Virgínia Guitzel
Travesti, poeta, coordenadora do Centro Acadêmico do BCH e militante do grupo feminista e socialista, Pão e Rosas. Estudante de Bacharel em Ciências e Humanidades e Relações Internacionais na UFABC e trabalha como Auxiliar Técnica de Educação (ATE) em São Paulo.
Dando sequência a série de artigos “LGBTQIAPN+: um pecado (ao) Capital?” que sintetizaram estudos e palestras de Virgínia Guitzel, participante do Transgender Marxism e ativista linha de frente da luta por cotas trans na UFABC, sobre a relação entre sexualidade humana e capitalismo. Agora reproduzimos abaixo a segunda parte dedicada ao embate entre as LGBTQIAPN+, o Estado capitalista e a perspectiva da luta de classes como parte da luta contra a repressão sexual e de gênero desde uma perspectiva anticapitalista.
No primeiro artigo desta série, recuperando Karl Marx, definimos que o capital possui um movimento inerente, incontornável e insaciável de valorização, que significa uma tendência crescente e imparável de consumir a força de trabalho ao máximo possível, transformando-a em uma mercadoria qualquer. Esse movimento que se alimenta da força de trabalho é violento e busca impor ao próprio trabalhador parcial que este, agora apartado dos meios de produção e da capacidade de uma ação produtiva totalizante, seja reduzido a uma mercadoria, tendo como consequência a diminuição crescente do seu tempo livre e a mercantilização de todas as esferas da vida do pouco tempo que lhe restar.
É nesse processo, do capital encontrar essa determinada mercadoria, a força de trabalho, única capaz de gerar valor1 , que ele supera os seus custos de produção e garante sua obtenção do lucro. É por isso que não pode haver um capitalista humanizado, que não se utilize das opressões para potencializar seus lucros, pois não se trata de uma decisão individual sobre como agir frente a exploração, mas sim, uma dinâmica impositiva do capital2, que é personificada no capitalista e se impõem à sociedade, de sugar tudo que estiver “livre e disponível”, assim como o fogo consome o carvão. E então, em seu movimento de expansão, se impõe aos seus pares capitalistas, pela via da competição, que se repita incansavelmente, sob a chantagem que senão cumprida a risca sua reprodução, levará a sua própria extinção. O capitalista é, portanto, apenas a personificação do capital.
“O capital só tem um impulso vital, o de valorizar-se, de criar mais-valia, de absorver com sua parte constante a maior massa possível de trabalho excedente3 (…) O movimento do capital é, portanto, sem limites”4, como diria Marx, e sua sanha exploratória, quando não há qualquer regulamentação, são suas “orgías”5. Essas orgías do capital só existem na medida que impedem qualquer possibilidade de permitir que os indivíduos da classe trabalhadora, cuja sua força de trabalho está marcada por essa relação social de exploração, possam obter ou compartilhar prazer.
Esse ponto de partida é essencial para se desenvolver uma análise anticapitalista, uma vez que este modelo determinado de sociedade, que materialmente se desenvolve pela economia, do qual buscamos superar, não está assentado em base a uma suposta maldade natural do homem6 ou um suposto “medo da diferença” intrínseco a novidade, mas sim nessas determinações econômicas que tecem de forma distintiva o conjunto das relações sociais que estão, como se sabe, definidas pelas classes sociais antagônicas de nosso tempo: a burguesia e o proletariado. E como disse recentemente a prof Silvana Mara, o capitalismo é essencialmente anti-diverso7.
Por isso definimos que a luta contra a repressão sexual, a bandeira pela livre construção da nossa sexualidade e identidade de gênero não está restrita a quem hoje se reconheça dentro da sigla LGBTQIAPN*, mas que é assunto para milhões de seres humanos explorados incansavelmente pelo chicote do capital, cuja sexualidade está condenada a ser um terreno baldio carente de fantasias e prazeres8. E cabe à classe trabalhadora tomar em suas mãos essa luta, compreendendo o direito ao prazer e a livre construção da identidade de gênero, como uma luta profunda por uma vida plena contra o capital e todo o disciplinamento produzido para perpetuar a sociedade de classe.
Em um momento marcado pelo retorno explícito da violência estatal contra a população LGBTQIAPN+, com representantes da extrema direita como Trump, Milei e Bolsonaro que perseguem, criminalizam e precarizam todos que desafiam a “ideologia de gênero” assentada pelas leis do capital, do roubo do trabalho e do tempo livre das massas, nos parece fundamental recuperar a tradição dos movimentos anticapitalistas surgidos ao calor das barricadas de Stonewall que gritavam pela libertação sexual (da humanidade), sem com isso retroceder um passo na luta por de direitos de inclusão (das identidades) que frente a crise capitalista se mostram cada vez mais efêmeros e frágeis. Com uma perspectiva revolucionária da classe trabalhadora, podemos ousar construir uma sexualidade superadora e não limitada às condições impostas pelo Estado capitalista.
Partimos então de uma pergunta genuína e espontânea de um imaginário coletivo: que crime eu cometi para merecer tamanho castigo?
Parte I – O cruzamento entre marxismo, diversidade sexual e luta de classes contra o Estado capitalista
Para a diversidade sexual e as dissidências de gênero, o Estado Capitalista apareceu historicamente como uma continuidade do legado de perseguição e punição da igreja à toda sexualidade que não respeitasse os interesses e a ordem dominante da época. Ora se impondo ora se complementando ao poder clerical, o Estado nação passou a exercer um papel claro da repressão e controle da sexualidade, apoiando-se em diferentes motivações, sejam elas religiosas ou morais, para garantir a sua dominação. Isso pode ser historicizado ao analisar os processos de formação dos Estados-Nação no século XVIII e XIX.
Entre eles, é sem dúvidas curioso ou interessante recuperar o complexo processo de formação do Estado Alemão, acompanhado de perto por Marx, cujas contradições de um caminho de uma unificação da Prússia, sem uma revolução “à la francesa”, isto é, que se baseasse numa mobilização do conjunto da sociedade para impor pela força uma mudança abrupta e total das relações sociais, expressavam por um lado a decadência da burguesia como classe social, que tão logo chegou ao poder, tão logo deixou de ter qualquer caráter progressivo. E por outro, que o impacto que a Revolução francesa gerou em suas colônias, em especial São Domingos (Haiti), foi compreendido, pela classe dominante, como um perigo a ser evitado.
O que essa experiência nos permite ver é que, não de forma secundária ou sem importância, atrelado ao surgimento da Alemanhã, como um instrumento da burguesia alemã para fortalecer seus interesses de classe, aparece a primeira luta contra esse aparato jurídico e de repressão, junto com diversos debates – com destaque à tradição socialista de estar na primeira fileira da defesa dos setores mais oprimidos – contra a regulamentação e proibição sobre a sexualidade humana dessa nova instituição, que de modo algum representava os interesses gerais da sociedade e tampouco a materialização da racionalidade.
Andrea D’atri em seu artigo “Das concepções teóricas e estratégias para lutar por uma sociedade não patriarcal”, ao debater com os contratualistas que buscaram justificar, em base a uma ideia fixa de bondade ou maldade inerente ao ser-humano, o surgimento dos Estados Capitalistas, chama a atenção de como se naturaliza o surgimento do Estado e da monogamia, isto é, o casamento perfeito do capitalismo e o patriarcado, como se as mulheres tivessem aceito livremente sua submissão aos homens. E retomando o método de Marx, diz:
Marx e Engels eram grandes críticos do falso universalismo de “igualdade” e “liberdade” proclamada pelo pensamento burguês, bem como da mítica separação liberal entre Estado e sociedade civil. Por sua vez, em suas elaborações integram uma análise crítica da relação entre o surgimento das classes sociais a partir do desenvolvimento da propriedade privada, com o surgimento da família e do Estado. Como aponta Engels, casamento monogâmico (estabelecido com este caráter apenas para as mulheres) foi a “grande derrota do sexo feminino”, e sua origem está vinculada historicamente à existência de uma classe proprietária emergente que vive à custa da exploração dos não-proprietários, mas que precisa do controle da capacidade reprodutiva das mulheres para garantir uma descendência legítima que, por sua vez, obtenha a herança dessas propriedades9.
Quando olhamos para o exemplo Alemão, o que ficou conhecido como Parágrafo 175 buscava atribuir ao Estado o direito (e o dever) de incindir sob a vida privada, as relações sexuais, definindo e caracterizando-as através dos seus interesses. Vejamos:
A versão de 1871 do Parágrafo 175 dizia: Atos sexuais não naturais (widernäturliche Unzucht) cometidos entre pessoas do sexo masculino, ou por humanos com animais, são puníveis com prisão; a perda de direitos civis também pode fazer parte da condenação.
Este Parágrafo 175, levou a perseguições e prisões de muitos homens que assumissem ou fossem flagrados tendo relações sexuais entre si, ainda que muitas das vezes não fosse possível confirmar tais acusações. Enquanto as mulheres estavam tão alheias de uma ideia de prazer ou sexualidade própria que parecia inconcebível criar qualquer regulamentação, uma vez que eram desumanamente tratadas como um apêndice, sem motivação própria, dos homens.
Um dos protagonistas da resistência a essa lei foi o Karl Heinrich Ulrich, que na compilação chamada “Four Letter to my kinsfolk” de 1862, que reúne 4 cartas cedidas pela irmã do ativista, o mesmo narra a sua luta contra a criminalização das relações sexo-afetivas entre dois homens. Em “La espada Furiosa – El Enigma de la Naturaleza del amor del Urning y el Error como legislador: um desafio a la asociación de juristas alemanes”, Ulrichs conta sobre os “Urnings” que define como “aqueles que sentem que seu amor sexual inato os conduzem sem exceção as pessoas do sexo masculino”, que segundo ele representaria uma parcela de 500 homens a cada 2000 alemães. Na introdução de seu livro, ele narra com orgulho o dia 29 de Agosto de 1867, quando subiu ao pódio da Associação de Juristas Alemães para defender os Urnings, apesar do medo10, o que se mantém como uma enorme fonte de inspiração para o combate contra o Estado e sua insistente regulamentação das nossas sexualidades.
Ainda em seu livro, há dois capítulos dedicados exclusivamente ao estudo sobre a legislação prussiana de repressão aos “sodomitas”. É muito interessante a relação que estabelece entre as justificativas morais que validam a criminalização contra aqueles que não domesticam seu desejo à ordem do capital, e a profunda relação entre essa opressão aberta e velada com os suicídios que dessa situação decorrem, demonstrando que os castigos destinados aos “Urnings” vão além do que está instituído pelas leis prussianas.
Esta mobilização na Prússia encontra eco no que então, era o principal partido socialista da II Internacional, a Social-democracia alemã, que através de seus parlamentares como August Bebel e Bernstein se posicionam contra a perseguição aos “Urnings”.
Em 13 de Janeiro de 1898, o líder do grande Partido Social-Democrata alemão, August Bebel, tomou a palavra no Reichstag, durante uma discussão sobre uma reforma do código penal, para defender uma petição que estava sendo divulgada pelo “Comitê Humanitário Científico”, pedindo a revogação da Lei alemã sobre a sodomia, contida no Parágrafo 175. O próprio Comitê Humanitário Científico (Wissenchaftlich-humanitäre Komitée), a primeira organização em defesa dos direitos dos homossexuais no mundo, tinha apenas 9 meses na época, tendo sido fundada em 15 de maio de 1897 por Magnus Hirschfeld, Max Spohr e Erich Oberg. A petição era a principal tática do Comitê para revogar Parágrafo 17511.
Um dos casos marcantes da época foi de Jean Baptiste Von Schweitzer que ao passear no parque junto ao seu companheiro acabou sendo preso por duas semanas e expulso de sua profissão de advogado por ser um “sodomita”. Alguns anos depois, o escritor Oscar Wilde, um dos dramaturgos mais populares de Londres, em 1890, foi preso por sodomia. O autor do célebre O Retrato de Dorian Gray foi condenado e preso por dois anos, de 1895 a 1897, com a punição-castigo de trabalhos forçados. Em 6 de abril de 1895, Wilde foi preso por “indecência grosseira” de acordo com a Seção 11 da Lei de Emenda da Lei Criminal de 1885, um termo que significava atos homossexuais que não equivaleriam à sodomia, um “delito” sob uma lei separada.
Eduard Bernstein escreveu “O julgamento de uma relação sexual anormal”12, demonstrando se conectando e defendendo aos setores mais oprimidos. Em seu texto, ao substituir anti-natural por anormal (alheio a norma), Berntsein historiciza as distintas relações sexuais com as determinadas formas de vida coletiva para questionar os fundamentos moralistas que justificaram a criminalização daqueles que se relacionavam sem objetivo de procriação ou mesmo entre dois homens.
E sua conclusão foi de que: “Devemos apenas constatar que a relação sexual anormal é tão antiga, tão difundida, e pode ser encontrada em nível cultural tão diverso, que não se pode dizer com um mínimo grau de segurança que tenha estado ausente em algum estágio do desenvolvimento cultural humano”.
Neste longo artigo, recusou-se a visão naturalista da sexualidade, afirmando que “O argumento que [os homossexuais] são anti naturais, não diz nada. Pois é anti-natural assim como a capacidade da escrita. A relação entre natural e anti-natural está, de fundo, relacionada com o desenvolvimento da sociedade“. A rejeição da moralidade “naturalista” essencializada não era uma qualidade extraordinária de Bernstein, mas sim a sua conexão com a tradição revolucionária, que se baseava no método materialista dialético que buscava através da análise das condições concretas descobrir as ideias que as justificaram, isso é, se apoiar nas investigações de Morgan e Engels sobre as distintas formas de organização social e familiar, da pluralidade e diversidade de formas e sua relação com o desenvolvimento econômico e político determinado.
Essa antecipação décadas a frente de como encarar um tema que aparecia como “novidade” na legislação e entre os movimentos sociais, num momento onde o patriarcado e toda a inferiorização do sexo feminino era um senso comum, que só encontrava contraponto entre os socialistas, tem continuidade na tradição marxista com um salto revolucionário na maior experiência de libertação feminina da história, a Revolução Russa, onde se materializaram um sem fim de possibilidades e discussões sobre o futuro da sexualidade, com diferentes publicações como O Combate Sexual da Juventude de William Reich. Podemos afirmar, que essa capacidade impar do marxismo, como uma ciência revolucionária, depois foi distorcida e diretamente negada por expressões abertamente homofóbicas como o stalinismo, que apesar das tentativas envergonhadas de justificar a recriminalização da homossexualidade em 1934 com os limites do “pensamento da época”, como se pôde ver, pouco se sustenta em base a toda a tradição revolucionária, que não apenas esteve na linha de frente desde o século XIX, como não irônicamente, foram os bolcheviques aqueles que descriminalizaram a homossexualidade poucos anos apos a revolução de 1917. Mas este tema será desenvolvido em nosso próximo artigo.
Importante dizer também que ainda que Eduard Bernstein tenha se posicionado contra a criminalização das relações entre pessoas do mesmo sexo, é preciso destacar que sua atuação se deu no marco de uma social-democracia em processo de acomodação institucional, cuja orientação reformista traíra a a tradição revolucionária do marxismo. Seu esforço em historicizar a sexualidade e recusar a moralidade naturalista não foi uma iniciativa isolada, mas expressão de um acúmulo coletivo da tradição operária e socialista em defesa dos setores oprimidos. Infelizmente, ao romper com o marxismo revolucionário, Bernstein reduziu aquilo que deveria ser parte orgânica de uma estratégia de transformação radical a uma sensibilidade ilustrada, desvinculada de qualquer projeto de emancipação. A evolução burocrática que culminaria na traição da social-democracia ao aprovar os créditos de guerra em 1914 também representou o abandono de uma tradição que articula os dilemas de todos os oprimidos com uma estratégia operária independente. Será com os bolcheviques, especialmente em autoras como Alexandra Kollontai e na legislação soviética, a mais progressista do mundo naquele momento, que a crítica à opressão de gênero e sexualidade será retomada como parte constitutiva de um horizonte socialista.
Ainda assim, não é menor mencionar que Alexandra Kollontai foi uma das bolcheviques mais determinadas em elaborar teoricamente sobre o tema do amor livre e argumenta com uma compressão marxista espetacular em seu texto Abram Alas Para o Eros Alado que:
“[em] todos os estágios do desenvolvimento histórico, a sociedade estabeleceu normas que definem quando e sob qual circunstância o amor é ‘legal’ (ou seja, corresponde aos interesses de um dado setor social) e quando e sob qual circunstância o amor é pecaminoso e criminoso (ou seja, contradiz os anseios de dada sociedade)”.
Mas ainda que não nos debruçamos agora no processo da Revolução Russa que gerou um Estado de novo tipo, baseado nos soviets como mecanismo de auto-organização da classe trabalhadora como classe dominante, é certo que em seus primeiros anos aboliu todas as leis que criminalizavam a homossexualidade, a sodomia e a realização de abortos, acompanhada dos distintos direitos registrados de que pessoas assumissem nomes masculinos dentro dos exércitos revolucionários e a realização pioneira de cirurgias de redesignação sexual evidenciaram o choque do atraso do capitalismo que mantinha não apenas na Alemanha o Paragrafo 175, mas em dezenas de outros países a criminalização e perseguição aberta ao amor livre. Esse avanço histórico se combinou a uma disputa aberta entre revoluções e contrarevoluções por todo o globo, e inclusive, internamente na União Soviética.
O século XX – que custou décadas e décadas para retirar a homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças, realizando apenas em 1990, quando a Assembleia Geral da Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou oficialmente que “a homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio” – não foi capaz de descriminalizar a homossexualidade em suas legislações ao redor do globo, mantendo até os dias de hoje mais de 60 países com leis discriminatórias, com ao menos 7 países com pena de morte.
O século XX conviveu com ditaduras na América Latina13 que tiveram fortes resistência da classe trabalhadora e o surgimento de ativismo pela diversidade sexual, como o surgimento da Frente de Libertação Homossexual (FLH) na Argentina e o grupo SOMOS, o grupo Lésbico-Feminista (LF) e Ação Lésbica-Feminista (GALF) no Brasil. Esses processos que merecem um artigo próprio, não foram casos isolados. Como dizia Engels: “É um fato curioso que a cada grande movimento revolucionário venha à tona a questão do ‘amor livre’.14 ” Apesar disso, mesmo a resistência aos regimes ditatoriais, as revoltas nos bares contra as legislações norte-americanas que eram recorrentes nos anos 60, tendo StoneWall se tornado a referência, ou mesmo a batalha dos movimentos contra as milionárias indústrias farmacêuticas lideradas pelo Act Up nos EUA e na França, não são incorporadas como parte do embate da luta de classes. Isso se deve em grande medida às narrativas históricas que partem de uma visão liberal, onde os sujeitos históricos são os Estados nacionais, seus governantes e os indivíduos isolados, sem qualquer pertencimento de classe.
Em cada um desses processos, novamente o Estado capitalista como poder concentrado da economia das ditaduras capitalistas contra as massas trabalhadoras exerceu papel preponderante, de nada secundário ou “disperso”, mas abertamente repressor. E reservou àqueles que exerciam uma sexualidade ou identidade não conformada aos padrões morais da classe dominante uma crueldade a mais.
Chama atenção que essas resistências não possuíam uma radicalidade apenas na forma, mas também no conteúdo profundamente anticapitalista. Os Manifestos da Frente de Libertação Homossexual argentina conhecidos pelo Panfleto Sexo y Revolucion, como o Manifesto da Frente Homossexual de Ação Revolucionária (FHAR) francesa poucos anos após o ardente Maio de 68, assim como as decisões profundamente pró operárias de uma ala do movimento LGBT, com o Somos no Brasil se dirigindo a Assembleia dos Metalurgicos no 1º de Maio de 1980 e o surgimento do grupo inglês Gays e Lésbicas em Apoio aos Mineiros (GSLM) contra Margareth Tatcher deixam inquestionavelmente o papel das diversidades na linha de frente da luta de classes.
Parte II – O Estado é responsável por todos os “castigos secretos” que entrelaçam a longa cadeia de violências ao seu último elo dos transfeminicidios
Partindo da concepção materialista da história, as décadas de luta das pessoas trans, e da comunidade LGBTQIAPN+ acompanhadas do imparável movimento feminista internacional e da crescente luta anti-racista por todo o mundo, impôs a noção de que a transfobia é uma opressão existente e brutal. Todavia, essa concepção é constantemente refutada pelas lideranças da “Internacional reacionária” de Trump, Milei e Bolsonaro que se auto-definem inimigos da “ideologia de gênero”, quando fazem justamente é reforçar com medidas concretas o aumento da desigualdade de gênero, vulnerabilidade social, retirada de direitos e a incitação aberta ao ódio e a violência.
Quando os Estados capitalistas começaram a reconhecer a existência da diversidade sexual e de gênero foi para alertar de uma ameaça às “mulheres e crianças”. Novamente sob a influência e hegemonia da extrema-direita, esse reconhecimento para a discriminação, aparece como uma espécie de reação aos movimentos sociais, em especial, feminista e LGBTQIAP, se materializam nas cruzadas contra a ideologia de gênero e utilizam esses aparatos jurídicos, as forças repressivas e seus instrumentos legais para perpetuar a cadeia de violências que estruturam a opressão. Essas não são ideias novas, mas são ideias que ganharam muito mais força social, em base a uma discussão contra supostos privilégios – que se tratam na verdade de direitos conquistados pela luta desses setores. Um discurso que serve de demagogia sobre aqueles que não são beneficiários dessas ações de reparação social, e que atravessam a crise econômica perdendo direitos importantes, e que encontram nos setores oprimidos, já bastante incididos sob a ideologia dominante e os preconceitos acumulados, os bodes expiatórios perfeitos para se definir um culpado. Essa forma de traduzir a conquistas de direitos de grupos oprimidos como justificativa pra realidade econômica em crise, dando uma explicação reacionária de que há setores privilegiados, é onde se desenvolve a divisão no interior da classe trabalhadora, uma tarefa estratégica para a classe dominante, que num momento de neoliberalismo em crise, vê sua divisão profunda entre a classe trabalhadora e os movimentos sociais em risco.
A escolha de um alvo minoritário frente às angústias e ataques aos direitos econômicos das grandes massas tem sido o tom da extrema direita, e demonstra o papel dos preconceitos e violências para perpetuar a divisão no interior da classe trabalhadora. A essa ideia, Nancy Fraser tem chamado de neoliberalismo progressista (direitos democráticos + ataques às condições de vida das grandes massas). No caso brasileiro, poderíamos ver essa mesma relação, mas com sinais contrários, como a contradição do avanço significativo de direitos elementares para a comunidade trans em meio ao golpe institucional de 201615, e a intersecção entre as contra-reformas trabalhista e da previdência, além da terceirização irrestrita, e medidas democráticas elementares que não revertem o impacto que os ataques aos direitos econômicos terão sob os grupos marginalizados com ainda mais virulência.
Mesmo os países que não possuem legislações abertamente LGBTQIAPfóbicas, como o caso brasileiro, que até criminaliza a discriminação, o nível de violência é assustador. Liderando os hackings de assassinatos e transfeminicidios, o Brasil demonstra o papel do Estado na perpetuação de “castigos secretos, as punições secretas da sociedade burguesa, são mais cruéis do que as públicas, aquelas proclamadas pelas leis.”16
O crescimento do discurso reacionário que encontra sustentação no fortalecimento do fundamentalismo evangélico e nas tentativas de recomposição da igreja católica manchada pelos inúmeros casos de corrupção e abusos sexuais, revela a incapacidade do capitalismo levar suas tendências até o final. Como Marx afirmava em seu panfleto do Manifesto Comunista, a burguesia, que para conquistar o poder político teve de erguer uma batalha contra o império da Igreja Católica, hoje depende fundamentalmente desse sistema de dominação. O que revela o caráter decadente e desesperado da classe dominante para manter sua hegemonia num mundo marcado pela crise do neoliberalismo, a fadiga imperial norte-americana e as tensões militares ao redor do mundo.
Mas para além dos casos onde o Estado diretamente criminaliza – e assim se apresenta como agente direto da repressão sexual e do disciplinamento do prazer à serviço da dominação do regime de exploração do trabalho – ou dos casos onde o Estado busca deslegitimar a nossa existência, como senão existissemos, até sob os casos onde o Estado passa a defender medidas punitivas as formas de discriminação, como a criminalização da LGBTfobia no Brasil, há que se análisar o papel do Estado de forma profunda na perpetuação, sistematização e estruturação da opressão. Pra isso, é muito brilhante a analogia com os estudos de Marx sobre o suicídio, que em sua aparência parece tratar-se de uma decisião individual e assentada sobre dores pessoais que talvez não possam ser compreendidas.
Na literatura marxista, a concepção de Estado esteve resolvida já em 1848 com o Manifesto Comunista que dizia se tratar “do balcão de negócios para gerir os interesses da classe burguesa”, mas Engels historicizou e aprofundou esse posicionamento em A Origem da Família, da propriedade privada e do Estado:
É antes um produto da sociedade quando esta chega a determinado grau de desenvolvimento; é a confissão de que essa sociedade se enredou numa irremediável contradição com ela própria e está dividida por antagonismos inconciliáveis que não consegue conjurar. Mas para que esses antagonismos, essas classes com interesses econômicos colidentes, não se devorem e não consumam a sociedade numa luta estéril, faz-se necessário um poder colocado aparentemente por cima da sociedade, chamado a amortecer o choque e a mantê-lo dentro dos limites da “ordem”. Esse poder, nascido da sociedade, mas posto acima dela se distanciando cada vez mais, é o Estado.
Vladímir Lênin em sua obra clássica O Estado e a Revolução afirmou:
(…) os ideólogos burgueses, especialmente os pequeno-burgueses – obrigados pela pressão de fatos históricos incontestáveis a reconhecer que o Estado existe apenas se existem contradições de classe e luta de classes –, “corrigem” Marx de tal maneira que o Estado aparece como órgão de conciliação de classes. Segundo Marx, o Estado não poderia surgir nem se manter caso a conciliação de classes fosse possível.
Que coincidência com os tempos atuais, não?
E continua…
Segundo Marx, o Estado é um órgão de dominação de classe, um órgão de opressão de uma classe por outra, é a criação da “ordem” que legaliza e consolida essa opressão, moderando o conflito das classes. Na concepção dos políticos pequeno-burgueses, a ordem é justamente a conciliação das classes, não a opressão de uma classe por outra; moderar o conflito significa conciliar, não tirar das classes oprimidas determinados meios e processos de luta por meio da derrubada dos opressores. (…) se o Estado é o produto do caráter inconciliável das contradições de classe, se ele é uma força que está acima da sociedade e “cada vez mais se aliena da sociedade”, então é evidente que a emancipação da classe oprimida é impossível não só sem uma revolução violenta, mas também sem o extermínio daquele aparelho do poder de Estado que foi criado pela classe dominante e no qual está encarnada essa “alienação”. Como veremos adiante, Marx chegou a essa conclusão, teoricamente clara por si mesma, com a mais completa precisão, baseando-se na análise histórica concreta das tarefas da revolução.17
Apesar da constante relação entre violência e opressão do Estado capitalista com as LGBTQIAPN+, desde a queda do muro de Berlim e a ascensão do neoliberalismo, se impôs junto as teorias de fim da história acompanhada do discurso triunfalista do capitalismo sob o socialismo, uma ideia constante de que o Estado capitalista teria se tornado um espaço de disputa, num mundo sem horizonte de grandes transformações sociais. Sob um ceticismo e um derrotismo histórico, só restou a disputa para amenizar os sintomas, numa realidade supostamente marcada pela impossibilidade de novas revoluções.
Todo tipo de reformismo e neo reformismo buscou potencializar essa inversão da teoria marxista, onde o Estado Capitalista que expressava de forma categórica a realidade da impossibilidade de conciliar os interesses da burguesia por explorar e tirar o sangue da classe trabalhadora em nome dos seus lucros e os interesses da classe trabalhadora de se livrar das correntes do capital, para justamente uma ideia do Estado ser o lugar para conciliação, ou seja, um árbitro para mediar os antagonismos e buscar um “equilíbrio” na ganância capitalista.
A consequência disso para os movimentos sociais, em particular o feminista, foi decisiva para entendermos a situação atual, como nos explica Andrea Datri:
Ao mesmo tempo, durante estes anos de reação (e “progressismo”) neoliberal, a feminilidade ficou essencialmente definida em função da vulnerabilidade sexual: o assédio, os estupros, os efeitos nocivos da pornografia… Sob este paradigma, parece que as mulheres deveriam ser “protegidas”, por seu caráter de vítimas a priori impotentes e passivas, diante de uma sexualidade masculina ativamente predatória, mas igualmente essencializada e naturalizada. As mulheres que tiveram que conquistar com um esforço árduo seu reconhecimento político, ao longo da história, agora estão restritas a se apresentar como objetos de queixa, da ofensa e da dor infringida por outros.18
Mas se justamente o Estado propõe uma visão de mulher e do feminino com esse centro na fragilidade, muitos se perguntam porque os feminicidios e transfeminicidios não são evitados. Em primeiro lugar, porque as instituições punitivas e de proteção não estão isoladas da divisão social e econômica de classe, isto é, não estão acima das determinações sociais concretas como “arbitros da realidade” a serviço de valores abstratos como justiça, igualdade social ou direitos civis. Pelo contrário, a polícia como instituição que representa o braço armado deste Estado capitalista, a sua “não-proteção”, ou diretamente sua participação direta ou indireta na violência está explicada teoricamente por Engels de que:
O segundo traço característico é a instituição de uma força pública, que já não mais se identifica com o povo em armas. A necessidade dessa força pública especial deriva da divisão da sociedade em classes, que impossibilita qualquer organização armada espontânea da população. […] Essa força pública existe em todo Estado; é formada não só de homens armados, como, ainda, de acessórios materiais, os cárceres e as instituições coercitivas de todo gênero, desconhecidos pela sociedade da gens. (…) O exército permanente e a polícia são os principais instrumentos da força do poder de Estado, mas… como poderia ser de outra maneira? (A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado)
Ou seja a violência longe de uma ação espontânea e impensada ou de um ódio sem sentido ou um ressentimento individual, está localizada como último elo da cadeia de violências é resultado de uma estruturação da sociedade de classe que é, em seu DNA, anti-diversa e contra a liberdade sexual, como explicamos acima.
Desde o nascimento, a sociedade descreve os corpos com prescrições de comportamento com um gênero atrelado a genitália e uma sexualidade hetero naturalizamente cristalizada e inquestionável, “até que se prove o contrário” (e sujeito a castigos). São nos primeiros anos de vida que a família cumpre seu papel, junto ao Estado e as instituições de ensino, de domesticar os corpos, ensinar as regras “do convívio social”… E é em base a essa longa cadeia de naturalizações e inferiorização que se apoiam cada um dos individuos que cometem barbaridades. Por isso que dizemos que o Estado é responsável, pois as mãos sujas de sangue dos individuos não revelam todo o caminho que promoveu aquele assassinato. E depois, a impunidade garantida – especialmente quando se tratam de policiais como o caso da Veronica Bolina e da Laura Vermont. Ou seja, não se trata de um assasinato de um indivíduo contra o outro, como se a sociedade fosse essa receita liberal de uma junção de indivíduos livres + Estado, mas sim, de um Estado capitalista que organiza e disciplina a sociedade à serviço da ordem da exploração, do qual as opressões são imprescindíveis para a manutenção deste sistema.
E é importante ver que o tecido social que permite a longa cadeia de violências que tem como último elo esses crimes bárbaros e aterrorizantes, é renovado todos os dias em base a relações materiais que reforçam que nossos corpos não valem nada. São uma esmagadora maioria de pessoas trans que se submetem a prostituição compulsória antes de atingirem os 18 anos, em troca do acesso as transformações dos seus corpos por cafetinas. São milhares de trabalhadores LGBT sufocado no armário em seus locais de trabalho, que quando se rebelam, tem o telemarketing e postos terceirizados de limpeza como única opção para vender sua força de trabalho. São milhares cujo o entrelaçamento entre LGBTfobia, misoginia e racismo deixam marcado os limites que se pode cruzar, num país onde o trabalho de mulheres negras vale ⅔ a menos que dos homens brancos.
As teorias que buscam tratar o Estado capitalista como se não tivesse responsabilidade na perpetuação e legitimação da violência machista, das mortes por abortos clandestinos ou, inclusive, da reprodução opressiva de papéis de gênero estereotipados por meio de múltiplas instituições, descartam os dados objetivos do impacto do desinvestimento crescente nas areas públicas de saúde, educação e cultura e suas consecutivas privatizações, restrigindo ainda mais o acesso das populações presentemente marginalizadas. O Estado que se apresenta tutelando as mulheres, supostamente velando por sua integridade física e moral através do sistema punitivo, busca ocultar justamente que foi a luta das mulheres organizadas a que desvendou a naturalização da violência patriarcal e exigiu reparação para as vítimas.
O caso da travesti Kelly, que arrancaram seu coração e o substituiram por uma santa, o caso Dandara, que 6 jovens espancaram e filmaram sua tortura até a morte, o caso Veronica Bolina, com os policiais agredindo e humilhando com fotos orgulhosas, ou da Laura Vermont ganharam visibilidade, e a impunidade como regra e não exceção, é outra face do papel estatal dos transfeminicidios.
Como viemos dizendo, a comunidade LGBTQIAPN+ se tornou um bode expiatório da extrema direita, não apenas porque é um problema que nossa sexualidade não esteja restrita exclusivamente pelos interesses do capital, mas também porque a identidade orgulhosa é uma potencial força moral que não se submete facilmente a obediência da exploração, com salários e piores condições de trabalho, algo elementar na lógica do capital de potencializar seus lucros. Quem enfrentaria os olhares, os risos, os xingamentos por ser uma pessoas trans, e se calaria frente a tentativa de receber menos ou sem direitos trabalhistas?
Por isso as humilhações recorrentes para tarefas do dia-a-dia como frequentar a escola, postos de saúde, supermercados ou andar nos transportes públicos, nem falar no acesso a direitos elementares como a mudança de nome ou o acesso a hormoterapias e cirurgias. Cada um desses sofrimentos, está a serviço de desmoralizar qualquer ímpeto revolucionário impondo a resignação e desmoralização ao mesmo tempo que a classe dominante precisa manter constantemente a divisão da classe trabalhadora, através dos preconceitos e discriminações incentivadas. Por isso que frente a violência física ou psicológica, o Estado capitalista não está isento.
Enquanto os reformistas assimilaram esse discurso sob seus próprios interesses de se apossar das máquinas do Estado, para se tornar diretamente seus agentes da administração deste sistema de opressão e exploração, as variadas teorias pós-modernas, que retiram do Estado a fonte do poder e dominação da classe burguesa para um poder assimétrico e diluído no conjunto dos indivíduos, buscaram tirar do horizonte os problemas de estratégia Isto é, sem um inimigo claro não há o que combater ou superar, mas apenas atuar sob o labirinto das eternas e limitadas resistência parciais, que buscam melhorar a vida de uma parcela da população convivendo e aceitando que a maioria siga destinada aos sofrimentos e humilhações.
Como nos lembrou Andrea Datri19: “A resistência é um ato de insubordinação, mas, como diz lucidamente Daniel Bensaïd – “é em primeiro lugar, um ato de conservação, a defesa encarniçada de uma integridade ameaçada pela destruição”.
Recorrendo novamente a obra clássica de Marx que foi concluída por seu companheiro, Friedrich Engels, A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, Lenin recuperou suas principais citações, para demonstrar de forma definitiva contra os anarquistas, que o Estado capitalista não é suscetível de reformas ou de apropriação pela classe trabalhadora, mas sim um inimigo central, que deve ser combatido e aniquilado. O Estado como instrumento de dominação de classe, significa que o Estado expressa uma determinada correlação de forças entre a burguesia e a classe trabalhadora, as duas classes fundamentais da sociedade capitalista. Essa visão materialista dialética sobre o Estado, que contraria as visões liberais do Estado como um agente separado da sociedade civil e “acima” dela como argumentam os contratualistas, é também um contraponto a um marxismo vulgar (ou diretamente sua negação, como o caso stalinista) que inversamente, quando se trata do Estado proletário, este perde suas determinações sociais para se tornar um “guardião” do socialismo, e não uma relação de forças determinada com a classe trabalhadora exercendo a sua ditadura contra a burguesia, o que obviamente não exclui a sua existência, caso assim o fosse, não haveria também necessidade de Estado algum.
Tais debates entre os comunistas como Marx, Engels, Lenin e Trotsky contra os reformistas e os revisores do marxismo revolucionário são pontos de partida indispensáveis para uma teoria renovada da libertação sexual e de gênero. Se os movimentos que pediam “inclusão e tolerância” pareciam mais “realistas” nos anos 90 e 2000, hoje em dia manter ilusões de que é possível algum tipo de inclusão num mundo marcado por Trumps e Bolsonaros, parece uma perspectiva utópica, para não dizer ingênua.
Não só não é possível dentro do capitalismo uma inclusão plena das LGBts, pois isso se trataria de imediato, uma garantia a uma livre sexualidade, e portanto, uma reivindicação de mais tempo livre para construí-la, o que vai contra a lógica imperiosa do capital, de que todo o tempo é tempo de exploração. Como a simples existência humana está ameaçada pela crise ambiental que produz tragédias capitalistas de grandes proporções e um mundo que insiste em desfazer todo o mito do “fim da história” e toda a cortina de fumaça neoliberal que pregava o fim das guerras ou um futuro “harmonioso” de um capitalismo triunfalista.
Com a guerra da Ucrânia, o genocídio na palestina e a guerra de Israel e Irã, com protagonismo norte-americano, se fortalecem sinais de uma situação muito convulsiva e instável, que somada a ofensiva militarista, recolocam com toda a força o ressurgimento do período de crises, guerras e possíveis revoluções. Eis aqui, o terreno dos revolucionários, atuar sob as mudanças abruptas da realidade cada vez mais convulsiva e instável, buscando fortalecer a luta de classes com um programa revolucionário baseado na auto-organização da classe trabalhadora, para arrancar todas as condições materiais para o livre desenvolvimento da nossa sexualidade e das nossas identidades de gênero, o que só é possível com uma luta decidida contra o capital que organiza a sociedade à serviço da sua acumulação.
Cabe, a diversidade sexual, o papel de vanguarda revolucionária para forjar uma organização da classe trabalhadora profundamente internacionalista, com um programa anticapitalista, para colocar abaixo os Estados Capitalistas ao redor do mundo, para abrir caminho a uma sociedade capaz de permitir uma vida verdadeiramente plena, onde nossa sexualidade encontre harmonia com um prazer inesgotável de redefinir a ideia de humanidade, sem classes sociais, sem opressão e sem exploração. É desta tradição, que também em Junho, dizemos que temos ORGULHO.
NOTAS
1. “O valor não pode ser valorizado, não pode, portanto, converter-se em capital, a não ser que vá a um mercado e aí encontre uma mercadoria cujo próprio valor de uso possua a propriedade específica de ser fonte de valor, ou seja, cujo consumo real seja, ele mesmo, objetivação de trabalho e, portanto, criação de valor.” (O Capital, Livro I, Capítulo IV)
2. “A acumulação do capital, portanto, só se mantém na medida em que o capitalista constantemente converte uma parte de sua mais-valia em capital adicional, ou seja, ele próprio se torna, de forma contínua, o agente da acumulação.” (O Capital, Livro I, Capítulo XXIV)
3. (O Capital, Livro I, Capítulo XXIV)
4. (O Capital, Livro I, Capítulo IV)
5. “Todas as fronteiras estabelecidas pela moral e pela natureza, pela idade e pelo sexo, pelo dia e pela noite foram destruídas. As próprias ideias de dia e noite, rusticamente simples nos velhos estatutos, desvaneceram-se tanto que um juiz inglês, em 1860, teve de empregar uma argúcia verdadeiramente tamúdica para definir juridicamente o que era dia e o que era noite. Eram as orgias do Capital”. (Vide Jugement of Mr. J. H. Otway, Belfast, Hilary Sessions, Country Antrim 1860) – (O Capital, Livro I, pág 320).
6. https://esquerdadiario.com.br/ideiasdeesquerda/?p=808
7. https://www.casamarx.com.br/revista/11-05-2025/casa-marx-entrevista-marxismo-e-diversidade-sexual-com-silvana-mara-dos-santos/
8. https://www.esquerdadiario.com.br/O-desejo-sob-suspeita
9. https://esquerdadiario.com.br/ideiasdeesquerda/?p=808
10. “Hasta el día de mi muerte recordaré con orgullo cuando el 29 de agosto, 1867, tuve el valor de enfrentarme con la batalla en contra del espectro de una hydra viejísima y colérica que por tiempo inmemorial ha estado inyectando veneno en mí y en los hombres de mi naturaleza. Muchos se suicidaron porque toda la felicidad en sus vidas estaba destruida. De hecho, estoy orgulloso que tuve el valor de darle el primer golpe a la hydra del desprecio público. Lo que me dio la fuerza de subir al podio en la Asociación de Juristas Alemanes era que me di cuenta que en ese mismo instante la mirada lejana de hombres como yo estaba fijada en mí. ¿Por su confianza en mí, debía yo darles una muestra de cobardía? Lo que me dio fuerza también eran mis pensamientos recientes y todavía ardientes de un suicidio causado por el sistema dirigente, en Bremen en 1866. Y también una carta que recibí al dirigirme a nuestra sesión, informándome que un colega había comentado de mí, “Numa tiene miedo de ponerse en acción.” A pesar de todo esto, unos momentos de debilidad siguieron atacándome, y una voz perversa susurró en mi oido:
“Todavía hay tiempo para callarte, Numa. Solamente necesitas renunciar las palabras que has preparado. ¡Entonces tus palpitaciones de corazón cesarán!” Pero luego me pareció como si otra voz empezara a susurrarme. Era la advertencia de no callarme, la voz que había advertido a mi predecesor Heinrich Hössli en Glarus [Suiza] treinta años antes, y que en ese momento resonaba fuerte en mi mente con todo poder: “Dos senderos están delante de mí: escribir este libro y exponerme a la persecución, o no escribirlo y estar lleno de culpa a mi entierro. Seguramente me he enfrentado con la tentación de dejar de escribir. Pero luego me aparecerían las imágenes de Platón y los poetas y los héroes griegos, los que habían sido parte de la naturaleza de Eros y en ella se hicieron lo que podrían ser para la humanidad. “Y al lado de estas imágenes vi delante de mí lo que hemos causado que les pasara a tales hombres. ¡Delante de mis ojos aparecieron las imágenes de los perseguidos y de los ya malditos que todavía no han nacido, y percibí a las madres infelices al lado de sus cunas que mecían a sus niños malditos e inocentes! Y luego vi a nuestros jueces con los ojos vendados. Por fin me imaginé de mi sepultero deslizando la cubierta de mi ataúd sobre mi cara fría. “Entonces, antes de esclavizarme a él, el deseo sobrepoderoso de levantarme y de defender la verdad oprimida me venció con todo su poder. “Y así seguí escribiendo con los ojos resueltamente desviados de los que trabajaban para mi destrucción. No tengo que escoger entre callarme o hablar. Me digo a mí mismo: ¡Hable o quédese juzgado!” (Karl Heinrich Ulrich – La espada Furiosa – El Enigma de la Naturaleza del amor del Urning y el Error como legislador: um desafio a la asociación de juristas alemanes)
11. https://marxists.architexturez.net/portugues/bebel/1898/01/13.htm
12. https://www.marxists.org/portugues/bernstein/1895/05/06.htm
13. https://www.esquerdadiario.com.br/A-repressao-sexual-e-identitaria-da-ditadura-militar-a-democracia-Parte-I
14. Friedrich Engels, in Christopher Hill, The World Turned Upside Down: Radical Ideas During The English Revolution (Nova York, Penguin Books, 1975), p306
15. https://www.esquerdadiario.com.br/No-Brasil-de-Bolsonaro-nao-temos-nada-a-perder-Lutemos-por-uma-Assembleia-Constituinte-Livre-e
16. Sobre o Suicídio – Karl Marx de 1846.
17. Lênin, Vladímir I.. O Estado e a revolução (Portuguese Edition) (pp. 30-31-32). Boitempo Editorial. Edição do Kindle.
18. https://www.esquerdadiario.com.br/O-desejo-sob-suspeita
19. https://www.esquerdadiario.com.br/Feminismos-populares-resistencia-ou-revolucao-permanente