Tatiana Cozzarelli
Maryam Alaniz
As universidades sob o capitalismo sempre foram organizadas para servir aos interesses da classe dominante. Contudo, a ofensiva neoliberal representou um salto nos fundamentos classistas da universidade. Hoje, uma nova geração de jovens e trabalhadores nos Estados Unidos e em outras partes do mundo está questionando esse modelo universitário. Lutas emergentes, como os protestos nos campi em solidariedade à Palestina, estão transformando novamente as universidades em arenas importantes de conflito. Neste artigo, originalmente publicado no Left Voice, parte da rede internacional de jornais de La Izquierda Diario, analisamos a crise enfrentada pelas universidades neoliberais, baseando-nos no trabalho de acadêmicos como Erik Baker. Também propomos uma visão para transformar as universidades e colocá-las a serviço dos interesses da classe trabalhadora e dos oprimidos.
No último ano, nos Estados Unidos, foi escrito um novo capítulo da luta de classes. Estudantes, muitos da diáspora palestina, judeus antissionistas, ativistas de esquerda e pessoas de todo o espectro político se levantaram contra o genocídio em Gaza. Criaram acampamentos e questionaram universidades que funcionam graças a investimentos israelenses. Enfrentaram a repressão das administrações universitárias, ao mesmo tempo em que desmascararam o caráter imperialista tanto dos democratas quanto dos republicanos no poder, que facilitaram o envio da polícia para reprimir estudantes e trabalhadores.
Outros setores mais amplos da sociedade norte-americana também testemunharam uma redução sem precedentes dos direitos democráticos e o auge de uma caça às bruxas macartista no século XXI. Liderados pela extrema direita, esses ataques antidemocráticos contam com o apoio do regime em geral e têm como alvo qualquer pessoa que ouse se posicionar contra o genocídio palestino em instituições que supostamente deveriam ser bastiões da liberdade de expressão e da liberdade acadêmica. Esses ataques levaram professores e trabalhadores do setor educacional a defender direitos democráticos básicos, enquanto também se atacava o movimento estudantil no último ano.
Esses conflitos ocorram em um contexto específico de avanço da neoliberalização das universidades. Durante anos, autoridades governamentais e administrativas cortaram drasticamente os orçamentos universitários, resultando em demissões, eliminação de áreas inteiras e aumento da contratação de professores como adjuntos. Após anos de passividade, os trabalhadores das universidades começaram a lutar contra as condições precárias, o que gerou um aumento da sindicalização e das greves nas universidades.
Essas instituições têm um peso significativo na sociedade e na economia dos EUA. Mais de 18 milhões de pessoas estudam nelas, enquanto 4 milhões trabalham no setor. Em uma dimensão mais profunda, os acontecimentos recentes abriram o debate sobre o papel das universidades, desde a revitalização histórica de um movimento estudantil que desafia o imperialismo até as “guerras culturais” da direita, nas quais universidades e escolas se tornaram o principal alvo de medidas drásticas sem precedentes.
Erik Baker, ativista do sindicato de trabalhadores acadêmicos de Harvard e professor dessa universidade, escreveu recentemente sobre a deslegitimação das universidades norte-americanas. Como aponta em seu ensaio, as universidades já foram, em outra época, instituições que promoviam ideais de pós-guerra, como o compromisso democrático e o enriquecimento cultural. Ele explica que as universidades e os cursos relacionados às “artes liberais” desempenharam um papel fundamental no funcionamento ideológico da sociedade capitalista no pós-guerra. No entanto, na nova economia, com forte peso de ativos financeiros, os objetivos das universidades especializadas em artes liberais tornaram-se obsoletos sob a ótica dos interesses da classe capitalista.
Nesse contexto, explica Baker, as funções hegemônicas das universidades para a sociedade burguesa perderam importância. “O que é cru e impiedoso, nas palavras de Bourdieu, parece servir perfeitamente às elites de hoje”, escreve Baker. De fato, a universidade moderna caracteriza-se pela superexploração e precarização dos trabalhadores universitários, pelo aumento da vigilância sobre a academia e por medidas disciplinares promovidas por ambos os partidos políticos, além de currículos considerados “conscientes” ou “woke” demais pela direita. Por outro lado, ativistas de esquerda começaram a questionar, com razão, os currículos muitas vezes ligados às normas opressivas do capitalismo.
As características exploratórias, autoritárias e ideológicas da universidade moderna podem ser explicadas pelo fato de que elas são dominadas pelos interesses da classe capitalista. Instituições de ensino superior, especialmente as universidades de elite, reproduzem a ideologia dominante enquanto produzem ciência, pesquisa e conhecimento em benefício da classe capitalista. Muitas universidades são financiadas por investimentos em empresas ligadas ao capital sionista, combustíveis fósseis e ao complexo militar-industrial de Israel. Essas universidades frequentemente contribuem diretamente para o sistema de exploração capitalista e ajudam a sustentá-lo. Mesmo universidades estaduais, financiadas com recursos públicos, adotaram um modelo empresarial que inclui aumento de mensalidades, medidas de austeridade brutais e a superexploração dos trabalhadores em um sistema de trabalho hierarquizado.
Como resultado do recente movimento de solidariedade com a Palestina, as contradições das universidades no sistema capitalista estão se tornando mais evidentes. Ao mesmo tempo, estão se aprofundando as tensões entre as autoridades, submissas aos interesses de Wall Street e do regime imperialista bipartidário, e uma nova geração de estudantes e trabalhadores universitários que são cada vez mais anticapitalistas e anti-imperialistas.
Enquanto o modelo universitário tradicional se esgota, o novo movimento estudantil e de trabalhadores da educação superior tem a oportunidade de articular claramente e lutar por um tipo de universidade que defenda os interesses da classe trabalhadora e dos oprimidos.
A luta por universidades públicas e gratuitas, organizadas por e para a classe trabalhadora e os oprimidos, onde haja liberdade de cátedra e de expressão, onde o marxismo não seja censurado e onde o conhecimento seja colocado a serviço dos trabalhadores e dos setores oprimidos, também implica lutar no presente pelos direitos democráticos básicos e contra os ataques atuais que tentam limitar nossa capacidade de lutar.
A “era de ouro” da educação superior no capitalismo
A educação superior nos Estados Unidos sofreu profundas transformações no último século. Em suas origens, as universidades eram instituições elitistas, acessíveis apenas a poucos privilegiados, como explica a historiadora Ellen Schrecker em seu livro The Lost Promise. Contudo, após a Segunda Guerra Mundial, a aprovação de uma lei (GI Bill) que financiava a matrícula de ex-combatentes ampliou o acesso à educação superior para milhões de veteranos, que viam as universidades como um trampolim para a classe média no auge da prosperidade do pós-guerra. Para o regime norte-americano, uma força de trabalho profissionalizada foi crucial para o projeto de expansão econômica no país e no exterior.
Entretanto, a educação superior não era acessível para todos. Embora muitos negros norte-americanos tenham servido na Segunda Guerra Mundial, a GI Bill exacerbou as disparidades raciais na educação. Sob as políticas segregacionistas, a maioria das universidades do Sul excluía estudantes negros, enquanto no Norte, a matrícula de negros era mantida deliberadamente baixa. Historicamente, universidades negras recebiam menos financiamento e não conseguiam atender a todos os estudantes negros.
O sistema educacional do pós-guerra foi marcado pela Guerra Fria, na qual a competição estratégica com a União Soviética estava no centro da agenda política nacional. Essa competição exigia inovações em ciência e tecnologia, assim como uma força de trabalho qualificada para a era industrial. A Lei de Educação para a Defesa Nacional de 1958, de Eisenhower, oferecia empréstimos estudantis a baixo custo em áreas ligadas à defesa. Mas a promoção não se limitava às ciências: áreas de idiomas também foram incentivadas como forma de combater a influência comunista e formar profissionais para o setor de inteligência em expansão.
As universidades também estiveram na vanguarda dos ataques macartistas: “administrando juramentos de lealdade anticomunistas, proibindo oradores politicamente controversos e, o mais lamentável, expurgando professores considerados ‘contaminados’ politicamente”, como explica Schrecker. Do final dos anos 1940 ao início dos anos 1950, mais de 100 intelectuais foram demitidos durante uma campanha conduzida por órgãos como o FBI. O Estado exerceu influência sobre o mundo acadêmico de maneira muito explícita (promovendo caça às bruxas no Congresso que ameaçavam com demissões e repúdio social), mas também implementou formas de prejudicar reputações, bloquear pesquisas acadêmicas ou avanços profissionais e paralisar a livre expressão dos professores. Dessa forma, os Estados Unidos garantiam que suas universidades continuassem servindo aos interesses do imperialismo durante a Guerra Fria.
Os anos 1960 e 1970 marcaram outro momento importante na evolução do ensino superior. À medida que os compromissos do pós-guerra começaram a se enfraquecer e desmoronar, as universidades foram arrastadas pelas mudanças sociais da época. A matrícula universitária praticamente triplicou nesse período; surgiram universidades de massa, com um corpo estudantil mais heterogêneo. A tendência de incluir estudantes negros nas universidades ganhou força com a implementação de programas de ação afirmativa nos anos 1960. A matrícula universitária de estudantes negros quase dobrou entre 1960 e 1980.
Desenvolveu-se a ideia de que a educação era a solução para todos os males sociais e que poderia erradicar a pobreza, formando pessoas para se tornarem capital humano mais valioso. Essa é a ideologia criticada por Samuel Bowles e Herbert Gintis em Schooling in Capitalist America. Mas foi com base nessa ideia que o presidente Lyndon Johnson aprovou os chamados “Programas da Grande Sociedade”, que “marcaram o início de um apoio federal mais individualista e até mais consumista ao ensino superior público, proveniente de subsídios para a matrícula dos estudantes e não de financiamento direto às universidades”, como apontam os autores de Lend and Rule.
Ao mesmo tempo, essa fase foi marcada pelo surgimento do movimento estudantil, que nasceu do movimento pelos direitos civis e alcançou seu ponto mais combativo durante os protestos contra a Guerra do Vietnã. Esse movimento foi desencadeado pelo massacre na Universidade Estadual de Kent e pelos assassinatos na Universidade Estadual de Jackson, ocorridos onze dias depois. Os ativistas dessa época lutavam por uma universidade voltada para os oprimidos, e não como um meio para o sucesso individual. Exigiam a revolução do currículo, juntamente com as estruturas antidemocráticas das universidades.
Em resposta ao massivo movimento estudantil dos anos 1960 e 1970, as universidades fizeram concessões aos estudantes. Embora tenham negado muitas das demandas mais radicais (como admissão irrestrita, democratização da universidade e a adoção de um currículo relacionado às questões de opressão), ocorreram outras mudanças importantes. Por exemplo, em 1972, programas de estudos afro-americanos já existiam em mais de 1000 universidades e, segundo um relatório chamado Higher Education and the Black American, esses estudos eram “um campo fixo, mas pouco consolidado no currículo acadêmico”. Também surgiram áreas de estudos de gênero e estudos das mulheres em todo o país, e as universidades foram obrigadas a diversificar suas disciplinas e corpo docente.
A universidade neoliberal
No entanto, no final do século XX, o panorama do ensino superior começou a mudar novamente, influenciado pela ascensão da ideologia neoliberal e pela adoção dos princípios de mercado na educação superior. O neoliberalismo surgiu no final da década de 1970 como resposta à crise do modelo econômico do pós-guerra. Nesse período, os capitalistas encontraram mecanismos limitados, mas reais, para a acumulação, reabrindo mercados para o capital na China e no antigo bloco soviético. Além disso, buscaram novos setores da classe trabalhadora para explorar e lideraram uma onda de ataques para disciplinar os trabalhadores em seus países, garantindo maior extração de mais-valia em um contexto de crise de acumulação capitalista. Isso se manifestou em privatizações, ataques aos direitos trabalhistas e medidas de austeridade. A economia do “gotejamento” e as baixas taxas de impostos para os ricos levaram a um grande aumento nas disparidades de renda e, cada vez mais, a uma economia baseada em dívidas.
As universidades não ficaram imunes a essas novas pressões de mercado, transformando-se de instituições voltadas para o bem público em “fábricas” de diplomas, prejudicadas por políticas de austeridade, caracterizadas por uma burocracia administrativa pesada e altos custos, como as conhecemos hoje. Uma característica distintiva dessas universidades é a mudança nas fontes de financiamento, que passaram de públicas para privadas, com aumento nos custos de matrícula, transferindo o ônus financeiro para os estudantes.
Michael Fabricant e Stephen Brier, em Austerity Blues, destacam que, de 1990 a 2010, o valor real do financiamento público per capita por estado nas instituições públicas diminuiu 2,3%. A Universidade da Cidade de Nova York (CUNY), conhecida como a “Universidade do Povo”, viu uma queda de 40% no financiamento estatal por estudante entre 1992 e 2012 e uma redução de 17% entre 2008 e 2015, em valores reais.
Devido às medidas de austeridade e à falta de financiamento público, as próprias universidades também se endividaram. Segundo Lend and Rule, a dívida de longo prazo das instituições públicas aumentou 482% entre 1989 e 2021. Essa dívida gera lucros para bancos e o capital financeiro, lastreada pela promessa de aumentar os custos de matrícula quando necessário. Assim, as universidades públicas se tornaram uma fantasia: financiadas não por impostos, mas por dívidas assumidas pelas instituições e pelos estudantes.
As universidades privadas, por sua vez, têm laços ainda mais fortes com investidores e corporações, aumentando seus fundos por meio de investimentos privados. Universidades de elite, como Brown, chegam a ter até 43% de suas dotações aplicadas em investimentos, incluindo indústrias de combustíveis fósseis e interesses sionistas.
Sob o neoliberalismo, as leis, como a Bayh-Dole de 1980, incentivaram universidades a patentear descobertas e lucrar com pesquisas. Isso moldou cada vez mais as agendas acadêmicas para atender aos interesses corporativos, e não às necessidades sociais.
A matrícula universitária aumentou durante a maior parte do período neoliberal, passando de 12 milhões em 1980 para 21 milhões em 2010. Desde então, caiu 11%, mas permanece acima dos níveis de 1980. Fabricant e Brier explicam que esse crescimento resultou em uma hierarquia estratificada, onde o “valor” de um diploma universitário se depreciou.
Os estudantes de minorias raciais e de classes trabalhadoras carregam desproporcionalmente o peso das dívidas estudantis, em um tipo de “inclusão predatória”, que oferece benefícios limitados aos marginalizados, enquanto favorece a classe capitalista.
Por fim, a precarização do trabalho acadêmico tornou-se outra marca do neoliberalismo. Professores adjuntos e pós-graduandos assumem grande parte da carga de ensino, com baixos salários e poucos benefícios, enquanto a estabilidade profissional diminui, evidenciando a crise estrutural do sistema educacional superior.
Juntamente com a precarização dos docentes, os cargos administrativos nas universidades cresceram dez vezes mais rápido do que os postos de professores titulares, segundo dados do Departamento de Educação. Isso refletiu uma expansão da burocracia universitária como parte da mudança de foco da universidade para a eficiência administrativa e a governança corporativa. Em outras palavras, as universidades tornaram-se mais burocráticas como uma forma de tirar “poder dos professores e pesquisadores”, como apontou um artigo recente da revista The Atlantic.
As ciências nas universidades aumentaram seus vínculos com o complexo militar-industrial, e a estrutura de concessão de subsídios cria competição entre colegas de trabalho, colocando professores e cientistas de laboratório uns contra os outros, muitas vezes levando à superexploração de estudantes de pós-graduação que trabalham em laboratórios.
No entanto, o neoliberalismo foi mais do que apenas políticas econômicas; ele veio acompanhado de uma ideologia que foi, segundo Perry Anderson, uma das mais bem-sucedidas da história mundial. Sob essa ideologia, o capitalismo se ergueu triunfante e sem alternativas, e as universidades desempenharam um papel central na perpetuação dessa ideia.
Enquanto os partidos Democrata e Republicano faziam parte do neoliberalismo, os republicanos representavam uma versão mais reacionária, que rejeitava as mudanças culturais surgidas dos movimentos das décadas de 1960 e 1970; antifeminista e anti-queer, evocavam os “valores familiares tradicionais”. Por outro lado, os democratas passaram a representar um neoliberalismo progressista. Como explica Nancy Fraser, o neoliberalismo progressista é:
uma aliança entre correntes dominantes dos novos movimentos sociais (feminismo, antirracismo, multiculturalismo e direitos LGBTQ), por um lado, e setores empresariais com poder “simbólico” e de serviços de alta tecnologia (Wall Street, Silicon Valley e Hollywood), por outro. Nessa aliança, as forças progressistas unem-se efetivamente às forças do capitalismo “cognitivo”, especialmente a financeirização. No entanto, sem perceber, as primeiras emprestam seu carisma às segundas. Ideais como diversidade e empoderamento, que poderiam servir a outros fins, agora mascaram políticas que devastaram a indústria e o que antes eram vidas de classe média. […] Ao identificar “progresso” com meritocracia em vez de igualdade, esses termos equiparavam “emancipação” à ascensão de uma pequena elite de mulheres, minorias e pessoas LGBTQ “talentosas” na hierarquia corporativa em vez de abolir essa hierarquia.
E coube à universidade produzir uma elite um pouco mais diversa para governar uma sociedade cada vez mais desigual. Como argumenta Jodi Melamed em Represent and Destroy:
o conhecimento sobre as assimetrias associadas a pertencer a uma minoria – especialmente diferenças raciais e culturais – foi colocado a serviço das políticas sociais e econômicas pós-keynesianas. Com esse objetivo, as universidades americanas usaram sua capacidade de adaptação para produzir conhecimentos sintomáticos e produtivos para as novas circunstâncias das décadas de 1980 e 1990.
Nesse contexto, como explica Melamed, “uma função essencial da academia […] era gerir as assimetrias associadas a pertencer a uma minoria, validando, certificando e tornando legíveis essas diferenças por meio de sua maquinaria institucional, gerando formas que reforçassem, ao invés de desafiar, a hegemonia”. Em outras palavras, sob o neoliberalismo, a universidade foi obrigada a justificar a crescente estratificação racial e de classe, ao mesmo tempo que incorporava estudantes de cor sob o pretexto de admissões “baseadas no mérito”.
A universidade tornou-se um bastião do neoliberalismo progressista, frequentemente ligado aos interesses do Partido Democrata, alimentando uma rede de trabalhadores para o complexo industrial sem fins lucrativos, apoiadores de políticos democratas, e construindo uma ideologia que conecta políticas progressistas ao voto nesse partido. Não é surpresa que, hoje em dia, uma das maiores divisões políticas seja entre pessoas com educação universitária que votam nos democratas e pessoas sem educação universitária (especialmente brancas) que votam nos republicanos. Outras universidades ou até faculdades específicas são bastiões do Partido Republicano neoliberal e belicista, criando um fluxo constante de trabalhadores para o complexo militar-industrial, bem como para o Partido Republicano. Em ambos os casos, porém, ensina-se aos estudantes a aceitar o capitalismo como a melhor maneira de organizar a economia.
Como resultado, durante o auge da ofensiva neoliberal, houve uma proliferação de ideias antimarxistas na universidade, que se tornaram hegemônicas até mesmo entre os setores mais progressistas. Como explica Terry Eagleton em The Illusions of Postmodernism, as ideologias dominantes do pós-modernismo, pós-colonialismo e política de identidades, cada uma à sua maneira, apagaram a classe trabalhadora como sujeito estratégico para derrubar o capitalismo, negando a possibilidade, o desejo ou o quadro geral para tal objetivo. O marxismo, como arma revolucionária para a luta de classes, foi descartado como anacrônico ou como perpetuador do mito de ser reducionista e economicista. Dessa forma, a universidade adquiriu um verniz soberbo e “transgressor”, ao mesmo tempo que defendia o sistema capitalista.
Nas universidades, o neoliberalismo incluiu mais pessoas na história dos Estados Unidos do que qualquer outro período, mas essa inclusão não significou igualdade na hierarquia social; pelo contrário, o neoliberalismo tornou os ricos mais ricos e os pobres mais pobres, promovendo a ideologia de que as escolas são o grande equalizador. A universidade neoliberal transformou a educação superior não apenas em um instrumento de hegemonia para a classe capitalista, mas também em uma fonte de lucro, seja por dívida, investimentos, privatização ou precarização.
A crise da universidade neoliberal
A crise econômica de 2008 abriu um questionamento mais amplo sobre o capitalismo e suas instituições, incluindo as universidades. Isso marcou uma crise do neoliberalismo em um sentido mais amplo e se expressou politicamente por meio de uma crise dos partidos tradicionais e do surgimento de populismos de esquerda e direita. A crise do neoliberalismo progressista também significou uma crise para a universidade, seu bastião, cujas autoridades promoveram um tipo de consenso neoliberal, ou “extremo centro”, como o chama Tariq Ali. Agora, podemos observar mais divisões tanto no topo quanto na base, inclusive dentro das universidades.
Por exemplo, tanto os estudantes quanto os trabalhadores percebem que os antigos ideais das universidades não correspondem à realidade: dívidas significativas para obter diplomas que podem não garantir um caminho claro para o emprego ou, no melhor dos casos, salários miseráveis para professores adjuntos que os forçam a viver em seus carros. E, como demonstrou o movimento estudantil revitalizado, os ativistas estudantis agora também enfrentam repressão aberta diante do genocídio.
O véu está sendo levantado até mesmo entre setores mais amplos, à medida que as universidades enfrentam uma crise de prestígio. Como aponta Barker, apenas 19% dos republicanos expressaram ao menos “bastante” confiança no ensino superior, enquanto, entre os democratas, essa confiança caiu para 59%. Apenas 47% dos graduados universitários tinham mais que “um pouco” de confiança na universidade.
Como parte da crise mais ampla do neoliberalismo, temos observado menos consenso ideológico em relação às ideias do senso comum neoliberal e mais polarização. Para a extrema direita, que enxerga as decepções do capitalismo neoliberal como um problema de “marxismo cultural”, as universidades e escolas tornaram-se um dos principais alvos de ataques reacionários. Em um discurso na Conferência Nacional de Conservadorismo, J. D. Vance afirmou recentemente: “Os professores são o inimigo”. Esse tipo de ataque cultural às universidades se intensificou após o movimento Black Lives Matter e continuou contra o movimento pela Palestina. Isso resultou em políticas como os ataques do governador da Flórida, Ron DeSantis, aos estudos LGBTQ, estudos negros e programas de diversidade, equidade e inclusão (DEI).
Mais recentemente, o movimento pela Palestina desafiou profundamente a universidade neoliberal, testando os limites de seu caráter “progressista”. Isso significou um ataque macartista à liberdade de expressão nas universidades, que afetou tanto estudantes quanto trabalhadores que protestavam pela Palestina. De fato, a Universidade de Columbia, epicentro dos protestos universitários, ficou em último lugar no ranking anual de liberdade de expressão universitária da Fundação para os Direitos Individuais e a Expressão.
Ao mesmo tempo, o movimento pela Palestina está questionando muitos pilares da universidade neoliberal. Em primeiro lugar, os investimentos universitários em Israel, mas também a presença de policiais nos campi e, em algumas instituições, os discursos sobre a necessidade de universidades públicas e gratuitas. Mesmo antes do movimento pela Palestina, que marcou um salto significativo na radicalização do movimento estudantil nos EUA, já era possível observar mudanças no questionamento ideológico do status quo nas universidades, com o surgimento do movimento #MeToo e um profundo questionamento sobre a reprodução desenfreada de normas patriarcais que afetam tanto estudantes quanto trabalhadores nas universidades.
Além do movimento estudantil, os trabalhadores do ensino superior também têm mostrado seu potencial de organização e ofensiva. Isso foi evidenciado recentemente pela greve dos trabalhadores da Universidade da Califórnia e pela assembleia de base da CUNY durante as ocupações em apoio à Palestina. Também houve a greve da New School em 2022, a mais longa greve de professores adjuntos da história dos EUA, durante a qual os estudantes mostraram solidariedade com esse setor e ocuparam a instituição.
Paralelamente a essas ações, também houve um movimento para sindicalizar-se nas universidades, em meio a uma mudança geral que gerou uma visão mais favorável aos sindicatos em todo o país. Embora a taxa geral de sindicalização tenha permanecido estável ou diminuído nos últimos anos, nas universidades ela aumentou. Um relatório recente mostrou um aumento de 133% nas sindicalizações entre estudantes de pós-graduação nos EUA desde 2012.
Nesse contexto de crescentes tensões entre o movimento estudantil e os trabalhadores, por um lado, e uma extrema direita cada vez mais ativa, respaldada por setores do capital, está claro que a universidade neoliberal enfrenta uma crise de sustentabilidade. Isso ficou evidente na recente destituição da presidente da Universidade de Columbia, Minouche Shafik, que reprimiu brutalmente os estudantes, mas não com rapidez ou severidade suficientes para os sionistas de sua diretoria, que a demitiram durante o verão. A renúncia de Shafik é um exemplo-chave de que o centro não pode se sustentar.
A soma dos custos crescentes, dos ataques políticos, do ativismo de estudantes e trabalhadores e da repressão às dissidências evidencia as contradições do modelo de universidade neoliberal, que, em última análise, é impulsionado pelas necessidades da ganância capitalista e da opressão imperialista. Qual seria o modelo alternativo de universidades que pudesse servir genuinamente aos interesses da classe trabalhadora e dos oprimidos aqui e no mundo?
Universidades para a classe trabalhadora e os oprimidos
Como destacaram Bowles e Gintis, as escolas não são apenas um espaço para criar hegemonia para o Estado, mas também um espaço para formar rebeldes que questionarão tudo. Isso está acontecendo diante de nossos olhos. O movimento pela Palestina abriu um período de crise de maior intensidade para a universidade neoliberal, resultando na formação de um aparato repressivo revitalizado na universidade e na erosão de algumas das liberdades acadêmicas e direitos democráticos conquistados nas lutas das décadas de 1960 e 1970. O regime bipartidário, em conjunto com a burocracia universitária, está tentando impor uma nova relação de forças na universidade.
É essencial que o movimento pela Palestina e nossos sindicatos lutem contra essa onda de repressão, defendendo o direito de protestar, de expressar solidariedade com a Palestina e de lutar pela liberdade acadêmica. É fundamental que mais professores se juntem à luta, inclusive professores titulares, cujas liberdades acadêmicas também estão sendo limitadas. Nossa luta pela Palestina e pela universidade deve ser organizada de baixo para cima, em assembleias democráticas onde trabalhadores universitários e estudantes possam discutir e decidir os próximos passos democraticamente. Vimos assembleias de massa que imitam esse modelo no movimento de ocupações estudantis na Argentina. Esse tipo de auto-organização em massa pode fortalecer o movimento pela Palestina e pela universidade que precisamos e merecemos. Devemos lutar pelo direito de sindicalizar os trabalhadores em todas as universidades, por comitês de coordenação com as comunidades próximas e por comitês estudantis em solidariedade com as lutas dos trabalhadores em todo o país.
Temos o potencial de recuperar tanto as tradições combativas do movimento estudantil e operário neste país como de aproveitar o poder de estudantes e trabalhadores em todo o país, que cada vez mais percebem os limites das universidades sob o capitalismo. Nesse contexto, é estrategicamente crucial para o movimento estudantil unir-se aos trabalhadores, tanto dentro quanto fora das universidades, especialmente em setores estratégicos onde os trabalhadores têm a capacidade de paralisar a sociedade. Inspiramo-nos nos grandes exemplos de unidade entre estudantes e trabalhadores ao longo da história, como o Maio Francês, quando estudantes e trabalhadores ergueram barricadas, organizaram uma greve geral e propuseram derrubar o presidente da França, por exemplo. Nesse sentido, a unidade entre estudantes e trabalhadores é uma questão estratégica na luta por nossas causas comuns como classe trabalhadora e povo oprimido. Tivemos uma pequena amostra do que pode ser uma universidade para trabalhadores e para o povo durante os acampamentos, mas não queremos apenas uma parte da universidade: queremos tudo.
Enquanto defendemos nossos direitos democráticos na universidade, também lutamos por um tipo diferente de universidade: uma que não sirva ao capital, mas sim à classe trabalhadora e aos oprimidos. Que não funcione como uma empresa, dirigida por reitores com salários exorbitantes, mas que seja administrada por e para estudantes, professores, trabalhadores não docentes e a comunidade.
As universidades devem ser gratuitas e públicas para todos; as universidades privadas devem ser nacionalizadas e transformadas em públicas. Todas as universidades devem ser gratuitas e totalmente financiadas por impostos progressivos sobre os mais ricos. Ser estudante em tempo integral não deve ser um privilégio para poucos que podem pagar por isso: deve ser um direito de todos, com bolsas equivalentes a um salário digno, para que ninguém abandone a universidade por falta de recursos.
Isso significa acabar com todas as dívidas estudantis, incluindo a anulação de todas as dívidas que milhões de pessoas no país possuem. A oportunidade de estudar e produzir conhecimento deve ser um direito garantido a toda a classe trabalhadora, e não uma atividade lucrativa para o capital financeiro.
Também devemos lutar contra a precarização dos trabalhadores universitários. Devemos exigir o fim do trabalho mal remunerado, no qual professores adjuntos lecionam a maioria das aulas, mas não recebem um salário digno: todos os professores devem ter acesso a empregos em tempo integral e igualdade nos benefícios.
Precisamos exigir que nossas universidades sejam plenamente financiadas para atender às necessidades de estudantes e pesquisadores, restaurando a infraestrutura deteriorada das universidades públicas, como a CUNY, que apresenta condições visivelmente piores em comparação com as instalações das universidades privadas e caras.
Precisamos retirar a polícia dos campi. Eles não estão lá para nos proteger: assediam estudantes negros e latinos, bem como todos os movimentos por maior justiça social. Devemos exigir que os militares deixem de recrutar nos nossos campi, retomando o espírito dos protestos contra a Guerra do Vietnã, que lutaram para expulsar o ROTC (Corpo de Treinamento de Oficiais da Reserva) dos campi. Também devemos exigir que as feiras de emprego não envolvam o complexo industrial-militar, que recruta nossos estudantes para cometer atos violentos em bairros de trabalhadores ou em países semicoloniais. Além disso, exigimos o fim do financiamento militar externo para ciência e pesquisa: essas áreas devem ser financiadas com recursos públicos, e não por corporações, muito menos pelos militares.
Os reitores e altos dirigentes de nossas universidades demonstraram ser inimigos dos estudantes e trabalhadores; enviam a polícia para bater e prender estudantes e despejam alunos poucos dias após sua chegada ao campus. Devemos exigir um tipo diferente de universidade: uma organizada de baixo para cima, que decida democraticamente. Estudantes e trabalhadores são os que fazem as universidades funcionarem e, portanto, devem ser os que tomam as decisões.
Em vez de projetar currículos e agendas de pesquisa em função das necessidades do imperialismo capitalista, podemos aproveitar os avanços em tecnologia, ciência e cultura para colocá-los a serviço das massas. Isso pode incluir o uso do conhecimento especializado em planejamento econômico para planejar uma sociedade socialista. Diante de uma crise ambiental iminente, guerras pelo mundo e a possibilidade de mais crises sanitárias como a pandemia, precisamos de uma universidade que enfrente os problemas críticos que afetam a classe trabalhadora e os oprimidos: que estude as mudanças climáticas, pesquise questões médicas trans ou busque estudar e preservar as línguas dos povos originários.
Nesse espírito, uma universidade da e para a classe trabalhadora e a comunidade incluiria estudantes e professores negros, para além do simbolismo usado para justificar políticas racistas e imperialistas. A universidade deve abordar os problemas que afetam os oprimidos: criar centros de pesquisa para resolver os problemas causados pelo racismo estrutural, sexismo, homofobia e transfobia. Contra as distorções direitistas do marxismo, exigimos uma universidade que inclua e estude pensamentos e ideias de esquerda, expondo as raízes da podridão do capitalismo e estratégias para superá-lo. Para nós, isso inclui o estudo de Marx, Rosa Luxemburgo, Lenin, Trotsky, Gramsci, Mariátegui, C. L. R. James e outros.
As universidades devem ser espaços para refletir sobre como, juntos, podemos construir uma sociedade livre de exploração e opressão, mas também são lugares importantes de luta.
Em meio a um movimento estudantil revitalizado e a um movimento trabalhista reativado no coração do imperialismo e em outros países, estudantes e trabalhadores têm a oportunidade não apenas de interpretar o mundo, como disse Marx, mas também de transformá-lo.