Noah Brandsch
Desde a entrada de Trump para a Casa Branca, são diversas as ofensivas contra países tanto concorrentes como aliados dos EUA, em uma tentativa de recuperar a hegemonia ianque que apresenta diversos elementos de queda, frente à ascensão do bloco China-Rússia. São diversas medidas tarifárias que representam uma interferência direta dos EUA nas demais economias nacionais e internacionalmente, e afetam sobretudo a classe trabalhadora dos países dependentes. Ao mesmo tempo, não é só com o bloco capitalista da China, Rússia e cia que os EUA se enfrentam (nesse caso, do ponto de vista da competição inter-estatal capitalista), mas é também com diversos questionamentos à ordem mundial da hegemonia norte americana, marcada neste momento por seu apoio ao genocídio em Gaza e as massivas mobilizações pró-Palestina e o surgimento de uma nova subjetividade anti-imperialista na juventude, ligado a um ativismo contra o militarismo das grandes potências; bem como a questionamentos à política de austeridade imposta pelo FMI, que ganham expressão em revoltas d mobilizações como atualmente no Quênia e em Angola, e anteriormente no Panamá, Bangladesh, Sri Lanka e outros países dependentes.
Nas últimas semanas, Trump aumentou sua ingerência no Brasil com o anúncio de taxação em 50% de todos produtos exportados ao mercado estadunidense, a partir do dia 1° de Agosto, para buscar responder às ofensivas do regime brasileiro contra seu aliado político, Jair Bolsonaro. Essa medida também busca ser uma resposta às medidas que o Brasil tomou na última reunião do BRICS no RJ, buscando outras vias que não os EUA para aprofundar relações internacionais bilaterais. A resposta de Lula e seu governo, em seu discurso, pode aparentar uma retórica anti-imperialista e em defesa da soberania nacional, ao dizer que responderia Trump na mesma medida e que ninguém tem direito de ditar as regras do Brasil, um país soberano. Mas, que na prática, o que a “unidade em defesa da soberania nacional” por parte do governo representa para a classe trabalhadora, o povo pobre e a juventude brasileira? Em nossa visão, a manutenção do arcabouço fiscal para o pagamento da dívida pública, a contínua exportação de petróleo à máquina de guerra sionista e unidade com setores que chegam à grande burguesia e à extrema direita, passam longe de defender a soberania nacional do país. O rechaço à ingerência imperialista de Trump e à extrema direita precisa passar por um programa que questione a submissão do Brasil aos EUA de conjunto, e questione estruturalmente o papel de “potência regional” que o Brasil busca se colocar, submetendo outros países à serviço dos interesses imperialistas. Um programa e uma prática assim que nós da Faísca Revolucionária viemos buscando levar à frente na juventude e no último Congresso da UNE, marcado por uma submissão maior ainda ao governo Lula-Alckmin.
Quais as marcas do imperialismo para a juventude brasileira?
Um país colonizado por mais de 300 anos como o Brasil, e que depois disso passou por todo tipo de submissão ao imperialismo britânico e estadunidense, contém diversas marcas profundas dessa opressão nacional. O verde e amarelo da “nossa” bandeira carrega, ainda, o verde e amarelo da Coroa que saqueou nosso país e reprimiu Palmares. O azul e o bordão “ordem e progresso” representa a burguesia republicana positivista que em 1889 se achava ilustrada demais para o Império, mas que governou em base às velhas elites na República da Espada e do café com leite. Nesse momento, floresciam as teorias eugenistas de “branqueamento” do Brasil, e se incrementava como política estatal a perseguição à capoeira, à “vadiagem”, a repressão à Canudos, e depois ao movimento operário emergente. As cores da bandeira, embora talvez com tons diferentes, seguem as mesmas.
A entrada de diversas empresas estrangeiras ao longo do século XX para explorar as riquezas e a mão de obra brasileira são uma marca de nossa história, que não vale ser aprofundado aqui, mas que possuem uma quantidade alarmante de exemplos. Basta dizer a ingerência direta dos EUA na articulação dos golpes empresarial-militares a partir da Operação Condor, no Brasil em 1964 e em demais países da América Latina. No período mais recente, basta citar a constante interferência na Venezuela com apoio à coalizão de Guaidó, as sanções à Cuba, o apoio à tentativa de golpe militar em 2019 na Bolívia, a mais recente ofensiva contra Cristina Kirchner na Argentina, e claro, a operação Lava Jato e o golpe institucional no Brasil em 2016.
Neste último caso, 2016 foi um ano de inflexão no aprofundamento dos ataques à classe trabalhadora no país, à serviço do imperialismo. A Reforma Trabalhista aprovada em 2017 e mantida pelo governo Lula-Alckmin retira uma série de direitos trabalhistas, multiplicando a flexibilização do trabalho com jornadas intermitentes, em escala 6×1, na plataformização e na terceirização. Dessa forma, diversas empresas estrangeiras de diversas áreas, passando por aquelas que operam em bens e serviços como a Uber, McDonald’s, Starbucks, Amazon etc. até aquelas que tem plantas fabris, como Volkswagen, GM, Coca-Cola, Pepsico, Nestlé, Colgate e inúmeras outras, todas se beneficiam da extrema precarização do trabalho que amargura boa parte da juventude trabalhadora brasileira.
A produção de riqueza por parte desses trabalhadores precarizados é escoada diretamente para o lucro destas multinacionais imperialistas. E 44% do orçamento nacional é destinado diretamente para pagar os juros e amortizações da dívida pública, um montante que em 2025 pode chegar a R$ 8,5 trilhões. Ou seja, é quase metade das riquezas nacionais pagas ao capital financeiro estrangeiro e instituições imperialistas como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM). Nesse cálculo, o arcabouço fiscal aprovado elaborado por Haddad tem um papel central, de limitar os gastos públicos e realizar cortes, como os recentes cortes na Educação e em benefícios sociais como o BPC (este último com votos do PSOL). Isso sem falar na estrutura fundiária produtora de commodities que localizam o país como exportador de produtos de baixo valor agregado, gerando uma dependência na balança comercial e na importação de produtos tecnológicos, enriquecendo tanto os latifundiários nacionais quanto as grandes multinacionais. Outro elemento sem o qual não se pode falar de soberania nacional é a defesa do petróleo brasileiro, para que esteja à serviço de melhoras sociais à classe trabalhadora e ao povo pobre. Não é o que ocorre, visto que não só boa parte da riqueza gerada daí vai para a dívida pública, mas diretamente 45% do capital total das ações são de investidores estrangeiros, enquanto a União possui apenas 37%, segundo a própria Petrobrás, sendo que em maio de 2022 o capital privado possuía 25%. Outro patrimônio da riqueza natural em todos os sentidos, a Amazônia, também é ameaçada pelo projeto de exploração de petróleo na Margem Equatorial.
É evidente que as novas taxações de Trump intensificam a agressividade do imperialismo estadunidense em buscar submeter mais ainda economias que sempre considerou como seu quintal, e podem trazer consequências ainda imprevisíveis para a economia nacional, mas que certamente afetará os ombros daqueles que sempre são alvos das crises capitalistas: os trabalhadores e o povo pobre.
A resposta de Lula é de buscar unificar “todas as classes” atrás de um discurso de soberania nacional, envolvendo desde as entidades estudantis, como ficou marcado no último Congresso da UNE, e centrais sindicais, até grande setores da burguesia como a FIESP e a CNI, militares, deputados de extrema direita e inclusive o Congresso do qual diz ser refém. Como bem demonstrado neste artigo de análise, é uma “unidade nacional” reacionária, que engloba os mesmos setores responsáveis por justamente submeter o país ao imperialismo. O questionamento que fica é: é possível defender a soberania nacional, ou seja, defender que o trabalho social e as riquezas naturais do país não estejam à serviço de enriquecer os bolsos dos capitalistas estrangeiros e que o imperialismo não dite os rumos nacionais, defendendo a continuidade dessa política que submete a nação às empresas, bancos e instituições capitalistas internacionais?
A mancha de sangue da bandeira do Brasil
Fora as mãos de Trump e das multinacionais do Brasil! Mas dizer apenas isso não basta. Historicamente, o Brasil cumpriu um papel de “mediador” de conflitos internacionais, ganhando destaque nesse aspecto. Por exemplo, a sessão da ONU de 29 de novembro de 1947, aquela que fundou o Estado sionista de Israel, foi presidida por Oswaldo Aranha, diplomata brasileiro e Ministro de Vargas em diversas ocasiões. Sabemos que essa sessão não “mediou” coisa nenhuma, mas foi responsável pelo apartheid com os palestinos e a expansão sionista até hoje!
Nas últimas décadas, o Brasil veio ganhando proeminência nessa imagem de “mediador”, especialmente durante os governos petistas, em que o país obteve um status mais próximo ao de potência regional, inclusive chegando a exportar capitais a outros países, como o caso da Embraer. No início de seu mandato, Lula tentou sem sucesso se colocar como um possível mediador do conflito na Ucrânia. Hoje, ainda mais com o discurso de soberania e “unidade nacional”, diversos setores da sociedade civil o veem como um líder do “Sul global”, e por um multilateralismo progressista, combatendo o tradicional imperialismo ocidental.
Isso não poderia ser mais falso, e não só porque o multilateralismo não passa dos interesses capitalistas próprios da China e Rússia. Mas porque o “papel de mediador” do Brasil se comprovou como, na verdade, uma defesa dos interesses do imperialismo ianque e europeu.
Começando pelo genocídio televisionado e à céu aberto que ocorre em Gaza há quase dois anos: o Estado brasileiro é cúmplice! Não bastam as declarações de Lula contra o genocídio, como diz o movimento palestino no Brasil: é preciso dar um passo adiante e romper relações com Israel! A “unidade nacional” é composta por diversos setores do lobby sionista da burguesia brasileira, em que exemplos são dispensados, mas basta ver os industriais da FIESP e suas relações com o sionismo. E como se não bastasse, um dos símbolos da soberania nacional, a Petrobrás, que nos anos 1950 passou pela campanha “O petróleo é nosso” e que hoje se mantém em alguma medida estatal, abastece os tanques sionistas que massacram o povo palestino! Praticamente um décimo (9%) do petróleo israelense é importado pelo Brasil. Entre janeiro e abril deste ano, o Brasil exportou 181,5 toneladas de combustíveis derivados do petróleo para Israel, 309% a mais do que no mesmo período ano passado, e como denunciam os gritos nos atos: “governo Lula, tem culpa nisso, nosso petróleo no tanque do genocídio”. Além disso, parte do transporte do petróleo é operado diretamente por embarcações da própria Petrobrás. Ao mesmo tempo, as polícias militares seguem comprando armas israelenses, testadas nos palestinos, para seguir as chacinas nas periferias do Brasil contra a juventude negra. É preciso colocar um fim à política de abastecimento do genocídio, rompendo relações com Israel, e se inspirando no que fazem os trabalhadores portuários de diversos países que paralisam embarcações com armamentos ao sionismo. Ligado à defesa de uma Petrobrás 100% estatal e sob controle dos trabalhadores, com nenhuma gota de petróleo para o genocídio e para as empresas estrangeiras.
Não é apenas na manutenção das relações com Israel que o Estado brasileiro tem sangue. Na Operação Minustah de 10 de setembro de 2004, o exército brasileiro liderou por 13 anos a ocupação militar no Haiti, uma autodeclarada “missão de paz” da ONU, que de fundo tinha o interesse em subjugar mais ainda um dos países mais pobres do mundo. A brutalidade da ocupação militar é tão extrema, com diversas denúncias de abusos dos direitos humanos, que hoje no Haiti há uma geração chamada “geração Minustah”: uma série de jovens sem pai pois são fruto do estupro sistemático dos 37 mil militares e policiais brasileiros que ocuparam o Haiti. Na véspera da ocupação militar, foi organizado um amistoso de futebol “pela paz” entre Brasil e Haiti. A camisa verde e amarela, que tinha os mais craques do mundo e acabara de vencer a Copa do Mundo, abriu as portas para os militares serem “bem recebidos” e cometerem todo o tipo de barbárie com a população haitiana. Esse episódio é mostrado no documentário “O dia em que o Brasil esteve aqui”. A partir dessa operação, militares como Tarcísio de Freitas e General Heleno, que estiveram lá, foram catapultados politicamente e ganhando cada vez mais relevância.
Devido ao “histórico das missões e da capacidade de trabalho” dos militares brasileiros, nossa bandeira também foi chamada para treinar as tropas da ONU da Operação MONUSCO na República Democrática do Congo até hoje com o envio de tropas e “especialistas”. Moïse Kabagambe, imigrante congolês assassinado por seu patrão à pauladas no Rio de Janeiro no início de 2022, é o reflexo do destino de milhares de refugiados que são obrigados à fugir do seu país pelas disputas e saques imperialistas na região, e do qual o Exército brasileiro é cúmplice.
Não é possível falar de soberania nacional e combate ao imperialismo, atuando com o peso regional e internacional que tem para defender os interesses do sionismo e da espoliação de países como o Haiti e a RDC. Pela imediata retirada dos militares brasileiros da RDC! Por reparação às vítimas das operações Minustah e Monusco! Pela garantia de todos os direitos aos refugiados e imigrantes no Brasil, com direito à cidadania e trabalho e moradia dignos!
A juventude e o anti-imperialismo
No mundo inteiro, a juventude vem expressando uma nova subjetividade ligada a esses fenômenos internacionais. As mobilizações pró-palestina marcam uma geração de jovens e estudantes que tomam essa bandeira como sua, mesmo após uma brutal repressão e perseguição a esses ativistas e lutadores. Como diz a música do Macklemore “Hind’s Hall”, que virou um hino da luta Palestina, “You’d want the world to stand up and the students finally did” (Você queria que o mundo se levantasse e os estudantes finalmente fizeram isso), o movimento estudantil foi e continua sendo ponta de lança na defesa da Palestina, representando o rechaço de milhões de pessoas em todo o mundo ao genocídio.
Em diversos momentos, quando o movimento estudantil toma para si bandeiras e demandas de outros setores oprimidos e dos trabalhadores, isso se torna uma forte potência e uma caixa de ressonância para fortalecer essas lutas. É assim, também, com a juventude no Quênia que levanta a consigna “abaixo o FMI”, e que tem se espalhado na consciência de milhares de africanos, chegando em Angola na última semana, com cartazes “O patrão do João Lourenço é o FMI”. Ou em menor escala, cada luta de terceirizades nas universidades no Brasil, em que nós da Faísca Revolucionária sempre atuamos buscando apoiar o máximo possível, como foi a última paralisação na USP.
O Congresso da União Nacional dos Estudantes (CONUNE) que ocorreu na última semana, representando a maior entidade estudantil da América Latina, deveria se colocar no papel de erguer a voz pelo anti-imperialismo, como é da tradição histórica do movimento estudantil e como vemos exemplos no mundo todo! Ao contrário disso, o que faz a direção majoritária, governista e imobilista, composta pelo PCdoB, PT, PSB e setores do PSOL (Juventude Sem Medo), é subordinar o movimento estudantil todo à política do governo. Nesse momento, se inserem no arco da “unidade nacional” pela soberania, que como já dizemos, expressa uma unidade reacionária e que, de fundo, mantém toda a submissão ao imperialismo: não é possível uma soberania nacional mantendo a dívida pública e exportando toneladas e toneladas de petróleo ao genocídio. A majoritária da UNE aprovou teses e uma nova diretoria majoritária que defende “retirar a educação do arcabouço”, o que, na prática, significa manter intacto todo o pilar da dívida pública, como se fosse possível defender uma educação de qualidade com cortes em outros setores do orçamento público. Mas não só, no próprio Congresso organizou diretamente um evento com o Lula, marcado fortemente pelas bandeiras verde-amarelas, assim como no ato organizado no dia seguinte. Nós da Faísca, junto à outros setores da oposição de esquerda ao governo, organizamos um ato em resposta ao evento com Lula, exigindo a imediata ruptura das relações com Israel e a revogação integral do arcabouço fiscal. No CONUNE de conjunto, e no dia a dia de nossa atuação CONUNE, viemos defendendo esse conteúdo, ligado à luta contra a escala 6×1 e a terceirização, como com a criação de Comitês em Defesa das Terceirizadas e o Abaixo assinado por uma greve geral contra a 6×1. É nessa perspectiva que fizemos nossa defesa final no CONUNE, e que seguiremos no próximo período, por um real programa anti-imperialista e se ligando à luta da juventude internacionalmente!