Revista Casa Marx

Psicologia pedagógica: o materialismo militante de Vigotski

Juan Duarte

Pablo Minini

Esse texto, apresentação da edição em catelhano do livro Psicologia Pedagógica de Vigotski, foi publicado originalmente em espanhol na edição de 25/05/2025 do suplemento teórico Ideas de Izquierda, parte da rede internacional La Izquierda Diario.

A obra de Lev Vigotski expressa a aposta leninista por um “materialismo militante” no campo da psicologia. Apresentamos Psicologia pedagógica. Um curso breve, a primeira grande síntese de seu autor na busca por uma psicologia dialética histórico-cultural.

Temos diante de nós os objetivos concretos de preparar as pessoas da próxima época, as pessoas da geração futura, em plena correspondência com o papel histórico que lhes cabe por sorte […]. Toda ciência surge a partir de necessidades práticas e, em última instância, também está orientada para a prática. Marx dizia que os filósofos não fizeram mais do que interpretar o mundo de diferentes modos, mas que já é hora de transformá-lo. Essa mesma hora chega para cada ciência. 

Lev Vigotski, Psicologia pedagógica, p. 269

Senhores, o tempo de vida é muito curto, mas se esse breve espaço for gasto covardemente, será demasiado longo, ainda que, cavalguemos sobre o ponteiro de um relógio, a vida se detenha ao cabo de uma hora. Se vivemos, vivemos para pisar nas cabeças dos reis; se morremos, bela é a morte, quando príncipes morrem conosco! Agora, para nossa consciência, belas são as armas, quando se levantam por uma causa justa. 

William Shakespeare, Henrique IV, Ato V, Cena II

Introdução

Psicologia pedagógica. Um curso breve é o primeiro livro escrito e publicado por Lev Vigotski. Embora tenha sido publicado pela primeira vez em 1926, é bastante provável que tenha sido escrito antes de 19241 . Trata-se de um manual que busca “estruturar um curso de Psicologia pedagógica”, voltado para futuros professores. Escrito em um estilo acessível, com inúmeros exemplos e anedotas ilustrativas sobre temas centrais da psicologia, como atenção, memória, pensamento, linguagem, emoções e a educação do comportamento emocional, deficiência, educação artística, moral na infância, a relação entre fatores biológicos e sociais na educação e a tarefa docente. Publicamos esta obra com a tradução direta do russo feita por Alejandro Ariel González, que já traduziu para o espanhol a primeira versão completa mundial de El significado histórico de la crisis de la psicología e a primeira versão completa em espanhol de Lecciones de paidología, entre várias outras obras de Vigotski.

O livro permite um primeiro contato com os frutos do período inicial de reflexão do autor, nascidos de sua prática docente e da crise da psicologia, ambos de grande interesse geral. Já de início, ele nos diz que este livro “quisera ajudar nossa escola pedagógica e o leitor comum e contribuir para a elaboração de uma compreensão científica do processo pedagógico considerando os dados recentes da ciência psicológica” 2 . O grau de vínculo entre pedagogia e psicologia nesta obra fica claro já no prefácio: “O problema pedagógico ocupa o centro mesmo da nova psicologia” 3 .

Por outro lado, dado que a obra de Vigotski é inseparável tanto do processo revolucionário da Revolução Russa e da construção de uma ciência psicológica voltada para uma sociedade em transição ao socialismo, quanto do marxismo, o livro permite diversas leituras valiosas na atualidade para pensar a psicologia, a pedagogia e a educação desde uma perspectiva crítica anticapitalista. Também possibilita um maior conhecimento sobre a figura e a obra de Vigotski, em grande parte ainda desconhecida por continuar sendo alvo de censuras e mutilações acadêmicas, herança do que sofreu nos circuitos estalinistas em que circulou desde meados do século passado. O mesmo vale para o próprio marxismo, que encontra na obra vigotskiana — e em sua utilização original das contribuições de Marx, Engels, Lenin e Trotsky, entre outros — um exemplo de criatividade e potência científica ainda pouco conhecido em suas referências e contribuições substantivas ao próprio marxismo. Tentaremos, nesta breve e sucinta apresentação, oferecer elementos para esses diferentes ângulos de abordagem.

A Revolução Russa e o encontro de Vigotski com a educação e a psicologia

Nascido em 1896, em uma família judia abastada, Lev Vigotski viveu sua infância em Gómel, cidade ao sul da Rússia czarista, atual Bielorrússia. Tratava-se de uma zona de assentamento onde o czarismo permitia a residência de judeus sob condições de opressão religiosa, que incluíam pogroms (pelo menos dois, entre 1903 e 1906 na cidade) e cotas restritivas para trabalho e estudo.

Após formar-se com medalha de ouro no ensino médio, optou pelo estudo de Direito, o que lhe garantia certo grau de liberdade no exercício profissional. Paralelamente, em 1914, iniciou seus estudos em História e Filosofia na Universidade Popular — não oficial — de Shanyavski, em Moscou, reduto de militantes anticzaristas do qual emergiria uma vanguarda de intelectuais marxistas 4 . Assim, o jovem Vigotski pôde se aprofundar no pensamento de autores como Hegel, Spinoza e nas bases do marxismo. Foi nesse período que cursou sua única formação formal em psicologia, com o reflexologista Pável Blonski. Graduou-se em Direito, Filosofia e História, e sua tese de filosofia deu origem ao livro Psicologia da arte, finalizado em 1925, mas inédito em vida.

O impacto da Revolução no jovem Vigotski está expresso em sua resenha, de 1923, do livro Dez dias que abalaram o mundo, de John Reed:

 os acontecimentos ocorrem, a história se desenrola — particularmente em tempos revolucionários — pela vontade das massas, por aqueles que cumprem os decretos e escutam os discursos e os colocam em prática, aqueles que obedecem às ordens. O papel dos dirigentes não vai além de dar forma, canalizar, dirigir a vontade heróica das massas rumo ao seu objetivo. A revolução não foi feita por Lenin e Trotsky, mas pelos operários e soldados, pelas classes baixas, populares e revolucionárias […]. A tarefa dos dirigentes era coordenar, fundir esses regimentos dispersos, mas a revolução funcionava de baixo para cima, do coração ao cérebro como o sangue no corpo, do soldado ao comandante em chefe, e não o contrário. 5

E, referindo-se a Lenin, escreveu:

Esse é o pensamento mais agudo da revolução, sua álgebra. […] Talvez o problema mais difícil da história seja a relação entre as massas e os heróis nos grandes eventos. O livro de Reed revela a verdade desse problema: um coração apaixonado que envia sangue por todas as artérias da revolução, uma mente aguda que submete esse sangue a um pensamento matematicamente exato. É por isso que aqueles dez dias abalaram o mundo.6

Ao contrário das leituras que relegam seu pensamento a questões distantes da prática revolucionária, a reflexão marxista de Vigotski integrou não apenas aspectos filosóficos, epistemológicos ou ideológicos, mas também sua estratégia política. Seu compromisso com a revolução socialista foi parte inerente de sua compreensão do marxismo.

Durante seus estudos universitários, escreveu artigos, ensaios literários e textos sobre a cultura russa, enquanto ocupava o cargo de secretário técnico no jornal de cultura judaica Novyi put (“O Novo Caminho”). Em seus cadernos pessoais, refletiu amplamente sobre o judaísmo e o socialismo 7 .

Seu interesse anterior a 1917 esteve marcado, desde a filosofia, pela psicologia da arte. Segundo observa Yaroshevski,

 Ao ingressar na universidade, ele não podia prever o destino que o aguardava. Estava então ligado à filosofia. Possuía um conhecimento profundo, próprio de um profissional, de seus clássicos. É muito possível que devesse, ao menos em parte, o alto nível filosófico de seu pensamento aos estudos de história e filosofia na Universidade Shanyavsky 8 […]. Um profundo subjetivismo impregnava as obras de críticos literários como Yu. I. Aikhenvald, A. G. Gornfeld e outros, que influenciaram o jovem Vigotski. 

Yaroshevski aponta que essa proximidade com o subjetivismo aparecia expressa na primeira versão manuscrita de sua análise de Hamlet, que ele tentou publicar sem sucesso por meio de Aikhenvald em 1920 (ano em que teve sua primeira crise de tuberculose) e que foi finalmente enviada para publicação como apêndice de Psicologia da arte, mas já a partir de uma interpretação afastada do subjetivismo e próxima ao materialismo histórico.

Estavam ocorrendo grandes mudanças na sociedade russa, e essas determinaram algumas mudanças fundamentais na cosmovisão de Vigotski e em sua compreensão da natureza da arte. Não restaria nenhum traço de sua antiga visão de Hamlet. Ele não lamentou em absoluto que o manuscrito que refletia sua visão da grande tragédia, formulada em sua juventude, não tivesse sido publicado. Quando retornou a Hamlet anos depois, transferiu sua análise da tragédia a um plano ideológico e teórico distinto9 .

A Revolução Russa, como dissemos, foi decisiva para a evolução de seu pensamento rumo ao marxismo. Em 1917, com 20 anos, Vigotski concluiu seus estudos e retornou novamente a Gómel (que esteve sob ocupação alemã de março de 1918 a janeiro de 1919). Os desafios da Revolução foram múltiplos: desde a defesa interna – a guerra civil – e externa, passando pela luta para estender a revolução em nível europeu e mundial, até as tarefas próprias do Estado operário em transição ao socialismo. O governo operário significou o fim da zona de assentamento, a possibilidade para Vigotski de escolher seu local de residência e a liberdade de se dedicar à pesquisa científica. Seus artigos naquele ano voltaram-se para temas sociais e políticos: celebrando, por exemplo, a conquista das liberdades para a comunidade judaica (“Fomos escravos” é o título de um dos textos); descrevendo impressões sobre as ruas de Moscou; ou analisando a conferência local do Partido Operário Social-Democrata Russo (bolchevique) 10 . Entre 1919 e 1921, anos de guerra civil, atuou como chefe do Departamento de Estatísticas da cooperativa regional de trabalhadores da cidade (Gubrabkoop). Escreveu Poesia e prosa sobre a Revolução Russa; junto com seu primo David I. Vigodsky e Semión Dobkin fundaram uma editora, Séculos e dias, na qual publicaram clássicos e literatura contemporânea; participou de empreendimentos editoriais promovidos pelo Estado operário e trabalhou como professor de literatura e filosofia em escolas, como na Escola Soviética do Trabalho e no Colégio de Professores de Gómel 11 . Em outras palavras, “tornou-se uma figura central da vida cultural” da cidade, possibilidade aberta pela revolução para toda uma geração12 .

Dentro dessa atividade cultural, dedicou a maior parte de seu tempo à psicologia, em especial à psicologia educacional, que lecionava em diversas instituições, e organizou um laboratório para exames psicológicos de escolares e órfãos (na referida Escola do Trabalho)13 . No contexto da transformação revolucionária da consciência das massas, passou a ver o trabalho docente como aquele que estabelece as condições para a mudança do psiquismo infantil, ao mesmo tempo em que lecionava para operários e soldados que retornavam da frente de batalha. Esses aspectos ajudam a compreender sua mudança interna em relação às posições anteriores: da arte como transmissão de um gozo estético à arte como forma de refundação das pessoas por meio de palavras carregadas de emoção 14 .

Em agosto de 1922, proferiu uma conferência científica provincial intitulada “Sobre os métodos de ensino de literatura nas escolas secundárias”, na qual ligava o método à especificidade da consciência infantil no processo de aprendizagem. As ideias sobre a percepção das fábulas pelas crianças, expressas em Psicologia pedagógica (a psique infantil como “meio de refração” e a não identidade entre o impacto estético e o impacto moral das fábulas), foram gestadas nesse período, do qual se conserva um manuscrito Sobre o estudo dos processos de compreensão da linguagem por meio de uma série de traduções de textos de uma língua para outra, no qual já esboça a ideia da não identidade entre pensamento e palavra 15 . Em seu trabalho como professor de línguas estrangeiras e nas práticas de tradução, observou que um mesmo conteúdo de pensamento se mantinha de um idioma para outro e chegou a planejar uma pesquisa experimental sobre a relação entre pensamento e palavra.

Mas, seguindo o que propõe Yaroshevski, nesse contexto a discussão sobre a consciência foi central para a evolução do pensamento de Vigotski. A psicologia introspeccionista, a “velha psicologia” a que nosso autor se refere em Psicologia pedagógica, representada por autores como Chélpanov na Rússia ou James e Titchener nos EUA, concebia a consciência como um conjunto de conteúdos mentais simples (percepções, sensações), acessíveis por meio da descrição que um sujeito fazia de sua experiência em laboratório. Esse método foi criticado justamente por seu subjetivismo, ou seja, pela falta de objetividade e possibilidade de verificação. A crítica veio de diferentes frentes em nível mundial (freudismo, behaviorismo, Gestalt). Na Rússia, a teoria dos reflexos desenvolvida por Séchenov tinha como objeto de estudo a atividade – que Béjterev chamou de “atividade correlativa” e Pávlov de “atividade nervosa superior” – e não a consciência. Isso foi libertador em relação ao subjetivismo e seus métodos, mas era reducionista e mantinha um dualismo mente-corpo, já que a consciência era colocada em outra esfera, não material. Após a revolução, a busca por uma psicologia materialista não reducionista tornou-se central para fundamentar a educação e diferentes práticas de transformação social revolucionária, e Vigotski assumiu essa tarefa ao longo de cinco anos de trabalho no limite de suas capacidades na Escola de Gómel. “Temos diante de nós objetivos concretos – escreveu – de preparar as pessoas da próxima época, as pessoas da futura geração, em plena correspondência com o papel histórico que lhes cabe desempenhar” 16.

Psicologia pedagógica é uma síntese desses cinco anos de trabalho, a primeira formulação vigotskiana sobre a consciência a partir da educação. Ele deixou de lado as concepções anteriores ligadas às reflexões subjetivistas da fenomenologia para apoiar-se na reflexologia de Kornílov e Blonski. Antes de desenvolvê-la, é importante notar que Vigotski, seguindo as referências estratégicas de Lenin e Trótski 17 , realizará uma operação de apropriação crítica do materialismo reflexológico de Kornílov, sua “reatologia” 18 . Vejamos.

O pensamento vivo de Vigotski: a busca por uma nova síntese psicológica baseada na reflexologia

A década de 1920 foi marcada pelo triunfo da reflexologia como o único caminho científico para o conhecimento objetivo e causal do psiquismo, entendida como o estabelecimento das regras que regulam os encontros entre o organismo e seu ambiente material. Após a Revolução, acadêmicos como Kornílov e Blonski abandonaram seus programas anteriores de estudo da consciência baseados na introspecção – bem como seu mentor Chélpanov – em favor da reflexologia. Em 1922, Pávlov publicou Vinte anos de estudo objetivo da atividade nervosa superior (comportamento) em animais, obra recebida pela academia como o triunfo da ciência natural sobre a psicologia idealista. Por essa mesma época, o fisiologista Alekséi Újtomski apresentou sua teoria da dominante como chave da regulação do comportamento, com grande impacto, enquanto Béjteriev ganhava popularidade organizando instituições reflexológicas. Foi nesse clima intelectual que Vigotski elaborou sua primeira síntese em psicologia durante sua estadia em Gómel, expressa na obra Psicologia Pedagógica19 .

Ainda que no prefácio ele afirme que a reflexologia é:

 a base sobre a qual deve erigir-se a nova psicologia […] e o reflexo condicionado é o nome do mecanismo que nos leva da biologia à sociologia e nos permite elucidar a essência e a própria natureza do processo educativo 20 ,

não demora a acrescentar que “seria incorreto ver neste princípio um recurso que tudo explica e tudo resolve, uma espécie de ‘abre-te sésamo’ mágico da nova psicologia”21 . Os fatos com que se depara a psicologia pedagógica são “de caráter e ordem mais complexos do que uma reação isolada, particular, ou um reflexo e, em geral, do que aqueles que a ciência atual sobre a atividade nervosa superior do homem tem conseguido investigar” 22

Ao abordar o fato pedagógico, Vigotski identificou no coração da reflexologia um reducionismo que deveria ser rejeitado desde o início. Em seu lugar, propôs – apoiando-se nos princípios do reflexo – uma nova síntese psicológica, orientada em direção oposta ao mecanicismo.

Nosso autor tomou, por um lado, a função integradora de Sherrington, segundo a qual os reflexos não são arcos isolados, mas atividades integradas dos organismos; e, por outro, a teoria da dominante de Újtomski, sobre o reflexo dominante que subordina os demais, para explicar a unidade da conduta humana. No entanto, advertiu que tomar esses dois princípios não autorizava uma resposta naturalista ou biológica:

Alguns naturalistas não se inclinam a traçar uma diferença substancial entre a conduta do homem e a do animal, e tendem a reduzir toda a diferença entre uma e outra a diferentes graus de complexidade e sofisticação do aparato nervoso. Os partidários dessa concepção admitem a possibilidade de explicar a conduta humana exclusivamente do ponto de vista biológico. No entanto, é fácil perceber que isso não é assim 23

Ou seja, para evitar um reducionismo sem cair em outro de mesma natureza biológica, é necessário acrescentar, aos reflexos condicionados e incondicionados postulados por Pávlov para explicar a experiência e a conduta animal, três tipos de experiências especificamente humanas: a histórica (a experiência das gerações anteriores), a social (as experiências coletivas de outras pessoas) e a “experiência duplicada” (“a questão mais difícil de toda a psicologia” 24 ):

 A conduta humana, de fato, inclui um aspecto radicalmente novo, a saber: a existência, na mente, dos resultados do trabalho como estímulo orientador de todas as reações. É fácil notar que aqui se trata de um certo desdobramento de nossa experiência. A construção humana distingue-se da da abelha apenas porque o homem constrói como que duas vezes: primeiro no pensamento e depois na prática […]. A experiência do homem não é simplesmente a conduta de um animal que adotou a posição vertical, mas uma função complexa de toda a experiência social da humanidade e de seus diferentes grupos 25

Nessa experiência “duplicada”, a consciência — a passagem da experiência externa direta, baseada na comunicação prática entre organismo e meio, para a experiência interna — é a chave para superar o dualismo conduta–consciência típico da reflexologia 26 . Para explicá-la em termos psicofisiológicos, Vigotski apoia-se no conceito de inibição central de Séchenov (o pensamento como “os dois primeiros terços do reflexo psíquico […] um reflexo não levado até o fim, inibido em sua parte externa” 27 ).

Graças à interrupção e repressão do reflexo — escreve nosso autor —, ou seja, graças à transformação de toda a reação em pensamento, nossa reação ganha em flexibilidade, sutileza e complexidade de suas interações com os elementos do mundo, e nossa ação pode ser realizada em formas infinitamente mais elevadas e sutis. 28

Como observa Yaroshevsky, embora seja verdade que Vigotski apresenta esse espaço psicológico interior em termos de reação, ele atribui um significado completamente distinto ao arco “estímulo” e “resposta”: baseia-se na interpretação da palavra feita pelo linguista russo Potebniá29 , e a introduz como estímulo cuja “imagem interna”, de origem social e histórica, só atua como estímulo para os falantes de determinada língua. Assim, Yaroshevsky explica que:

Vigotski introduziu um tipo especial de determinante na teoria dos reflexos. A conduta individual, regulada pela palavra, foi inserida em uma nova sequência causa 30

Ao contrário da reflexologia, centrada no organismo, e da “velha” psicologia empírica, centrada na consciência, em Vigotski a relação entre o organismo (ou a consciência) e os impactos externos se complexifica, passando a ser mediada pela palavra enquanto concretização de sentidos culturais, incluindo pela primeira vez a unidade som, significado, imagem — proposta por Potebniá — como estímulo. Este aparece como um híbrido na interseção entre o mundo natural e o cultural, sendo a materialidade do signo linguístico o elemento que media a unidade entre desenvolvimento histórico e ontogenético, que será central para a psicologia histórico-cultural vigotskiana 31 .

Mas a terceira fase do reflexo, a reação muscular, também se torna híbrida. Séchenov havia incorporado, seguindo o anatomista e fisiologista inglês Charles Bell, a noção de “circuito nervoso”: o músculo informa o cérebro, resultando em um controle circular que hoje conhecemos como feedback. Esse conceito implicava uma autorregulação flexível do sistema que rompia com uma determinação unidirecional 32 . Vigotski levou essa “reação circular”, mediada pela palavra, para além da biologia, situando a palavra não apenas como estímulo, mas também como reação orientada ao mundo da comunicação. Assim, introduziu os determinantes da conduta humana: a cultura (palavra como irritante) e a comunicação (palavra como reação circular que permite a coordenação da experiência social).

“Sempre pensamos – escreve – em alguma linguagem, ou seja, sempre conversamos conosco mesmos e organizamos nossa conduta internamente da mesma maneira como organizamos nossa conduta em função da conduta das outras pessoas. Em outras palavras, o pensamento revela facilmente seu caráter social e indica que nossa personalidade está organizada segundo o mesmo modelo que a comunicação social” 33

Em Gómel, Vigotski havia trabalhado experimentalmente nessa linha, incluindo métodos que utilizavam palavras como irritantes, seguindo os experimentos de Protopopov, representante da escola de Béjteriev — algo que considerou “histórico”.

Reflexologia e psicologia deveriam então se unificar em uma só ciência, o que, segundo ele, já estava em curso. Essa foi sua conclusão em um dos trabalhos apresentados em 1924 no Segundo Congresso Neuropsicológico — o único publicado —, “Sobre os métodos de investigação reflexológica e psicológica”, no qual criticava a reflexologia de Pávlov e Béjteriev por sustentarem um dualismo cartesiano (a mesma crítica que, como vimos, faria a Kornílov em O significado histórico da crise da psicologia). Após demonstrar que o behaviorismo norte-americano e a reflexologia russa não diferiam essencialmente da “velha psicologia” empírica em sua relação com a introspecção (os primeiros, “embora aparentemente tenham, num primeiro momento, tendido a rejeitar de forma categórica a introspecção” por considerá-la um método subjetivo, agora visavam uma “introspecção objetiva”; a segunda, por meio de uma “introspecção real”) e de sistematizar e analisar as cinco formas distintas nas quais esse método era utilizado, concluiu que tratava-se do mesmo objeto de estudo (a consciência — um anátema para um positivista como Watson — é um objeto científico válido, na medida em que pode ser compreendida como “uma reação do organismo às suas próprias reações”34 ):

 Não está claro já que também elas são apenas reações do organismo, mas refletidas por outros sistemas de reflexos: a linguagem, a emoção (reflexo mímico-somático) e outros? O problema da consciência deve ser formulado e resolvido pela psicologia na medida em que se trata de uma interação, um reflexo, uma autoexcitação de diferentes sistemas de reflexos. É consciente aquilo que é transmitido como excitante para outros sistemas e neles provoca uma resposta. A consciência é o aparelho de resposta […]. Ao afirmar [seguindo James] que também a consciência deve ser interpretada como uma reação do organismo às suas próprias reações, é-se levado a ser mais reflexólogo do que o próprio Pávlov. Fazer o quê; se se quer ser coerente, é preciso às vezes ir contra tal indecisão e ser mais papista que o papa e mais monarquista que o rei. Os reis nem sempre são bons monarquistas 35

Tratava-se também do mesmo método, objetivo e indireto (tema que será central em O significado histórico da crise da psicologia):

 “Não se deve esquecer – escreve ali – que existem muitas ciências que não podem estudar seu objeto recorrendo à observação direta. Historiadores e geólogos reconstroem fatos que já não existem, por meio de métodos indiretos e, no entanto, estudam, em última instância, fatos que existiram e não apenas vestígios e documentos que restaram e foram preservados. O psicólogo se encontra frequentemente na mesma situação que o historiador ou o arqueólogo, e age então como o detetive que investiga um crime que não presenciou” 36

Dessa forma, Vigotski, que chegava a Moscou vindo da provinciana Gómel, armado com a “arma da crítica” do marxismo 37 e com o espírito shakespeariano que tanto o fascinava, pisoteava com sua crítica certeira a cabeça do “rei” da ciência russa, o prêmio Nobel de 1904 Iván Pávlov 38 .

Essa apresentação, junto com outras duas — “Como ensinar psicologia hoje” e “Resultados de uma pesquisa sobre o ânimo dos alunos nas aulas finais de 1923 em Gómel” — das quais não restaram registros 39 , provavelmente causaram forte impressão em Kornílov, que estava reorganizando o Instituto de Psicologia Experimental de Moscou (IPEUM). O convite para integrar o Instituto e iniciar sua carreira em psicologia não tardaria. Nessa época, Psicologia pedagógica, a síntese de seu trabalho em Gómel de acordo com as necessidades da revolução — e que continha muitas ideias que depois aprofundaria —, já estava redigida.

Vigotski e a luta leninista por um materialismo militante

As referências de Vigotski a Lenin são constantes em toda a sua obra e pensamento. E não apenas no plano político. Desde Materialismo e empiriocriticismo, a partir do qual discute a lógica de Piaget em Pensamento e linguagem, até os Cadernos filosóficos, cujas reflexões utiliza constantemente e cujas marcas encontramos nos próprios Cadernos de notas de Vigotski, até praticamente seu último suspiro 40 .

Mas em março de 1922, Lenin escreveu um ensaio que visava diretamente as tendências dogmáticas daquilo que depois seria o Diamat stalinista, Sobre o significado do materialismo militante”, para a revista teórica mensal Sob a bandeira do Marxismo (Pod Známeniem Marxizma). Nele, o dirigente revolucionário afirmava:

 “Um dos erros mais graves e perigosos dos comunistas (como também dos revolucionários em geral que tenham coroado com êxito a etapa inicial de uma grande revolução) é imaginar que a revolução pode ser realizada apenas pelos revolucionários. Pelo contrário, para o êxito de todo trabalho revolucionário sério, é necessário compreender e aplicar na prática o conceito de que os revolucionários só podem desempenhar o papel de vanguarda da classe verdadeiramente vital e avançada […]. Isso se aplica também à tarefa de defesa do materialismo e do marxismo […] entre nós, na Rússia, ainda há – e indubitavelmente haverá por bastante tempo – materialistas fora do campo comunista, e é nosso dever incontestável atrair todos os partidários do materialismo consequente e militante para o trabalho comum, para a luta contra a reação filosófica e os preconceitos filosóficos da chamada ‘sociedade instruída’” 41 .

E em referência ao artigo de Timiriázev discutindo sobre as tendências filosóficas que acompanham a recepção da teoria da relatividade de Einstein, ele afirma que:

Devemos compreender que, sem uma sólida fundamentação filosófica, nenhuma ciência natural, nenhum materialismo poderia sustentar a luta contra o avanço das ideias burguesas e o restabelecimento da concepção burguesa de mundo. Para suportar essa luta e levá-la a cabo com pleno êxito até o fim, o naturalista deve ser um materialista moderno, um partidário consciente do materialismo representado por Marx, ou seja, deve ser um materialista dialético. Para alcançar esse objetivo, os colaboradores da revista Sob a Bandeira do Marxismo devem organizar o estudo sistemático da dialética de Hegel desde o ponto de vista materialista, isto é, daquela dialética que Marx aplicou também praticamente em sua obra O capital e em suas outras obras históricas e políticas. 

Por fim, sugere aos colaboradores e redatores da revista “constituir algo como uma ‘sociedade de amigos materialistas da dialética hegeliana’”. “Sem se propor tal tarefa e sem cumpri-la sistematicamente — conclui — o materialismo não pode ser um materialismo combativo.” Vigotski seguiu constantemente esse programa.

Um exemplo disso foi o prefácio à edição russa de Além do princípio do prazer, de Freud, escrito em conjunto com Luria em 1925, no qual, após reconhecer a ousadia de Freud e oferecer uma interpretação orientada à transformação social revolucionária, afirmam que:

 A ciência burguesa está dando nascimento ao materialismo; tal trabalho é frequentemente difícil e prolongado, mas só precisamos encontrar, em suas entranhas, onde estão surgindo os brotos materialistas, identificá-los, resgatá-los e dar-lhes bom uso 43 .

Outro exemplo encontra-se em sua introdução ao artigo de Koffka, “A introspecção e o método da psicologia”, publicado em uma coletânea organizada por Kornílov no IPEUM em 1926. Ali, ele abordou diretamente o sentido de sua apropriação crítica da reflexologia: “Nós, marxistas — escreveu — empreendemos nada menos que a reforma da ciência” 44. Assinalou que a crise da psicologia é global e que, no caso da crise russa, ela é marcada pela orientação ao behaviorismo norte-americano:

No início, isso era necessário. Era preciso conquistar posições objetivas na psicologia e libertar-se do cativeiro do subjetivismo espiritualista e idealista. Mas agora todos veem que a psicologia marxista só pode seguir até certo ponto o caminho escolhido pelo behaviorismo norte-americano e pela reflexologia russa. Surge a necessidade de se desvincular dos companheiros de viagem e traçar o próprio caminho. Os aliados de ontem na guerra comum contra o subjetivismo e o empirismo poderão se tornar amanhã nossos inimigos na luta pela afirmação dos fundamentos básicos da psicologia social do homem social, por libertar a psicologia do cativeiro biológico e por devolver-lhe o significado de ciência independente, deixando de ser apenas um capítulo da psicologia comparada. Em outras palavras, assim que começarmos a construir a psicologia como ciência do comportamento do homem social — e não do mamífero superior —, ficará clara a linha de divergência com nosso aliado de ontem [45]. 

Segundo Vigotski, só é possível “seguir até certo ponto o caminho escolhido pelo behaviorismo norte-americano e pela reflexologia russa”. Ele indicou a Gestalt como “a corrente mais influente e interessante de todas”, por sua oposição ao empirismo e ao condutismo puro: “a própria tentativa de encontrar um ponto de vista unificador para o comportamento e de elaborar uma metodologia sintetizadora transforma essa corrente em um aliado de extraordinário valor em toda uma série de problemas”. Mas esclarece que isso não significa “constituir um bloco de princípios firme e duradouro: já neste momento podemos apontar com precisão toda uma série de pontos nos quais divergimos dessa teoria”. Os pontos de convergência eram o “materialismo monista da nova teoria” e a “metodologia sintética e funcional da investigação”, proposta tanto contra a introspecção quanto contra o objetivismo puro ao estilo de Watson, e que “busca fundamentar um método funcional subjetivo-objetivo que abarque os pontos de vista descritivo (descritivo-introspectivo) e funcional (objetivo-reflexológico)”.

Sobre as divergências com o programa marxista para a psicologia, Vigotski afirma que “aumentarão à medida que ambas as correntes se desenvolvam” em termos de objeto e método, mas que:

para nós, isso não tira nenhum valor da nova corrente. De modo algum pensamos encontrar na ciência ocidental um sistema psicológico marxista já elaborado. Seria um milagre se tivesse surgido. Mas esses pontos de divergência servem para aguçar o fio da nova ciência. Em nossa luta contra o empirismo, aprendemos muito, e, nesse sentido, é útil tomar como ponto de partida o behaviorismo puro. Provavelmente, dessa forma, podemos destacar algumas das teses da psicologia marxista em nossos debates com a psicologia da Gestalt e em sua crítica46

O importante, conclui, é que “as forças motrizes objetivas inseridas no desenvolvimento da ciência psicológica atuam na mesma direção que a reforma marxista da psicologia. Para perceber isso, basta observar o princípio que se desenvolve na psicologia ‘em escala da ciência universal’”.

Para compreender as referências e a linguagem que Vigotski utiliza em Psicologia pedagógica, é necessário ter em mente que ele está seguindo esse programa: apoiar-se na reflexologia diante das tendências idealistas da psicologia introspeccionista. Mas também se mantém em sintonia com as formulações de Trotsky sobre a necessidade de deixar de lado todo sectarismo em relação à ciência e à cultura produzidas antes da revolução, e desde o início também afirma, contra qualquer dogmatismo, a necessidade de realizar ao mesmo tempo uma apropriação crítica do “núcleo racional” 47 do idealismo anterior: “Na descrição e análise de formas mais complexas de conduta é preciso utilizar ao máximo todo o material cientificamente fidedigno da psicologia anterior, traduzindo os antigos conceitos para a nova linguagem” 48 .

Como aponta Yaroshevsky, essa tradução encerra a contribuição substancial de Vigotski 49 , e veremos essa operação surgir constantemente ao longo de sua obra — por exemplo, em sua apropriação, sob uma chave materialista dialética, do conceito de Erlebnis (experiência, vivência) da fenomenologia, a partir do qual formula seu conceito de vivência, que postula uma unidade dialética de análise para estudar a relação da personalidade consciente da criança com seu meio social, “o prisma que determina o papel e a influência do meio no desenvolvimento” 50 .

Por outro lado, em O significado histórico da crise da psicologia, escrito entre 1926 e 1927, encontramos os eixos de sua apropriação crítica da reflexologia do próprio Kornílov: Vigotski reivindica suas formulações sobre a necessidade de uma abordagem objetiva dos processos psíquicos e de uma investigação indireta em psicologia, mas o critica por voltar a introduzir um dualismo:

 quando Kornílov introduz o conceito e o termo de relação funcional entre a psique e o corpo, e apesar de reconhecer o paralelismo da hipótese dualista, acaba por introduzir essa teoria sem se dar conta, já que o conceito de função que ele havia rejeitado em sentido fisiológico permanece 51

A “psicologia marxista” de Kornílov, ao propor essa relação funcional entre o psíquico e o físico, tentando escapar do materialismo vulgar, introduz o dualismo justamente em seu conceito central:

 Estudar a psicologia com os conceitos de reação é impossível, pois dentro da reação existem dois elementos irredutíveis à unidade e funcionalmente independentes. O problema psicofísico não é resolvido com isso, mas deslocado para o interior de cada elemento e, por isso, torna impossível que a investigação avance um único passo, assim como impedia a psicologia como um todo […]. Está claro que, do ponto de vista metodológico, a integridade da reação continua sendo pia desideria [expressão de desejo], mas, na realidade, esse conceito conduz a duas ciências com dois métodos que estudam dois aspectos diferentes da realidade 52 .

Mais ainda, Vigotski identifica que, na visão sobre a crise da psicologia proposta por Kornílov, “1) não coincidem os conceitos de psicologia materialista e reflexologia (em seus trabalhos), 2) não coincidem os conceitos de psicologia empírica e idealista (em seus trabalhos), 3) nossa avaliação do papel da psicologia marxista é diferente” 53 . Não se tratava, para Vigotski, de uma terceira via, da “psicologia marxista”, como propunha o diretor do IPEUM, mas de que a psicologia será marxista na medida em que for científica, ou seja, por meio de um materialismo não reducionista, dialético.

Trotsky: uma inspiração para o programa vigotskiano

Vigotski apoia-se também em Trotsky para seu objetivo estratégico de construir uma nova ciência psicológica — o que vale a pena destacar, já que essa influência permaneceu censurada (entre outros aspectos da obra de Vigotski) até a publicação da primeira versão completa de O significado histórico da crise da psicologia. Além disso, Psicologia pedagógica (como outras obras-chave desse período) termina com uma extensa citação de Trotsky. Para compreender o lugar central das formulações do dirigente da Revolução Russa na elaboração de Vigotski, assim como o sentido daquela censura, é necessário retomar sucintamente alguns aspectos do contexto histórico. Vejamos.

Ao final da guerra civil, no fim de 1922, e com o início do processo de reconstrução da economia russa a partir da NEP (política que reinstaurava certos mecanismos de mercado para reanimar a economia agrária e recompor o vínculo entre operários e camponeses), os bolcheviques passaram a abordar problemas culturais e sociais considerados importantes para a revolução — entre eles, a educação, o nível cultural, a vida cotidiana e a família. Os escritos de Trotsky em Problemas da vida cotidiana, publicado no final de 1923, expressam, por exemplo, o tom desse desafio do qual Vigotski, ainda em sua cidade natal de Gómel, foi parte ativa. Nesse mesmo ano, apoiando-se nas esperanças da onda revolucionária na Alemanha, Trotsky inicia uma luta pela democratização do partido, pela industrialização e pelo planejamento econômico, organizando, para isso, a Oposição de Esquerda 54 .

O ano de 1924, quando Vigotski se muda para Moscou, foi marcado pela morte de Lênin e pelo início da reação política e social na URSS, encarnada por Stalin e sua facção. Em julho foi publicado Literatura e revolução 55 , de Trotsky, livro que reuniu textos publicados na imprensa em 1923 e que, entre outros debates sobre arte e cultura na transição para uma sociedade sem classes, discutia com os defensores de uma “cultura proletária” reducionista, que desprezavam tudo o mais por considerarem “burguês” ou “pequeno-burguês”. Trótski aponta ali que a tarefa é preparar as premissas de uma nova cultura — e, com isso, de uma nova arte e de uma nova ciência — sem tratar os companheiros de rota como concorrentes, mas, ao contrário, como “colaboradores efetivos ou potenciais da classe operária em uma construção de proporções gigantescas”. Tratava-se, não de impor pela coerção, mas de construir uma hegemonia:

O partido — escreve Trotsky — que, com razão, esperamos, pretende alcançar a hegemonia ideológica, não tem o direito de sair desse processo recorrendo a um purismo barato […]. O proletariado, valendo-se de sua condição de classe dominante, aspira e começa a assimilar a arte em geral, preparando as bases para um apogeu até agora desconhecido […]. Reduzir essa política a uma fórmula mais curta que o bico de um pardal é impossível. Além disso, isso não é de modo algum necessário 56

Em setembro de 1924, Trotsky publicou ainda Lições de Outubro, obra que desencadeou uma campanha contra ele, denunciando-o como contrarrevolucionário e estranho ao leninismo. Esse será o início da prática burocrática. Enquanto isso, no plano teórico e contra a teoria da revolução permanente de Trotsky, Stalin formula sua teoria do “socialismo em um só país”. Trotsky definirá — retrospectivamente, em 1935 — esse ano como o início da reação termidoriana. Em 1925 surgiu a Nova Oposição, que incluiu Krupskáia (com um cargo elevado no Comissariado de Educação, onde Vigotski atuava na época). E, em 1926, a Oposição de Esquerda e a Nova Oposição formaram uma Oposição Unificada, que não prosperou, ao contrário da burocratização: Trotsky e outros, que haviam sido parte da geração que fez a revolução, foram afastados da direção do partido 57 .

Nesse contexto, Vigotski se apoia em Trotsky para formular o papel hegemônico do marxismo na construção de uma ciência psicológica. Ele o faz após definir que a dialética abarca a natureza, o pensamento e a história; que o problema central da psicologia é metodológico e implica a criação de uma “psicologia geral”, “cujos conceitos se formulem em dependência direta da dialética geral”, mas enunciados concretamente, de acordo com seu objeto. Vigotski afirma que, para criar tais teorias intermediárias — metodologias, ciências gerais —, “é preciso revelar a essência de um determinado domínio de fenômenos, as leis que regem suas transformações, suas características qualitativas e quantitativas, sua causalidade; criar categorias e conceitos próprios; em uma palavra, criar o seu O capital”. Em outras palavras, a prática científica não pode ser ignorada, nem substituída por simples proclamações. Trata-se do ápice da argumentação programática de O significado histórico…, seu sentido estratégico geral. Mas a referência explícita a Trótski permaneceu censurada junto com este fragmento:

 A ideia da necessidade de uma teoria intermediária, sem a qual é impossível examinar à luz do marxismo diferentes fatos particulares, já foi compreendida há muito tempo; só me resta assinalar que as conclusões de nossa análise da psicologia coincidem com ela. “O que dirão os metafísicos da ciência puramente proletária a respeito da teoria da relatividade?”, pergunta Trotsky. “Ela é compatível ou não com o materialismo? Essa questão está resolvida? Onde, quando e por quem? […]. E o que dizer da teoria psicanálise de Freud? Ela é compatível com o materialismo, como pensa, por exemplo, o camarada Rádek (e eu com ele), ou é hostil a ele?” 58 . Mas “abarcar metodologicamente” todas essas novas teorias e introduzi-las no contexto da concepção dialético-materialista do mundo “não é tarefa para artigos de jornais ou revistas, mas de uma virada científica e filosófica do tipo de A origem das espécies e O capital, e não será realizada nem hoje nem amanhã”59 .

Entre o sistema filosófico e a explicação científica deve mediar um método próprio da psicologia; o contrário da derivação do objeto a partir de princípios universais abstratos estabelecidos a priori. Nessas afirmações, Vigotski segue a máxima de Engels: “Não impor os princípios dialéticos à natureza, mas buscá-los nela” 60 . Trata-se de um método indireto de abordagem dos fenômenos, característica compartilhada pela experimentação e pela análise dialética utilizada por Marx. Nesse sentido, ele afirma que “Marx analisa a ‘célula’ da sociedade burguesa – a forma do valor da mercadoria – e mostra que é mais fácil estudar o organismo desenvolvido do que a célula”. “Quem decifrar a célula da psicologia – afirma Vigotski – o mecanismo de uma reação, encontrará a chave de toda a psicologia.” A escolha das unidades de análise corretas permitirá, então, compreender os fenômenos psíquicos a partir do estudo do desenvolvimento concreto das “células” desses fenômenos, que contêm elementos irredutíveis em tensão entre si e encerram as propriedades estruturais da totalidade (que somente a partir da investigação poderá se desdobrar em suas “múltiplas determinações e relações” como “concreto pensado”). A zona de desenvolvimento proximal (desenvolvimento/aprendizagem), o significado (pensamento/fala) ou a vivência (unidade entre aspectos pessoais e do ambiente – a situação social – no estudo da psique, incluindo a relação emoção/cognição) são exemplos de unidades de análise dialéticas que Vigotski irá elaborar. E esse nível de análise estrutural deve, por sua vez, estar incluído e relacionado aos registros genéticos filogenéticos, históricos e ontogenéticos, assim como aos funcionais concretos das funções psicológicas superiores 61 .

Por fim, a extensa citação de Trotsky com a qual Vigotski encerra Psicologia pedagógica indica outro aspecto em que o autor se referencia no criador do Exército Vermelho: o caráter histórico, no sentido forte, da constituição do ser humano e o papel da revolução socialista na liberação de suas potencialidades. A citação é a seguinte:

 Junto com a técnica, a pedagogia – no sentido amplo da formação psicofísica das novas gerações – será a rainha da opinião pública. Os sistemas pedagógicos agruparão em torno de si poderosos “partidos”. Os experimentos socioeducativos e a concorrência entre diferentes métodos adquirirão dimensões hoje inconcebíveis […]. O homem colocará como objetivo dominar os próprios sentimentos, elevar os instintos ao auge da consciência, torná-los transparentes, estender o fio da vontade até o mais recôndito e subterrâneo, e, com isso, elevar-se a um novo nível, criando um tipo sociobiológico mais elevado, ou, se preferirmos, um super-homem 62

Trata-se de um aspecto central daquilo que será a psicologia histórico-cultural de Vigotski: o ser humano é um produto complexo de uma gênese biológica (filogênese, a história biológica da espécie), histórico-cultural e ontogenética (o desenvolvimento de cada indivíduo desde a concepção até a morte), em um processo de desenvolvimento aberto caracterizado fundamentalmente pelo surgimento do novo 63 , de uma natureza que hoje poderíamos chamar de emergentista (uma ontologia materialista plural que implica a novidade de cada estrato de emergência 64 ), fundamentalmente histórica e revolucionária. “Somente a elevação de toda a humanidade a um estágio superior de vida social – escreve – somente a libertação de toda a humanidade constitui o caminho para o surgimento de um novo tipo de homem” 65 . Em momentos em que esse debate – o do transumanismo – retorna ao centro da cena, mas nas mãos da burguesia com seu sombrio aceleracionismo tecnológico, encontramos aqui uma elaboração em chave revolucionária.

Vigotski irá incluir essa ideia de Trotsky, citando-o ainda em Psicologia da arte (1926) e nos artigos “A psicologia em nossa escola: como a psicologia deveria ser ensinada” (1924), “A transformação socialista do homem” (1930), e O significado histórico da crise da psicologia, que encerra com uma reflexão no mesmo sentido sobre a subjetividade e a ciência psicológica.

Esboço dos temas do livro

Os temas do livro são tão amplos quanto requer um manual, de modo que as abordagens possíveis são múltiplas e qualquer seleção será arbitrária. No entanto, apontamos alguns eixos que nos parecem de interesse atual.

Um eixo possível é o desenvolvimento da perspectiva vigotskiana sobre a psicologia e certos temas aqui desenvolvidos pela primeira vez. Nesse sentido, consideramos necessário reconhecer, junto às mudanças no pensamento de Vigotski 66 , a unidade metodológica e temática de sua obra, e por isso sugerimos a leitura deste livro em conjunto com O significado histórico da crise da psicologia, onde está desenvolvido seu programa marxista, e com Lições de pedologia, que publicamos anteriormente, onde se encontram delineadas as bases da perspectiva histórico-cultural do último Vigotski. Em Psicologia pedagógica encontramos, por exemplo, a primeira definição da “crise da psicologia” e o caminho superador, materialista e dialético, que ele desenvolverá em profundidade em O significado histórico…. Também a centralidade da consciência como eixo a partir do qual estudar a psicologia (o método “retrodutivo” de Marx) e as inter-relações entre o desenvolvimento orgânico e psicológico, tema explorado em Lições…. Neste volume, encontramos as primeiras formulações sobre as funções psicológicas que depois serão definidas como superiores (atenção, memória, pensamento, linguagem, emoções passíveis de consciência e vontade por meio de sua mediação cultural). Também encontramos os primeiros esboços das reflexões que serão desenvolvidas nos conceitos de zona de desenvolvimento proximal e vivência: o meio é sempre social, a educação como “a influência e a intervenção planejada, racional, premeditada e consciente nos processos de crescimento natural do organismo” 67 . Há um esboço inicial do que depois será o conceito de “idade paidológica” (Cap. XVIII) e destaca-se a importância da imitação ativa como base da educação.

O capítulo sobre o pensamento já propõe a mediação linguística como chave, e permanece aberto a todo o desenvolvimento posterior, que o leitor encontrará finalizado em Pensamento e linguagem 68 , o último livro de Vigotski.

Outro eixo possível é o da perspectiva pedagógica. Nesse aspecto, destaca-se como a reflexão sobre a pedagogia é inseparável da reflexão social e política sobre as infâncias como sujeitos:

O coletivo escolar constitui uma arena insuficientemente ampla para o desenvolvimento das grandes paixões sociais; é até mesmo uma escola demasiado estreita e insignificante para o instinto social. No entanto, à educação se colocam duas tarefas grandiosas. A primeira é educar esse instinto em dimensões grandiosas, mundiais. Esta tarefa pode ser psicologicamente resolvida apenas mediante uma imensa ampliação do meio social. Devemos romper os muros da casa em nome da classe, os muros da classe em nome da escola, os muros da escola em nome da união de todas as escolas da cidade, etc., até alcançar movimentos infantis que abranjam todo o país, ou mesmo um movimento infantil mundial como o dos pioneiros ou da juventude comunista. Nestes movimentos, e apenas neles, a criança pode aprender a reagir a estímulos mais distantes, estabelecer vínculos entre sua reação e um acontecimento a milhares de quilômetros de distância, coordenar e vincular sua conduta à das enormes massas humanas, por exemplo, ao movimento operário internacional 69

A consideração que Vigotski faz das infâncias como sujeitos políticos é diametralmente oposta à concepção da educação tradicional europeia, onde o estudante é apenas um receptor passivo da transmissão do mestre. Para Vigotski, toda pedagogia se sustenta sobre uma estrutura condicionada pelo meio social. “Se entendermos o meio social convencionalmente como o conjunto das relações humanas, fica totalmente clara sua excepcional plasticidade, que o transforma quase no recurso mais flexível da educação” 70 . Diante de um estudante ativo, o papel do professor também é ativo: não um transmissor, mas organizador do meio social.

Um tema adjacente à discussão sobre a passividade ou atividade das infâncias é o tratamento dos instintos. Vigotski confronta duas posições pedagógicas: uma que vê o instinto como um resíduo animal a ser reprimido, e outra que o idealiza como guia natural infalível. Rejeitando ambas, destaca a força educativa potencial do instinto, desde que seja conscientemente direcionado. Segue Thorndike ao entender que o instinto, longe de ser eliminado ou idolatrado, deve ser canalizado e adaptado ao meio. E localiza o valor pedagógico da sublimação tal como entendido por Freud, enquanto transformação de pulsões inconscientes, especialmente sexuais, em formas superiores de energia psíquica, como a criação.

Quanto à memória, Vigotski afirma que “as pesquisas sobre a memória demonstraram que ela funciona melhor e mais intensamente naqueles casos em que é atraída e dirigida por um determinado interesse” 71 . Critica a escola tradicional por sua falta de estímulo afetivo (assim como com os instintos, a emoção era algo a ser reprimido) e por sua direção pedagógica pouco clara. Considerando que a educação na escola czarista centrava o processo pedagógico na memorização de conteúdos recebidos do professor, ganha relevância a concepção de memória enquanto reprodução de reações que sempre implica uma reelaboração ativa da experiência. Não existe, portanto, uma distinção qualitativa entre memória e imaginação, mas uma diferença quantitativa baseada na relação com a experiência pessoal. Nesse contexto, paralelamente à memória, a imaginação cumpre funções cognitivas, emocionais e educativas, permitindo organizar condutas voltadas ao novo. Assim, a imaginação infantil, expressa no jogo ou no relato, é chave no desenvolvimento psíquico.

Partindo desse marco, critica a pedagogia tradicional por impor esforços escolares vazios, sem possibilidade de encontrar um eixo orientador, desvinculados da vida prática e do sentido interno do trabalho. Questiona a teoria da “disciplina formal”, herdeira do escolasticismo, e contrapõe a politecnia como ideal formativo integral e futuro desejável, em oposição ao profissionalismo como necessidade imediata ligada à prática laboral. “A própria divisão do trabalho em ofícios concentra a atenção do trabalhador no último momento executivo do trabalho e não em suas premissas gerais” 72 . E continua: “Acontece que o trabalho humano, ou seja, a luta pela existência, adota necessariamente as formas da luta social e, por isso, coloca em condições idênticas massas inteiras de pessoas e lhes exige que elaborem formas idênticas de conduta. Essas formas idênticas de conduta são aquelas que constituem as crenças religiosas mais difundidas, os ritos, as normas pelas quais vive uma determinada sociedade. Portanto, queiramos ou não, consciente ou inconscientemente, a educação sempre segue uma linha de classe. Para o psicólogo, isso significa que o sistema de estímulos que forma os sistemas de conduta da criança é composto por estímulos de classe” 73 .

Isso não deve ser entendido como uma mera preceptiva ou escolha entre escolas, mas Vigotski enfatiza que a conduta social da criança deve ser compreendida em interação com o meio, com a escola, com os interesses que orientam o processo pedagógico. Por isso, esclarece que o meio atual (daquele momento e do nosso) impõe uma contradição entre as experiências precoces da criança e a adaptação passiva que o meio lhe exige, o que se torna fonte de inibições, censuras e contradições entre o meio e a personalidade. “A educação moral em cada escola […] coincide completamente com a moral de classe que guia a escola” 74 . À moral burguesa sustentada na hipocrisia e na coerção, ele contrapõe uma educação moral revolucionária, baseada na verdade, no contexto histórico e na ação transformadora. Destaca, assim, a necessidade de formar pessoas não segundo valores abstratos e idealmente perfeitos, mas de acordo com o momento histórico que cabe a cada geração.

Também encontramos uma crítica ao sexismo na educação em favor de uma “ética igualitária da vida sexual”, em consonância com a reorganização revolucionária das relações sociais. E reflexões contundentes contra o punitivismo na infância (hoje promovido por aqueles que defendem a redução da idade de imputabilidade), às quais contrapõe um reforço da atenção social e educativa, apostando na autogestão escolar (Cap. XII). Por fim, destaca-se sua abordagem sobre a deficiência e a ênfase na educação social contra o “separatismo”.

A atualidade de Psicologia Pedagógica

O capitalismo não oferece hoje às infâncias perspectivas diferentes daquelas oferecidas às maiorias trabalhadoras, minorias oprimidas, imigrantes e ao próprio planeta: a barbárie mais irracional e dilacerante. As milhares de meninas e meninos mortos pelos bombardeios do Estado de Israel em Gaza são um sintoma disso. As centenas de milhões de crianças que sofrem com a fome, a desnutrição e até a morte por doenças evitáveis; a destruição e mercantilização dos sistemas educacionais e de saúde; a crise climática e as catástrofes sanitárias, que recaem com crueldade particular sobre as infâncias ao redor do mundo, em muitos casos também racializadas.

Ao mesmo tempo, o mainstream científico utiliza diferentes avanços parciais para reproduzir perspectivas que reduzem, por exemplo, a criança ao seu cérebro ou a um processador de informações, e a educação à mera transmissão de dados — perspectivas que tendem ainda a patologizar e normatizar a infância, atribuindo uma origem natural a aspectos sociais e históricos, e transformando-a em fonte de lucro.

Em relação ao impacto específico sobre as práticas pedagógicas e os sistemas educativos, assumimos como nossas as considerações de Otero, Pescarmona e Puy no prólogo que acompanha esta edição. Vivemos um momento de avanço neoliberal, com porta-vozes entre mandatários e representantes da “internacional de direita”, que empunham as bandeiras da defesa dos “valores tradicionais” contra o “marxismo cultural”, a “ideologia de gênero” e os/as docentes “doutrinadores”. Diante desse avanço reacionário e obscurantista, compreender a educação como uma questão de classe é uma arma de resistência inestimável. É justamente essa orientação da política educacional que anima a obra de Vigotski.

Psicologia pedagógica oferece chaves metodológicas para a crítica e superação dos desvios psicológicos e pedagógicos deste sistema social decadente. A luta pela revalorização da dialética marxista aparece hoje como absolutamente atual para criticar o dualismo cartesiano que ainda aprisiona a disciplina, bem como os diversos reducionismos derivados — notadamente o biologicismo representado pelo mainstream das neurociências, o cognitivismo e a psicologia evolucionista 75 . E também para uma crítica à instrumentalização das disciplinas pedagógicas a serviço do lucro e da normalização, permitindo imaginar outras perspectivas psicológicas, pedagógicas e educativas com potencial emancipador. Uma inspiração para recuperar um “materialismo militante” sem sectarismos, aberto ao diálogo, nessas áreas, diante do cientificismo reducionista a serviço do capital — tarefa que orienta as coleções Ciência e Marxismo e Ecologia e Marxismo desta editora 76 .

É claro que muitos de seus postulados precisam ser atualizados à luz dos últimos avanços científicos, mas consideramos que seu método e enfoque geral constituem uma contribuição hoje indispensável para qualquer pessoa que queira se apropriar do pensamento vigotskiano com o objetivo de compreender e transformar a realidade atual.

Psicologia pedagógica foi publicada em russo pela primeira e única vez em 1926 77 . Posteriormente, foi publicada em 1997 nos Estados Unidos, em versão em inglês editada e traduzida por Robert Silverman 78 . Em 2001, Guillermo Blanck traduziu a primeira versão em espanhol, editada por Alina Baruj79,  com um importante aparato crítico elaborado por ele mesmo. Para esta edição, nos apoiamos e nos inspiramos nesse valioso trabalho de Blanck. Em 2001, também foi publicada no Brasil a primeira versão em português, traduzida por Paulo Bezerra 80 . E em 2003, também no Brasil, foi publicada a edição de Blanck em português, traduzida por Claudia Schilling 81 . Finalmente, em 2016 foi publicada a primeira versão em chinês82 .

Nota sobre a edição

A edição do livro esteve a cargo de Juan Duarte. A revisão foi feita por Pablo Minini. Agradecemos a colaboração de Matías Maiello, Ariane Diaz e Rossana Cortez, na revisão e sugestões. Jorge Inchaurrandieta Navarro foi o responsável pela arte da capa e Luis Rodríguez, pela produção editorial. Destacamos mais uma vez que este trabalho faz parte de um esforço coletivo de recuperação da obra de Vigotski e esperamos que contribua, por sua vez, para novas elaborações e publicações.

1. Em favor dessa hipótese, Van der Veer e Valsiner apontam corretamente que tanto os temas (reflexologia, por exemplo) quanto os autores (Pávlov e Freud, por exemplo) não correspondem às posições expressas por Vigotski em 1926. Por outro lado, com base em Yaroshevsky, observam que, ao ingressar no Comissariado do Povo para a Educação em 1924, ele preencheu um formulário na coluna de publicações com “Um breve esboço de Psicologia pedagógica. Atualmente na Editora Estatal”, provavelmente em referência a Psicologia pedagógica. Cf. Van der Veer, R. e Valsiner, J., Understanding Vygotsky: a quest for synthesis, Oxford UK e Cambridge USA, Blackwell, 1991, p. 48; e Yaroshevsky, M., Lev Vygotsky, Moscou, Progress Publishers, 1989, p. 52.

2. Ver neste livro, p. 47.

3. Idem.

4. Fundada em 1908, após uma greve na Universidade Imperial, em 1911, muitos de seus renomados especialistas passaram a lecionar em Shanyavskii. Cf. Van der Veer, R. e Valsiner, J., Understanding Vygotsky, ob. cit., p. 6; e Yasnitsky, A., Vygotsky. An intellectual biography, Londres, Routledge, 2018, p. 4.

5. Vigotski, Lev (1923), “Resenha do livro de John Reed, Dez dias que abalaram o mundo“, em O desenvolvimento cultural da criança e outros textos inéditos, Guillermo Blanck (org.), Buenos Aires, Almagesto, 1998. A resenha foi originalmente publicada em Kaia Pravda, em 23 de dezembro de 1923.

6. Idem.

7 Van der Veer, R. e Valsiner, J., Understanding Vygotsky, ob. cit., pp. 9-10.

8. Yasnitsky, A., Vygotsky. An intellectual biography, Londres, Routledge, 2018, p. 31.

9. Yaroshevsky, ob. cit., p. 39. Tradução nossa sempre.

10. Yasnitsky, A., ob. cit., p. 11.

11. Van der Veer, R. e Valsiner, J., Understanding Vygotsky, ob. cit., p. 9.

12. Ibidem, p. 42.

13. Yaroshevsky, M., ob. cit., p. 43.

14. Ibidem, p. 43.

15. Ibidem, p. 44.

16. Ver neste livro, p. 269.

17. Duarte, Juan, Minini, Pablo, “Resgatando as pedras angulares do marxismo de Vigotski”, Prólogo em Vigotski, Lev, O significado histórico da crise da psicologia, Buenos Aires, Ediciones IPS, 2022. Aí também destacamos a dupla censura, por parte do stalinismo e da academia, que a obra sofreu, bem como certas operações, como o mito da “troika” com Luria e Leontiev, além da tentativa de apropriação da obra por correntes pós-vigotskianas como a teoria da atividade deste último.

18. Essa precisão é importante, dado que o stalinismo decretou a partir de 1936 a reflexologia como psicologia oficial e a obra de Vigotski circulou no aparato cultural dos PCs nessa chave. Cf. García, L. N., El cielo por asalto. Psiquiatría y cultura científica en el comunismo argentino(1935–1991), Buenos Aires, Edhasa, 2016.

19. Yaroshevsky, M., ob. cit., p. 51.

20. Ver neste livro, p. 47.

21. Idem.

22. Idem.

23. Ver neste livro, p. 81.

24. Ibidem, p. 83.

25. Ibidem, p. 215. Aqui Vigotski se apoia em Marx ao analisar, segundo Marx, a chave do caráter ativo da adaptação humana.

26. E Vigotski irá mais tarde conceituá-la em sua psicologia histórico-cultural como a “Lei da dupla formação das funções psicológicas superiores”: “as funções psicológicas superiores da criança, as propriedades superiores e específicas do homem, surgem originalmente como formas de conduta coletiva da criança, como formas de colaboração com outras pessoas, e só depois se tornam funções internas e individuais da criança”. Vigotski, Lev, Lecciones de paidología, ob. cit., p. 107.

27. Ver neste livro, p. 211.

28. Ibidem, p. 214.

29. Potebniá distingue na palavra o som, o significado e a imagem — sua forma interna, de origem social.

30. Yaroshevsky, M., ob. cit., p. 58.

31. Vigotski, Lev, Historia del desarrollo de las funciones psicológicas superiores, Buenos Aires, Colihue, 2008. Traducción de Alejandro Ariel González.

32. Yaroshevsky, M., ob. cit., p. 58.

33. Ver neste livro, p. 220.

34. Vygotsky, Lev, “Os métodos de investigação reflexológicos e psicológicos”, em Obras Escolhidas, Tomo 1, Madrid, Visor, 1991. O original publicado como “Metódika refleksologuícheskogo i psijologuícheskogo issliédovania”, é um artigo baseado na comunicação ao II Congresso Nacional de Psiconeurologia em Leningrado em 06 de janeiro de 1924 e publicado na coletânea “Problemas da psicologia atual”, sob redação de K. N. Kornílov (Moscou, 1926). A apresentação não foi preservada.

35. Idem.

36. Idem.

37. Marx, Karl, “Introducción” a De la crítica de la filosofía del derecho de Hegel (1843-1844), Barcelona, Gedisa, 2023, p. 56.

38.  A quem, aliás, apesar de ser politicamente opositor à revolução, foram concedidos recursos inéditos. García, L. N. El cielo por asalto…, ob. cit., p. 29.

39. Van der Veer, R., y Valsiner, J., Understandig Vygotsky, pp. 41-42. 

40. Závershneva, E., Van Der Veer, R., Lev Vigotski. Cuadernos de notas, Buenos Aires, Libros del Zorzal, 2022, p. 726. Traducción de Alejandro Ariel González. 

41. Lenin, V.I., “Sobre el significado del materialismo militante”, Pod Známeniem Marxizma, núm. 3, marzo de 1922. Consultado el 1/3/2025 en https://www.marxists.org/espanol/lenin/obras/1920s/iii-1922.htm. 

42. Ídem. Itálicas nuestras. 

43. Vigotski, Lev, Luria, Alexander (1925), “Prólogo a la traducción rusa de Más allá del principio del placer de Freud”, Revista Ideas de Izquierda, 25/10/2020. Consultada el 01/03/2025 en https://www.laizquierdadiario.com/Prologo-a-la-traduccion-rusa-de-Mas-alla-del-principio-del-placer-de-Freud. Itálicas nuestras. 

44. “Samonabljudenie i metod psikhologii K. Koffka” en Kornílov (ed.), Problemy sovremennoj psikhologii, Leningrado, Gosudarstvennoe Izdatel´stvo, pp. 176-8. Hay versión en castellano: Vygotsky, L.S., “Sobre el artículo de K. Koffka ’La introspección y el método de la psicología’. A modo de introducción”, en Vygotski, L.S., Obras Escogidas. Vol. 1, Madrid, Visor, 1991. 

45. Ibídem, p. 62. Itálicas nuestras. 

46. Ídem. 

47. Marx, Karl, “Epílogo a la segunda edición alemana del primer tomo de El Capital”, 24 de enero de 1873, en Marx, Karl,El capital, Tomo 1, Vol. 1, Ciudad de México, Siglo XXI, 2008, p. 22. 

48. Ver en este libro, p. 48. 

49. Yaroshevsky, M., ob. cit., p. 51. 

50. Vigotski, Lev, “El problema del medio en la paidología”, lección IV de Lecciones de paidología, Buenos Aires, Ediciones IPS, 2024, p. 93. 

51. Ibídem, p. 131. 

52. Ibídem, p. 169. 

53. Ibídem, p. 147. 

54. Ver, por ejemplo, Marie, J. J., Trotsky. Revolucionario sin fronteras, Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica, p. 295. 

55. Trotsky, L., Literatura y revolución, Buenos Aires, RyR, 2015. Traducción de Alejandro Ariel González.

56. Trotsky, L., ob. cit., pp. 341-343. Para um panorama mais completo destes debates ver Diaz, Ariane, “¿Marxismo o populismo? El debate sobre la cultura proletaria”, revista Ideas de Izquierda, 1/11/2017, y “La literatura como termómetro de una época”, revista Ideas de Izquierda, 1/08/15.

57. Em setembro de 1927, Trotsky foi removido do Comitê Executivo da Internacional Comunista e, em outubro, do Comitê Central. Depois foi acusado de contrarrevolucionário e deportado para Alma-Ata.

58. Trotsky, L. (1923), “La política del partido en el arte”, Literatura y revolución, Buenos Aires, RyR, 2015, p. 337. 

59. Vigotski, L. S., El significado histórico de la crisis de la psicología, ob. cit., p. 194. 

60. Ibídem, p. 193. 

61. Vigotski, Lev, Historia del desarrollo…, ob. cit. 

62. Lev Trotski, Literatura y revolución, Ediciones RyR, Buenos Aires, 2015, pp. 359-360. m “A transformação socialista do homem”, Vigotski explica a diferença entre sua concepção e a de Trotsky e Nietzsche: “O erro dessa teoria consiste em ignorar que as leis da evolução histórica do homem são radicalmente diferentes das leis da evolução biológica, e que a diferença radical entre ambos os processos reside no fato de que o homem evolui e se desenvolve como um ser histórico, social. Apenas a elevação de toda a humanidade a um estágio superior de vida social, apenas a libertação de toda a humanidade constitui o caminho para o surgimento de um novo tipo de homem.” Vigotski, Lev, La transformación socialista del hombre”, en Vigotski, Lev, El significado histórico de la psicología, ob. cit.

63. Vigotski, Lev, Lecciones de paidología, ob. cit., pp. 59-62. 

64. Martín, Facundo Nahuel, Ilustración sensible. Hacia un giro materialista en la teoría crítica, Buenos Aires, Ediciones IPS, 2023, p. 50. 

65. “La transformación socialista”, p. 248.

66. Esquematicamente, podemos distinguir três momentos: este, apoiado na reactologia; outro com ênfase na internalização da mediação linguística ou “instrumental” como chave das funções psicológicas superiores (1926–1929); o desenvolvimento da “psicologia histórico-cultural” e a introdução do princípio sistêmico-sêmico e das relações interfuncionais (1930–1934).

67. Ver neste livro, p. 107.

68. Buenos Aires, Ediciones Colihue, 2007. Tradução de Alejandro Ariel González.

69. Ver neste livro, p. 140. No mesmo sentido, em sua conferência de 1925 no congresso de educação de crianças surdas, escreve, contra o “separatismo” da escola tradicional, que isola a criança com deficiência do restante da sociedade e, por isso, é antissocial e educa na antissocialidade. Vygotski, Lev, “Principios de educación social de los niños sordomudos”, en Obras escogidas, Volumen 5, Madrid, Visor, 1991, pp. 125-127.

70. Ver neste livro, p. 103.

71. Ibidem, p. 190.

72. Ibidem, p. 233.

73. Ibidem, p. 259.

74. Ibidem, p. 266.

75. Rose, H. y Rose, S., Genes, células y cerebros, Buenos Aires, Ediciones IPS, 2019. 

76. Cf. Benítez Vieyra, S., Duarte, J., Prólogo de los editores, en Lewontin, R. y Levins, R., La biología en cuestión, Ediciones IPS, Buenos Aires, 2021, pp. 9-17, Benítez Vieyra, S., Duarte, J., Prólogo de los editores, en Foster, J. B., La ecología de Marx, Ediciones IPS, Buenos Aires, 2022, pp. 7-16, y Duarte, J. y Minini, Pablo, Prólogo en Vigotski, Lev, El significado histórico de la crisis de la psicología, ob. cit.

77. Editorial “Rabótnik prosveshenia”, Moscú, 1926. 

78. Vygotsky, Lev, Educational Psychology, Boca Raton, Florida, St. Lucie Press, 1997. 

79. Buenos Aires, Aiqué, 2001. 

80. Sao paulo, Martins Fontes, 2001. 

81. Sao paulo, Artmed Editora. 

82. 维果茨基全集, 吋代出版伶媒股份有限公司, 次印刷. [Vigotski, Lev, Obras completas, Volumen 6, Hefei, Times Publishing Media, 2016.] libro

 

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