Revista Casa Marx

O capital versus a cooperação a partir da crítica à economia política de Marx

Fabián Puelma

O artigo "A cooperação como potência da classe trabalhadora e a luta pelo socialismo" de Emilio Albamonte e Matías Maiello desenvolve aspectos cruciais que dizem respeito à batalha ideológica na atualidade. Com este comentário, pretendo contribuir para o debate teórico que se abre, argumentando que a reivindicação da potência produtiva e de cooperação da classe trabalhadora deve se sustentar em uma crítica radical à forma como o capitalismo ordena essa cooperação.

O artigo de Emilio Albamonte e Matías Maiello aborda diversos temas relevantes. Em primeiro lugar, desenvolve a ideia da classe trabalhadora como “classe produtora”. O objetivo é confrontar o senso comum que as classes dominantes pretendem estabelecer, de que são os empresários e o capital que “criam trabalho” e “criam a riqueza”. Elas buscam elevar a figura do burguês como modelo a ser seguido. Assim, todos deveríamos aspirar a ser empresários.

Esse primeiro enfoque me parece fundamental, pois um dos centros do marxismo é desvendar a verdadeira relação entre “capital” e “trabalho”. O mito dos capitalistas é que o capital é uma poupança conquistada pelo mérito de cada família empresária. Essa poupança seria posta em movimento graças ao engenho e ao espírito empreendedor. Os empresários investiriam não apenas para gerar mais dinheiro, mas para alocar eficientemente os recursos na sociedade e prover bens e serviços úteis ao conjunto da população. O marxismo, por outro lado, sustenta que o capital é uma relação social cuja única fonte de valorização é a exploração do trabalho assalariado. É certo que a forma geral do capital se apresenta como dinheiro gerando dinheiro – ou, como diria Marx em “O capital”, “autovalorização do valor”. No entanto, essa valorização não pode ser explicada pelo simples movimento do dinheiro na circulação: o lucro capitalista só pode ser produzido graças à compra da força de trabalho, processo que em sua própria essência supõe o não pagamento da mais-valia que a classe trabalhadora gera.

Em segundo lugar, combate-se a ideologia individualista e o mito de que cada um basta a si mesmo por seu próprio mérito. O fenômeno da cooperação social permite refutar essa ideologia. Contra o discurso do indivíduo autossuficiente, o artigo desmistifica o conceito de indivíduo, mostrando como o funcionamento da sociedade se baseia na cooperação de milhões de trabalhadores em todo o mundo. No entanto, essa cooperação está ordenada pela e para a burguesia. No capitalismo, a cooperação social se sustenta no despotismo da produção e no “poder de mando” da burguesia. O socialismo propõe como perspectiva a reapropriação dessa cooperação social, controlando “coletiva e democraticamente as possibilidades técnicas e sociais”, ao mesmo tempo em que busca refuncionalizá-las para apontar para uma sociedade em que as e os produtores se associem livremente, “unindo suas forças individuais como uma grande força de trabalho social”.

Em terceiro lugar, realiza-se um contraponto com os desenvolvimentos sobre o “poder constituinte” de Antonio Negri e sua relação com a cooperação. Na relação entre capital e trabalho há uma disputa de soberanias e poderes sociais em conflito. O mérito dessa aproximação é que permite pensar o poder político da classe operária não a partir de seu papel de cidadania formal ou unidade contingente de significantes, mas emergindo desde o próprio coração do funcionamento da moderna sociedade capitalista. No entanto, Albamonte e Maiello notam que, “ao contrário do que sustenta Negri, a força produtiva da cooperação não é nem livre nem imediatamente constituinte, na medida em que, como observava Marx, está dominada pelo capital. A potência da cooperação só pode se manifestar como ruptura, como potência revolucionária”. A partir dessas coordenadas, sustentam os autores, é possível reler e atualizar os debates sobre a planificação soviética durante os anos 1920 e os dilemas da transição socialista.

Como se vê, a abertura do debate sobre a cooperação permite afinar a luta ideológica a partir do marxismo contra libertários, direitistas e enganadores das redes sociais. O liberalismo contemporâneo é uma versão febril e degradada do liberalismo clássico, por isso recuperar e atualizar a crítica à economia política de Marx é uma necessidade imperiosa. Até o momento, não foi inventada uma crítica mais aguda e profunda à filosofia liberal do que a realizada pelo marxismo.

Neste comentário, vou aprofundar o conceito de cooperação em Karl Marx. No artigo de Albamonte e Maiello menciona-se como a potência da cooperação está dominada pelo capital. No entanto, vale a pena desenvolver um pouco mais a crítica brutal que Marx faz à forma de cooperação própria do capitalismo, um aspecto que está menos explicado no referido artigo. De fato, considero que a reivindicação da potência produtiva e de cooperação da classe trabalhadora só pode se sustentar com base em uma crítica radical à forma como o capitalismo constitui essa cooperação.

O que significa que a cooperação no capitalismo apareça como um “efeito do capital”?

Na seção quarta de “O capital” (Tomo I), Marx desenvolve o movimento lógico e histórico que vai desde a cooperação simples, a divisão do trabalho e a manufatura, até a grande indústria. A cooperação simples coincide com a produção em grande escala. Esta “continua sendo a forma básica do modo de produção capitalista, embora sua própria figura simples se apresente como forma particular ao lado de outras mais desenvolvidas” (Marx, 2015, 408), como são precisamente a manufatura e a grande indústria.

Nesses capítulos, chama a atenção que a cooperação seja tratada de forma eminentemente crítica. Embora o desenvolvimento da cooperação não configure uma descrição histórica propriamente dita, existe um esforço para situar historicamente a categoria de cooperação. Acredito que isso se deve em grande parte ao fato de que os economistas burgueses clássicos, como Adam Smith, não apenas enalteceram o indivíduo, mas – como contrapartida necessária – fizeram um tributo à cooperação enquanto divisão do trabalho, projetando e naturalizando tanto o indivíduo quanto a socialização capitalista mediada pelo intercâmbio mercantil em toda a história humana. Essa projeção para o passado constituía para Marx uma verdadeira operação ideológica, já que os economistas burgueses não colocavam o indivíduo nem a divisão do trabalho como um resultado histórico, mas como ponto de partida da história (Marx, 2005, 4).

Dessa perspectiva, pode-se dizer que Marx realiza uma apropriação crítica da noção de cooperação presente nos economistas clássicos, desmistificando-a e historicizando-a. Por isso, me parece que reivindicar a potência da cooperação social da classe trabalhadora implica em uma crítica muito radical à cooperação própria do capitalismo.

Nesse sentido, Marx tem frases contundentes sobre a cooperação, pois esta mesma “aparece como forma específica do processo capitalista de produção”. De fato, “os assalariados não podem cooperar sem que o mesmo capital, o mesmo capitalista, os empregue simultaneamente” (Marx, 2015, 401). A própria cooperação seria “nada mais que um efeito do capital”. Dessa forma, no capitalismo, a cooperação é uma forma de dominação: o que empurra os trabalhadores a “cooperarem” no processo de produção social é a sua necessidade de vender sua força de trabalho para sobreviver.

Efetivamente, o “poder de mando” do burguês é a expressão mais concreta dessa dominação. Marx observa como a universalização da igualdade e liberdade de todos, tanto como cidadãos quanto como consumidores, não é simplesmente uma falsidade ou uma ilusão. Essa liberdade e equiparação de todos é uma característica própria do capitalismo, sem a qual o trabalhador assalariado não poderia vender “livremente” sua força de trabalho: a liberdade contratual é indispensável para que exista exploração. Mas justamente por esse motivo que a universalização da liberdade anda de mãos dadas com o aumento do despotismo no trabalho: a ditadura patronal onde “as ordens do capitalista se assemelham às ordens do general no campo de batalha”.

Ora, no contexto desse debate é importante notar que a dominação gerada por uma cooperação colocada a serviço do capital não se produz apenas dentro do local de trabalho, mas também fora dele. Como dissemos, as trabalhadoras e trabalhadores estão forçados a cooperar, a vender sua força de trabalho para poder sobreviver no capitalismo 1. Assim, a cooperação não pode ser entendida fora do papel que desempenha em um modo de produção historicamente determinado. A tarefa não se reduz a mudar o sujeito que usufrui da cooperação social, mas sim a atacar as próprias bases da dominação burguesa.

Diferentemente de épocas anteriores, o capitalismo leva a que a cooperação mediada pelo valor seja universal. Hoje essa realidade é mais palpável do que nunca: milhões de proletários em todo o mundo colaboram todos os dias, sem sequer se proporem a isso, para fazer girar a produção e reprodução de toda a humanidade. Existe uma conexão “universal” que se sustenta no trabalho, mas é uma conexão social que não controlamos e que nos domina. Efetivamente, como se discute no artigo de Albamonte e Maiello, trata-se de que os trabalhadores possam dominar esse poder e não serem dominados por ele, o que supõe uma ruptura revolucionária com a ordem existente dirigida pela classe trabalhadora contra os capitalistas.

Cooperação, individualismo e comunismo

Acho importante destacar que em Marx há uma relação dialética entre a cooperação dada por uma produção socializada e a “indiferença” própria dos interesses privados. Como se desenvolve no Manifesto Comunista, o capitalismo ataca diretamente as formas comunitárias e de dependência pessoal precapitalistas. Na seção “O dinheiro como relação social” dos Grundrisse, Marx afirma que “a conexão e a dependência de todos na produção e no consumo se desenvolvem ao lado da independência e indiferença recíprocas” (Marx, 2005, 88).
Essa dialética é própria da sociedade capitalista. Marx distingue a cooperação pré-moderna da propriamente capitalista. Por um lado, “reivindica” que nas formas “primitivas” as condições de produção são de propriedade comum, mas ao mesmo tempo observa que nesse estágio o indivíduo está “submetido” à entidade comunitária. Por outro lado, a cooperação no mundo antigo, na Idade Média e nas colônias se baseia em relações diretas de dominação, ao contrário do capitalismo que se fundamenta no trabalho assalariado livre. O comunismo, em contrapartida, seria a “livre individualidade, fundada no desenvolvimento universal dos indivíduos e na subordinação de sua produtividade coletiva, social, como patrimônio social” (Marx, 2005, 85). 2

Acho interessante esse ângulo da teoria marxista. O capitalismo tem essa contradição de raiz: sua produção é social, mas ao mesmo tempo se trata de produtores privados que não produzem de acordo com um plano geral. Como colocava Marx, “a própria necessidade de transformar o produto ou a atividade dos indivíduos antes de tudo na forma de valor de troca, em dinheiro, e de que somente nessa forma de coisa elas adquiram e manifestem seu poder social, demonstra duas coisas distintas: 1) que os indivíduos continuam produzindo apenas para a sociedade e na sociedade; 2) que sua produção não é imediatamente social, não é ’o fruto de uma associação’ que distribui em seu próprio interior o trabalho” (Marx, 2005, 86).

No capitalismo, o trabalhador aparece dividido por ambas as tendências. Por um lado, isso faz com que eles “se dissociem, se isolem, se justaponham”. Como a produção não é imediatamente social, mas mediada por fins privados capitalistas – é uma produção anárquica que não é fruto de uma associação comum –, materialmente o que impulsiona a cooperação é a busca do sustento para a vida. Esta é a base material para a ideologia individualista, e aí reside seu poder.

Mas, por outro lado, pelo mesmo motivo, no capitalismo a força de trabalho do operário é “impotente em sua solidão” (Marx, 2015). Como dizia Marx, o proletariado “está incapacitado por sua própria constituição para fazer qualquer coisa de forma independente”. A classe trabalhadora compartilha esses interesses materiais e históricos, o que, como aponta Albamonte e Maiello em seu artigo, “se manifesta espontaneamente na resistência silenciosa de todos os dias”, “tendências profundas de rejeitar o comando do capital e reafirmar a cooperação”. Esta é a base material para a cooperação, a unidade e a solidariedade operária.
Acho importante notar que essa dependência conceitual entre individualismo e cooperação tem sua expressão concreta na luta de classes, que é material e ideológica (inclusive valorativa). Sem essa luta ideológica e sem essa luta de classes direcionada a atacar a propriedade dos meios de produção, nada assegura que a potência da cooperação se expresse como tal. Mesmo a potência da cooperação pode se expressar em lutas coletivas sindicais, mas se estas se limitam a lutar por interesses meramente individuais sem conectar essas batalhas parciais com uma estratégia de emancipação para o conjunto da sociedade, então a potência da cooperação pode ser neutralizada sob o domínio do capital.

Nesse sentido, cabe precisar a ideia colocada no artigo de que “o individualismo que se manifesta na apropriação individual da riqueza tornou-se anacrônico”. O individualismo capitalista tem bases materiais próprias na forma de dominação capitalista. Embora, se entendermos esse anacronismo como a contradição entre socialização da produção, propriedade e apropriação privada, isso é totalmente verdadeiro. De fato, essa contradição entre cooperação e individualismo abre espaço para crises, para a ação revolucionária do proletariado e para acabar com a forma mesquinha e miserável como o capitalismo organiza a sociedade.
A partir disso, se abre o debate sobre programa, estratégia e tática, que constitui um campo teórico em si mesmo. Contra todos os socialistas utópicos, proudhonianos e românticos diversos, Marx considerava preferível que o capitalismo estabelecesse uma conexão universal baseada em relações sociais, em vez dos nexos locais baseados em círculos naturais de consanguinidade ou nas relações de senhorio e servidão. Como dizia, “os indivíduos não podem dominar suas próprias relações sociais sem antes tê-las criado” (Marx, 2015, 89). Mas o fato de que essa conexão apareça como alheia e autônoma ainda é uma demonstração de sua estreiteza no capitalismo: o que está em jogo é que a produção social possa ser controlada como um patrimônio comum.

O capitalismo estabelece um mecanismo rudimentar de relação social: a equiparação do heterogêneo. Uma “imposição miserável” que eleva “o tempo de trabalho como única medida da riqueza”, como formulam Albamonte e Maiello. A pergunta que surge é como manter um nexo social geral sem que este seja abstrato como o capital. É possível prescindir da abstração e manter a conexão universal? A partir dessa pergunta, abre-se o debate estratégico. Trata-se de um aspecto que não pode ser derivado unicamente da lógica imanente: requer decisões programáticas e ação política, ou seja, um debate sobre tática e estratégia. Por isso é absurdo descartar mais de cem anos de rico debate teórico em torno do socialismo e do comunismo – ou, pior, descartar as grandes lutas da classe operária por sua libertação – afirmando simplesmente, por exemplo, que a derrota e fracasso da revolução russa se devem ao fato de ter mantido a lei do valor.

Foi o próprio Marx quem estabeleceu alguns parâmetros para o debate na Crítica ao Programa de Gotha, concebendo o socialismo (centralização dos meios de produção no Estado com base na democracia proletária) como uma transição ao comunismo, a uma sociedade não baseada na medida do “tempo de trabalho”. Ou seja, nosso objetivo político não é simplesmente mudar o sujeito que se apropria da mais-valia, pois o foco não pode estar na “distribuição”, mas sim em buscar destruir a subordinação escravizadora dos indivíduos à divisão do trabalho.

Acho que tanto o artigo sobre a cooperação de Albamonte e Maiello quanto os “Apontamentos sobre a luta de ideologias além da Restauração burguesa” têm o mérito de buscar reatualizar esses debates para o presente. O primeiro, por fazer uma releitura dos debates sobre planificação socialista nas sociedades de transição; o segundo, por abordar de frente o problema de como pensar a conexão universal reapropiada a partir da ótica das novas tecnologias e sua potencialidade para pensar a planificação.

Consequências para a luta ideológica de sentidos comuns

Considero que a releitura da crítica da economia política de Marx não é apenas útil para a compreensão das tendências mais profundas do capitalismo, mas também para a disputa ideológica de sentidos comuns. A seguir, esboço alguns apontamentos sobre a possível tradução política dos debates teóricos antes mencionados. A ênfase na potência da cooperação operária e a crítica à forma de cooperação social própria do capitalismo devem constituir um duplo movimento:

a) Por um lado, está a luta ideológica contra o liberalismo e o neoliberalismo, que transforma o indivíduo isolado em um protótipo, como se o que ele fizesse fosse fruto do trabalho individual e não social. Desmistificar toda essa ideologia e mostrar o caráter social e cooperativo da produção é um aspecto fundamental. Isso implica mostrar a potência criadora e produtiva da classe trabalhadora, uma luta de valores que tem como objetivo lutar pela unidade e organização da classe trabalhadora como sujeito, e não como “pó social” isolado. A partir daí, entendo todas as elaborações que buscam recuperar a tradição de luta da classe trabalhadora como sujeito independente frente ao liberalismo e ao peronismo (algo que no Chile também estamos tentando fazer em polêmica com a tradição reformista encarnada sobretudo no Partido Comunista, com diversas elaborações como o artigo de Pablo Torres “Os socialistas e o Estado no Chile” ou “A crise de hegemonia no Chile: entre a defesa ativa da herança da ditadura e as tentativas de ‘ampliação do Estado’” escrito por mim como documento para o VII Congresso do PTR).

b) Agora, junto com isso, acredito que devemos realizar uma crítica brutal e radical à forma de trabalho e de cooperação capitalista como função do capital. A ideologia “libertária” de ser “seu próprio chefe” e de empreendedorismo dialoga com uma fibra real. Responde à realidade de um trabalho cada vez mais precário. Ser trabalhador “com patrão” implica exploração e ter que obedecer às ordens do capitalista com seu poder de comando. E ninguém quer isso. Isso se intensificou não só com a ofensiva neoliberal, mas sobretudo nas condições de crise da hegemonia neoliberal. Os trabalhadores não controlam suas condições de produção nem de vida. Em uma sociedade baseada em um trabalho precário e instável (somado a guerra, catástrofes, etc.), impõe-se a pergunta: como controlar nossa própria vida?

Os “libertários” oferecem a panaceia do “controle individual”. Buscam combater duramente qualquer ideologia que leve a um imaginário de “controle coletivo” do processo produtivo. Dialogam com essa ideia de “não ter chefes”. É uma tentativa espúria de se apropriar da busca por nos livrarmos do jugo do comando hierárquico no trabalho. Mas fazem isso com uma saída ilusória, que não passa de um engodo. Como dizia Marx sobre a subordinação às relações de dominação capitalistas, “o indivíduo isolado pode acidentalmente acabar com elas, mas isso não ocorre com a massa dos que são dominados por elas” (Marx, 2005, 92).

Mas diante dessa mentira, devemos reivindicar o programa fundamental dos comunistas. Não queremos um trabalho “com patrão digno”. Nós não queremos apenas que a classe trabalhadora controle o processo produtivo: queremos acabar com o trabalho assalariado em si, que para nós é escravidão assalariada. Não defendemos o trabalho como ideologia, não somos produtivistas nem obreiristas; o que defendemos é a potência revolucionária da classe trabalhadora, que parte de seu poder objetivo na produção. Não queremos “emancipar o trabalho”, mas abolir o trabalho em sua forma capitalista.

Por outro lado, deve-se notar que a cooperação moderna é imposta violentamente, de forma forçada. Aqui se abre toda a problemática da subsunção do trabalho. Isso é importante para pensar o programa e a disputa dos sentidos comuns. Sob essa ótica, há alguns aspectos que adquirem uma nova luz:

a) A cooperação capitalista supõe a “equiparação”, a “desprofissionalização”, a realização de tarefas parciais e repetitivas 3. Mesmo quando o conhecimento científico avança e é aplicado na tecnologia de produção, essa tecnologia se torna mais incontrolável e indecifrável. Isso é realizado impondo a “desprofissionalização” (com tarefas, acrescentamos nós, que se assemelham cada vez mais a um mero gasto fisiológico) e, por outro lado, buscando que as tarefas altamente especializadas — indispensáveis para o capital — estejam suficientemente fragmentadas para evitar que tenham poder sobre o próprio processo produtivo.

Devemos mostrar como esse mecanismo do capital opera. Para fazer ideologia comunista, é necessário mostrar como a divisão do trabalho no capitalismo se baseia em nos tornar mais ignorantes, em realizar tarefas repetitivas, rotineiras, em nos tratar como números descartáveis. E, por isso mesmo, a promessa do capitalismo de “respeito irrestrito pelo projeto de vida do próximo”, como repete Milei, é uma grande mentira, porque o trabalho no capitalismo impede o desenvolvimento pleno das próprias habilidades e da individualidade. Que projeto de vida pleno é possível no capitalismo, se a própria vida está sujeita à mais pura arbitrariedade do mercado, à sua instabilidade e precariedade? Enquanto os capitalistas clamam dia e noite contra a “incerteza” econômica e têm uma suscetibilidade doentia com qualquer coisa que os faça se sentirem inseguros em seus investimentos, condenam os trabalhadores à incerteza contínua quanto à sua continuidade laboral e às condições de trabalho. Ainda querem nos convencer de que essa “incerteza” é benéfica, pois a flexibilidade do trabalho nos daria mais controle sobre nosso próprio tempo, quando sabemos que é exatamente o contrário.
b) Mostrar como a equiparação própria do capitalismo (a igualdade formal) significa que os capitalistas buscam aproveitar e incentivar todas as divisões e conflitos entre proletários. Um exemplo muito atual é a ideologia contra os migrantes. O objetivo disso é manter o controle da produção e a disciplina. Mas os capitalistas não podem “exagerar” completamente, porque precisam que haja colaboração na produção entre trabalhadores nacionais e estrangeiros (o trabalho migrante é absolutamente indispensável). Talvez mostrar essa hipocrisia, ancorada nas necessidades próprias de valorização capitalista, possa ajudar a delinear um inimigo comum e discernir os interesses compartilhados entre trabalhadores nacionais e migrantes.

 

Edições citadas

Marx, Karl (2005): Elementos fundamentales para la crítica de la economía política (Grundrisse) 1857-1858, Ciudad de México: Siglo XXI Editores.
Marx, Karl (2015), El capital, Buenos Aires: Siglo XXI Editores.

 

Notas de rodapé
1. Isso também tem sido chamado de “dominação impessoal” ou “dominação abstrata”. Muitas das tendências intelectuais que buscaram traduzir para a linguagem marxista o ênfase na autonomização da sociedade em relação aos indivíduos, própria de teorias críticas como as de Adorno, acabaram construindo uma metafísica do capital. É impossível resumir o debate sobre a dominação abstrata, suas características e limites neste artigo. Parece-me que Facundo Nahuel Martin conseguiu organizar bem os eixos do debate em seu último livro Ilustración sensible (Buenos Aires, IPS, 2023). Por sua vez, em seu comentário sobre o livro, Ariane Díaz foi muito assertiva ao afirmar que “a lógica imposta pelo capital é contraditória não apenas porque delineia tendências e contratendências em seu funcionamento específico (…) mas porque, efetivamente, tudo o que incorpora a essa lógica o faz abstraindo elementos da realidade em seu favor, mas não os eliminando”.
2. Albamonte e Maiello fazem referência à ideia de “novo individualismo” de Gramsci. Cruzar esses desenvolvimentos com as reflexões de Marx nos Grundrisse pode ser teoricamente produtivo.
3. Soren Mau, em seu livro Compulsión muda. Una teoría marxista del poder económico del capital (Madrid: Extáticas, 2023), resenha o debate sobre a noção de “desprofissionalização” de Braverman e a resposta de David Harvey (ver capítulo “El despotismo de la subsunción”).
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