Claudia Cinatti
A propósito do livro Hayek’s Bastards: Race, Gold, IQ, and the Capitalism of the Far Right, de Quinn Slobodian.
Se qualquer um de nós fosse perguntado sobre qual acreditamos ter sido o resultado da Guerra Fria, provavelmente responderíamos, sem medo de errar, que ela terminou com uma vitória clara do capitalismo — ou, mais precisamente, do neoliberalismo, uma espécie de retorno modificado ao liberalismo clássico, como reação ao keynesianismo que havia se gestado intelectualmente entre a década de 1930 e o início do pós-guerra, tendo os economistas Ludwig von Mises e Friedrich von Hayek como seus principais expoentes. Esse conjunto de ideias, que proclamava a defesa irrestrita da propriedade privada e da liberdade de mercado, combinada com uma filosofia individualista, tornou-se política de Estado em resposta à crise capitalista de meados da década de 1970. Após a derrota da onda revolucionária iniciada no fim dos anos 1960 e com a chegada de Reagan e Thatcher ao governo, as ideias neoliberais encarnaram-se em um programa agressivo da burguesia contra o proletariado para restaurar seu “poder de classe” (D. Harvey).
O período que se seguiu à queda do Muro de Berlim e à dissolução da União Soviética foi marcado por um triunfalismo capitalista-neoliberal aparentemente sem limites. A década de 1990 foi a da “hiperpotência americana”, um momento unipolar excepcional do protagonismo dos Estados Unidos, que comandava a “ordem mundial liberal” desenhada a partir de Washington para seu próprio benefício, ao mesmo tempo em que garantia as condições para a expansão capitalista em escala planetária. Foi também a década em que se impuseram a globalização e o consenso neoliberal — desregulamentações, privatizações, precarização do trabalho, endividamento público e privado — sustentados por partidos conservadores e social-democratas que se alternavam no poder, mas com o mesmo programa econômico. Francis Fukuyama ficaria famoso ao anunciar o “fim da história”, uma fórmula que, para além das pretensões filosóficas hegelianas de seu autor, vulgarizou-se como o triunfo definitivo do capitalismo e da democracia liberal. A fórmula TINA (There Is No Alternative) cunhada por Thatcher era uma metáfora perfeita daquela época.
Esse clima de profunda reação ideológica também havia permeado intelectuais marxistas. Em um editorial de 2000 da New Left Review, Perry Anderson contrastava a situação dos anos 1990 com a década de 1960, descrevendo um cenário de “triunfo capitalista generalizado”. E, embora sustentasse que “uma década não faz uma época”, com o giro social-liberal do antigo reformismo e da “terceira via” considerava o neoliberalismo como “a ideologia mais bem-sucedida da história mundial”. Esse longo ciclo de hegemonia neoliberal, que marcou toda uma etapa de restauração burguesa, acabaria mostrando sinais de esgotamento com a crise capitalista de 2008, a qual abriu uma nova fase de reatualização das tendências próprias da época imperialista às guerras, crises e enfrentamentos entre revolução e contrarrevolução.
A mudança de cenário é evidente. A “ordem mundial liberal baseada em regras” está em decomposição; o “livre mercado” convive com políticas protecionistas e barreiras tarifárias que atingem níveis da década de 1930. A liderança norte-americana está em decadência e enfrenta a concorrência da China e de outras potências emergentes. No entanto, há um debate aberto sobre se o neoliberalismo cumpriu seu ciclo histórico — ainda que continue como um automatismo econômico combinado com medidas protecionistas — ou se passou por uma ressignificação. Vejamos alguns exemplos. Num extremo desse debate está Wolfgang Streeck, autor de Comprando tempo, que considera que o neoliberalismo foi tão bem-sucedido em levar suas tendências até o fim, eliminando os limites que o preservavam — a “democracia”, possível apenas dentro do Estado-nação —, que estaria causando uma morte lenta do próprio sistema capitalista, poderíamos dizer, por overdose de si mesmo. Essa morte, não pelas mãos de seu coveiro (a classe trabalhadora), mas por suas próprias contradições, seria um processo de longa decadência, visível no surgimento de fenômenos políticos que questionam os dogmas neoliberais, um tipo de “duplo movimento” no sentido de K. Polanyi.
Em posição aparentemente oposta, Gary Gerstle, em seu livro Rise and Fall of the Neoliberal Order: America and the World in the Free Market Era, sustenta que a “ordem neoliberal” chegou ao fim e, embora sua análise se concentre nos Estados Unidos, os efeitos dessa mudança sísmica — que, segundo o autor, têm como expressão o surgimento do “populismo” de direita com Trump e de esquerda com Sanders — são históricos e internacionais. Numa posição intermediária, Perry Anderson se pergunta se estamos diante de uma “mudança de regime” no Ocidente, não no sentido que essa expressão adquiriu na Guerra do Iraque (intervenção dos EUA para derrubar regimes inimigos), mas em seu sentido tradicional de “instalação gradual de uma nova ordem internacional em tempos de paz”. Sua conclusão é que isso ainda não ocorreu, pois o neoliberalismo tem como antagonista o populismo, que não conseguiu articular uma alternativa.
Nesse contexto se insere a história intelectual do neoliberalismo de Quinn Slobodian, em particular seu último livro, Hayek’s Bastards: Race, Gold, IQ, and the Capitalism of the Far Right, no qual rastreia a genealogia da alt-right desde a fundação da Sociedade Mont Pèlerin até a aliança conservadora paleolibertária. Slobodian sustenta que a extrema direita atual não é uma “reação” (backlash) antineoliberal nem uma tradução política do grande ressentimento dos perdedores da globalização, para usar um conceito acertado de E. Fassin. Pelo contrário, embora esteja revestida de demagogia “antissistema” (e recorra a políticas protecionistas como faz Donald Trump), trata-se de uma “aceleração” (frontlash), um impulso reacionário radicalizado — econômico, político e estatal — para inclinar a correlação de forças a favor das classes dominantes e levar até o fim as tendências “ultracapitalistas” do neoliberalismo. O governo de ajuste brutal e a “batalha cultural” de Javier Milei, a quem dedica o epílogo, sem dúvida se encaixam nessa tese.
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Essa ideia central, que explica, segundo Slobodian, uma parte importante das “batalhas” culturais, políticas e econômicas das variantes de extrema direita hoje no poder — da “Big Beautiful Bill” de Trump até a motosserra de Milei —, já estava esboçada nos dois livros que antecedem Hayek’s Bastards, que, em ordem cronológica, são: Globalistas. O fim dos impérios e o nascimento do neoliberalismo (2018) e O capitalismo da fragmentação. O radicalismo de mercado e o sonho de um mundo sem democracia (2023).
O fio condutor dessa trilogia espontânea — pois não foi concebida como tal — é o propósito de desnaturar certos sentidos comuns que funcionaram como mitos fundadores do neoliberalismo contemporâneo. Em particular, a suposta contradição entre o “livre mercado” e o Estado; e a relação entre a liberdade do capital e a democracia liberal, que se considerou equivocadamente como sua companheira de trajetória após o desaparecimento da União Soviética e dos regimes stalinistas do Leste Europeu.
Em Globalistas…, Slobodian revisa as origens e o desenvolvimento do pensamento neoliberal no período que vai do fim da Primeira Guerra Mundial (em especial o colapso do Império Austro-Húngaro) até a década de 1990. Contra a falsa noção de que o neoliberalismo é sinônimo de “antiestatismo”, Slobodian mostra a relação necessária entre a expansão “livre” do capital, o Estado nacional e a construção de uma ordem global baseada em instituições internacionais (por exemplo, a OMC), que atuam como escudos protetores não apenas contra revoltas ou revoluções, mas até mesmo contra as demandas limitadas da democracia liberal.
Se Globalistas pode ser lido como a inscrição estatal do neoliberalismo enquanto condição de possibilidade da livre circulação do capital, O capitalismo da fragmentação mostra a tendência inversa de setores capitalistas radicalizados de escapar diretamente desse encapsulamento estatal por meio da criação de “zonas especiais” ou “microterritórios”, onde não existe qualquer aparência de sociedade e reina a pura concorrência capitalista. Essas “zonas” vão desde os tradicionais paraísos fiscais até o delírio dos “microestados” privados imaginados por tecno-libertários como Peter Thiel, que, em 2009, propôs o estabelecimento de “nações start-up” em alto-mar, fora de qualquer jurisdição estatal e, portanto, livres de impostos, de regulamentações e de qualquer forma de governo. Por fim, Thiel concluiu que é mais simples apropriar-se dos Estados e partidos burgueses realmente existentes do que embarcar em novas utopias reacionárias. Em 2016, abandonou seu programa máximo das comunidades ultracapitalistas offshore e subiu no carro trumpista para não mais dele descer. J. D. Vance, atual vice-presidente norte-americano e eventual sucessor de Trump, é sua aposta mais segura.
Em Hayek’s Bastards…, Slobodian concentra sua análise na década de 1990, seguindo o rastro não mais do que havia de mais seleto na intelligentsia neoliberal (Hayek, Mises, Friedman), mas de seus “filhos bastardos” da direita paleolibertária — uma galáxia de neorreacionários na qual orbitam diversos personagens excêntricos e obscuros, que por muitos anos permaneceram à margem, como Murray Rothbard, Peter Brimelow e Charles Murray, e seus admiradores como Trump ou Milei.
Como já sugere o título, tomado literalmente de John Ralston Saul (Os bastardos de Voltaire. A ditadura da razão no Ocidente), Slobodian considera que os autoproclamados herdeiros da “escola austríaca” levaram essa herança além do que poderia ser admitido dentro dos limites de uma continuidade fiel ao espírito de seus mestres. Esse excesso de guinada reacionária se expressa em posições abertamente racistas, com base supostamente científica (biológica), que, segundo o autor, não se derivam necessariamente das teorias de Hayek e Mises, embora tampouco lhes sejam absolutamente antagônicas.
No entanto, caberia perguntar até que ponto a direita paleolibertária implica um desvio das ideias originais dos sócios de Mont Pèlerin.
Embora Slobodian sustente que não se trata de “salvar a honra” da escola austríaca (de fato, a citação que faz de Mises reivindicando sua tese da “má leitura” é, no mínimo, indulgente), desde a afirmação tardia de Hayek (citada por Slobodian, p. 43) sobre a superioridade da “herança moral” do “Ocidente cristão” que lhe teria permitido ser dominante, até a justificação étnico-cultural do sucesso das sociedades ocidentais (e do fracasso biologicamente determinado de outras) sustentada por seus bastardos paleolibertários, há alguns passos — mas na mesma direção.
Além da defesa irrestrita da “liberdade” do capital, os “bastardos” continuam a tradição antidemocrática e conservadora dos fundadores do neoliberalismo, o que, como assinala Slobodian, implica utilizar o Estado para garanti-la e criar uma “proteção constitucional” que imunize os mercados capitalistas contra qualquer política intervencionista que vise conter, dentro de limites administráveis, as desigualdades sociais.
A guinada autoritária de Trump ou Milei — que pode ser lida como uma tentativa de solução de força para a crise orgânica de hegemonia burguesa — está em continuidade com o apoio de Hayek e de seus discípulos à ditadura de Pinochet e, mais genericamente, com a eliminação de qualquer obstáculo minimamente democrático (mesmo formal) ou “redistributivista” que atente contra o suposto “ordem espontânea” do livre mercado. É que, para os reacionários de ontem e de hoje, não há contradição entre “liberdade” econômica e a pior opressão política; isso inclui as políticas racistas e anti-imigração dos continuadores da obra de Hayek.
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Se uma chave conceitual de Hayek’s Bastards é o núcleo neoliberal do “sintoma iliberal” do nosso tempo, a chave temporal para compreender o devir “paleo” da extrema direita está na década de 1990.
O ponto de partida da revisão histórica da pós-Guerra Fria operada por essa nova geração intelectual de neoliberais é que a vitória do “Ocidente” capitalista sobre a economia planificada, ainda que em sua versão mais burocrática e degradada, foi, no mínimo, pírrica. Slobodian parte do fato de que esse setor, que como veremos formará o núcleo ideológico da extrema direita, viveu os anos 1990 como uma derrota porque, apesar da liquidação da propriedade nacionalizada e das terapias de choque na ex-URSS (e, por extensão, nos países do Leste Europeu e no mundo semicolonial), o gasto público seguia em expansão no Ocidente. Parafraseando a fórmula condensada de Slobodian: o comunismo estava morto, mas o Leviatã continuava gozando de boa saúde.
Isso significava que as instituições do “Estado ampliado” (Estado de bem-estar social) que haviam sido criadas nos países ocidentais na segunda pós-guerra, para contrabalançar o apelo do socialismo com promessas de certo igualitarismo — arrancadas por imponentes lutas sociais como o movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos — ainda permaneciam de pé quando o espantalho socialista já havia saído de cena. Nem a contrarrevolução de Reagan e Thatcher se atreveu a liquidar essa heresia — genericamente chamada de “justiça social” — que, para os partidários da liberdade absoluta do capital, era mais que uma aberração: um pecado. Daí a ver “socialistas” em toda parte, inclusive no alto da cúpula de Davos (Milei dixit).
Segundo os sócios de Mont Pèlerin, o inimigo não havia desaparecido — apenas se transformara para se perpetuar sob outros disfarces. Na década de 1990, setores de centro-esquerda deram um verniz “progressista” à ofensiva neoliberal, com uma retórica voltada a reduzir ou mitigar desigualdades identitárias e, em alguns casos, “falhas de mercado”, sem questionar minimamente as bases neoliberais. Diante dessa realidade — que ia desde variantes da chamada “terceira via” até correntes do feminismo liberal — esses neoliberais “paleo” chegaram à conclusão de que a luta pela “liberdade” (do capital, entenda-se) iniciava um novo round, já não contra o “comunismo”, mas contra seus sucedâneos: o feminismo, o ambientalismo, as diferentes formas de ação afirmativa. A evolução dessa “batalha cultural” da extrema direita resultou na atual obsessão por combater o “wokismo”, o “marxismo cultural” ou a “ideologia de gênero”, que são nomes-fantasia para atacar direitos e conquistas.
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A identificação desse novo inimigo tem, segundo Slobodian, uma importância estratégica porque unifica as direitas tradicionais – tradicionalistas, cristãs evangélicas, nativistas – com setores “freak” localizados no extremo do espectro direitista, entre eles libertários anarcocapitalistas como Murray Rothbard.
A essa aliança original entre os partidários da “liberdade econômica” e os conservadores que defendem formas naturais de hierarquia (social) como a raça, o gênero e a inteligência, com conotações inequívocas de darwinismo social, Slobodian e outros teóricos das direitas, como John Ganz, chamam de “neofusionismo”. Dessa forma, assinala-se uma relação de continuidade e ruptura em relação ao “fusionismo” entre o “livre mercado” e a direita cristã, base do Partido Republicano norte-americano desde a década de 1950 até os governos de Reagan e dos Bush.
Slobodian aponta uma inversão do pensamento de Hayek que é crucial na guinada “populista” da direita paleolibertária. Em suas reflexões sobre a natureza humana, Hayek considerava que, devido ao passado tribal (a vida na savana), a solidariedade e a lealdade estavam inscritas na (pré)história da humanidade, e, portanto, o capitalismo ia contra esses sentimentos ancestrais, já que é indiferente a lealdades e familiaridades. Justamente por ir contra a tendência natural, o neoliberalismo exigia uma “disciplina adquirida” para educar as “massas”, embora não descartasse a eventual necessidade de fazer concessões, como algumas redes de proteção social. Os paleolibertários invertem esse argumento de Hayek: a tendência “socialista” estaria na “elite” e na burocracia estatal, e o objetivo seria mobilizar o impulso individualista e a tendência natural à propriedade privada.
A campanha de Pat Buchanan para as primárias republicanas de 1995 foi um ponto de inflexão nessa aliança entre “populistas” e libertários radicais. Um dos ideólogos dessa campanha foi justamente M. Rothbard, que, em um texto tristemente célebre no qual defende o candidato filo-nazista David Duke, propunha como estratégia valer-se do “populismo de direita” para reforçar o movimento “paleolibertário”, mobilizando sobretudo os homens conservadores e brancos das classes populares (a “revolução dos homens brancos europeus”, como a chamou) em prol dos objetivos de “governo mínimo”, corte drástico de impostos para os ricos e de benefícios sociais, eliminação de políticas de ação afirmativa, fortalecimento da polícia e defesa dos valores familiares. A partir dessas viradas ideológicas, Slobodian identifica os três “núcleos duros” que caracterizam tanto o pensamento quanto a estratégia política da extrema direita: o determinismo biológico (desigualdades herdadas), as “fronteiras duras” (políticas anti-imigração) e o ouro (“moeda forte” versus dinheiro fiduciário).
O processo intelectual que Slobodian rastreia nos círculos neoliberais das décadas de 1980 e 1990 para justificar a desigualdade é o retorno a teorias pseudocientíficas com claro viés racial, tanto no campo da biologia, como da psicologia evolutiva e cognitiva, e da sociobiologia. O ponto de inflexão desse determinismo biológico, baseado na “ciência racial” reciclada com a neurociência e teorias genéticas, é a publicação, em 1994, de The Bell Curve. Intelligence and Class Structure in American Life, de Charles Murray e Richard Herrnstein. Ao longo de mais de 800 páginas, o objetivo desse livro infame era dar uma cobertura pseudocientífica a afirmações claramente ideológicas, tomando como base as diferenças entre grupos humanos no quociente intelectual (QI) medido pelos testes de inteligência do início do século XX. Essas diferenças “naturais” se estenderiam a “grupos raciais” e, dado o seu determinismo biológico, não haveria sentido algum em adotar medidas para relativizá-las. Não é preciso dizer que o livro de Murray suscitou forte rejeição e ampla polêmica na comunidade científica. Em 1994, no mesmo ano da publicação de The Bell Curve, o paleontólogo Stephen Jay Gould refutou categoricamente a suposta teoria do QI biologicamente determinado e incluiu essa crítica nas novas edições de seu livro A falsa medida do homem. Por sua vez, a concepção de inteligência que fundamentava os testes psicométricos já havia sido desacreditada décadas antes por Jean Piaget, que descobriu nos erros sistemáticos cometidos nesses testes a chave de sua teoria epistemológica construtivista da inteligência, baseada em abstrações sistemáticas a partir de esquemas de ação do próprio sujeito.
Essa teoria abertamente racista, que Slobodian sintetiza no conceito de “neurocasta”, expandiu-se geograficamente. Ela fundamenta políticas de rejeição seletiva à imigração de determinadas regiões empobrecidas do planeta, sob o argumento de que as sociedades prósperas – ou seja, brancas e ocidentais – correm riscos ao incorporar pessoas biologicamente com menos capacidades “capitalistas”, que, portanto, tenderiam a depender da assistência estatal, aumentando o gasto público. A chamada “teoria da grande substituição” é uma variante dessa mesma lógica xenófoba que reproduz os lugares-comuns do supremacismo branco.
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Nos últimos anos, proliferaram livros e trabalhos acadêmicos sobre a natureza das (novas) extremas direitas ou direitas radicais – dependendo de se considerá-las uma tendência antagônica à democracia burguesa (“fascismo do século XXI”) ou uma variante cesarista dentro dos regimes constitucionais existentes. De Trump a Orbán e Milei, essas direitas emergiram com força diante do colapso do “extremo centro” (Tariq Ali), em um cenário de polarização assimétrica no qual, embora surjam também fenômenos políticos de esquerda, é a direita que mais se radicalizou.
A importância do debate vai muito além do âmbito acadêmico e adquire um significado político-estratégico de primeira ordem. Grosso modo, há duas posições ou hipóteses estratégicas na esquerda frente ao avanço da extrema direita. Uma é a da frente popular antifascista e suas diferentes variantes de “cordões sanitários”, ou seja, alianças com forças burguesas que, em última instância, foram as que nos trouxeram até aqui. A outra é a daqueles que defendem a necessidade de uma alternativa operária e socialista para derrotar essa nova ofensiva do capital.
Este não é estritamente o tema nem o ângulo de análise de Quinn Slobodian. Mas, ao lançar luz sobre a genealogia ideológica da alt right, sem dúvida ele oferece ferramentas para combatê-la no terreno ideológico, que é outro dos campos de batalha na luta pela libertação da exploração e da opressão capitalista.