver diretamente — mais uma vez — em uma “guerra eterna” no Oriente Médio, sustentando governos impostos de fora e financiando experimentos de “construção de nações” após as experiências desastrosas de invasão, “mudança de regime” e ocupação militar no Iraque e no Afeganistão. A mesma lógica está por trás de sua política de tentar pôr fim à guerra entre Rússia e Ucrânia (e a OTAN). Em todos os casos, as dificuldades que Trump enfrenta para impor termos e condições tanto a aliados quanto a inimigos evidenciam a perda de liderança do imperialismo norte-americano.

Alguns analistas comparam a situação no Irã a diferentes momentos do prolongado confronto dos Estados Unidos com o regime de Saddam Hussein. O fantasma da guerra do Iraque em 2003 — vendida pelos EUA tanto à sua população quanto ao mundo como uma guerra necessária para destruir as supostas armas de destruição em massa que Saddam Hussein nunca teve — paira sobre a Casa Branca. Naquela época, o então presidente republicano George W. Bush, incentivado pelos neoconservadores que hegemonizavam sua administração, via um triunfo fácil contra um ditador odiado por seu povo. Supostamente, a guerra seria um “passeio”, dada a enorme superioridade militar imperialista, e o povo iraquiano receberia as tropas invasoras como “libertadoras”. Como sabemos, esse final feliz nunca aconteceu. A ocupação do Iraque se prolongou por uma década (e a do Afeganistão por duas), consumindo os recursos militares, econômicos e políticos dos EUA, que ao longo desses anos perderam espaço para a China em regiões como a América Latina. A “mudança de regime” no Iraque não apenas levou a uma sangrenta guerra civil, que envolveu as tropas americanas, como teve efeitos colaterais indesejados para o imperialismo, Israel e seus aliados árabes — entre eles, o fortalecimento do poder regional do Irã e o surgimento do Estado Islâmico. Em síntese, a estratégia de “guerra preventiva” de Bush e dos neoconservadores acabou por corroer ainda mais a hegemonia dos Estados Unidos, justamente no contexto da ascensão da China como potência concorrente.

A disputa sobre qual seria a estratégia mais adequada para reverter o declínio da liderança norte-americana se repete em outras esferas — como o escandaloso rompimento entre Donald Trump e Elon Musk, tendo como pano de fundo as tensões entre neoliberais “globalistas”, como a maioria dos CEOs do Vale do Silício, e as alas mais protecionistas.

Embora ainda seja muito cedo para saber como a situação evoluirá, não há dúvidas de que a “guerra dos 12 dias” terá consequências estratégicas em um cenário internacional convulsionado, no qual a decomposição da “ordem liberal”, o declínio da hegemonia dos Estados Unidos e a ascensão da China como rival, além de outras potências intermediárias, alimentam o militarismo e as tendências belicistas. Trump chegou a comparar as possíveis consequências do ataque contra o Irã nada menos do que com as bombas atômicas lançadas pelos Estados Unidos em Hiroshima e Nagasaki. Para além da diferença de escala com esse horrendo crime de guerra, não há hoje nenhum acontecimento decisivo — como foi a Segunda Guerra Mundial ou a vitória norte-americana na Guerra Fria — que possa resolver a correlação de forças. Isso confere um caráter instável não só às alianças mutáveis, mas também à situação como um todo.

Por isso, como socialistas revolucionários, não damos nenhum apoio ao regime teocrático iraniano, mas na guerra estamos incondicionalmente ao lado do Irã e pela derrota de seus agressores imperialistas.

Como mostra o movimento de solidariedade com o povo palestino e contra o genocídio, que continua se desenvolvendo apesar das duras medidas repressivas e perseguições; o repúdio da juventude ao militarismo das grandes potências; ou as mobilizações massivas que começaram nos Estados Unidos contra as brutais políticas anti-imigrantes de Donald Trump, estas condições históricas estão criando as bases para que surja uma força desde baixo, que una o enfrentamento ao imperialismo e às suas guerras à luta por acabar com o sistema capitalista.

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