Revista Casa Marx

Dia mundial do Meio Ambiente: salvar o planeta não cabe nos acordos dos organismos multilaterais capitalistas

Cris Santos

No dia 5 de junho se comemora o Dia Mundial do Meio Ambiente, data estabelecida pela Organização das Nações Unidas em 1972. A data marca o início da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, realizada em Estocolmo, na Suécia e que foi o primeiro encontro internacional promovido pela ONU com o objetivo de discutir questões ambientais em escala global. Naquele momento, o debate sobre a questão ambiental já se dava principalmente a partir  das novas descobertas sobre a nocividade do dióxido de carbono na atmosfera. 

Um marco importante foi a publicação do oceanógrafo norte-americano Roger Revelle e do químico austro-americano Hans Suess, que reuniram seus campos de estudo e publicaram um trabalho em 1958 que constatou que o dióxido de carbono de fontes industriais, produzido pela queima de combustíveis fósseis, não poderia ser absorvido rapidamente pelos oceanos1. Porém, a primeira demonstração da nocividade do dióxido de carbono na atmosfera foi feita já em 1896 pelo químico sueco Svante Arrhenius, considerado o primeiro cientista a reconhecer o efeito estufa como a causa do aquecimento global. O motor à combustão, que será base para a indústria automobilística, tinha sido inventado apenas há 20 anos desta constatação, em 18762. A produção em massa de automóveis tem como marco o ano de 1913, com a introdução da linha de montagem móvel pela Ford em suas fábricas, ou seja, mesmo o conhecimento científico já tendo comprovado há ao menos 17 anos sobre os riscos da emissão de CO2 na atmosfera, isso não significou nenhum freio para Henry Ford, que chegou a ser um dos maiores capitalistas do início do século XX e uma das pessoas mais ricas do mundo, introduzir no mercado milhões de máquinas individuais de produção de CO2.

Mesmo antes da segunda revolução industrial que transformou o automóvel no ícone do sonho americano, a rapina capitalista já tinha encontrado na queima de combustíveis fósseis seu potente motor. Segundo o marxista Andreas Malm, a primeira grande demonstração do poder destrutivo da frota naval britânica movida a carvão mineral se deu contra a cidade palestina de Akka em 18403. Hoje estamos assistindo ao vivo um dos maiores genocídios da história com o sistemático ataque do estado genocida de Israel contra a Palestina, movido em parte com combustível feito a partir do petróleo brasileiro, enquanto o governo Lula não faz nada além de discursos floreados e insiste em manter as relações econômicas e militares com Israel. Para além desse fato, temos que considerar também que a guerra é uma grande emissora de dióxido de carbono na atmosfera. Ainda segundo Malm, um estudo de 2024 coloca que as emissões causadas apenas nos primeiros setenta dias da atual guerra de Israel contra a Palestina equivaleu às emissões anuais de 33 países. No mesmo sentido, mais de 5%  das emissões anuais de CO2 em todo o mundo se originam  da atividade militar em “tempos de paz”, o que faz do exército estadunidense, por exemplo, o “maior usuário institucional de combustíveis fósseis do mundo e, portanto, o maior emissor de gases de efeito estufa do mundo”.

Estamos neste momento em um mundo cruzado por uma guerra que já perdura por mais de três anos dentro da Europa com a invasão da Ucrânia pela Rússia, um genocídio impensável para a geração que cresceu lendo, ouvindo e assistindo sobre os horrores do holocausto e nesta semana, uma nova ofensiva de Israel contra o Irã – também com o apoio dos Estados Unidos – adicionando elementos ainda mais perigosos na já convulsiva situação mundial. Neste contexto, um elemento que fica cada vez mais evidente é a nula capacidade dos organismos multilaterais de darem qualquer resposta, já que são dirigidas pelos mesmos países que estão financiando estas guerras ao mesmo tempo em que estão imbricados em uma corrida armamentista comparável apenas com os anos da Guerra Fria. Quando olhamos este quadro,  53 anos depois da ONU ter promulgado o 5 de junho como dia mundial do meio ambiente, fica cada vez mais evidente que o objetivo destes organismos nunca foi proteger a vida na terra, ao menos não a vida da maioria.

Todos os anos quando pensamos em desenvolver um artigo sobre esta data, novos eventos extremos se somam nas listas das catástrofes climáticas criados pela ação do ser humano sob o capitalismo. Fortes inundações em Valência, na Espanha, que deixou 92 pessoas mortas em 2024 e os incêndios que engoliram as mansões de Hollywood e bairros inteiros em Los Angeles, Estados Unidos, nos quais 27 pessoas morreram, a maioria delas, pessoas comuns, principalmente idosos. Inundações no Sul do Brasil e mortes por hipotermia no inverno paulistano. Estimativas do Banco Mundial colocam que mais de 200 milhões de pessoas terão que abandonar seus países até 2050 por causa dos eventos climáticos extremos, se somando à atual realidade dos refugiados climáticos.

Desde 1995 ocorrem reuniões anuais sobre o clima, as Conferências das Partes, conhecidas como COPs. Eventos organizados pela ONU e que tem o objetivo de debater, estabelecer e principalmente negociar as metas climáticas globais. Em 2015, a COP-21 realizada em Paris representou um marco ao limitar a meta de aquecimento global a no máximo 1,5ºC em relação às taxas pré-revolução industrial. Esse tipo de meta em si já foi expressivo de quais seriam os objetivos das cúpulas climáticas. Estabilizar o planeta com 1,5ºC acima da média pré-industrial significa ter como “novo normal” episódios como as inundações no Rio Grande do Sul e de Valência de 2024, os incêndios florestais nos Estados Unidos de 2025 e tantos eventos extremos que já viemos nos “acostumando” nos últimos anos, como as chuvas e secas fora de época que causam transtornos nas cidades e nas regiões rurais, além de instabilidade nos preços dos alimentos e perdas inestimáveis para a população atingida. 

Como já denunciamos neste texto, 49% das instalações que emitem CO2 no mundo foram instaladas a partir de 2004, depois de já terem sido realizadas 10 COPs. Ao menos as 3 últimas COPs, contando com a que está programada para acontecer aqui no Brasil este ano, foram sediadas em países líderes no aumento da produção de combustíveis fósseis – Emirados Árabes, Azerbaijão e, agora, o Brasil – . Se as COPs representassem uma intenção real de recuperar os bens naturais comuns e melhorar a qualidade de vida do planeta para a preservação da vida na terra, a exploração dos combustíveis fósseis estaria diminuindo, quando o dado concreto que temos atualmente é que o mesmo vem aumentando. A exploração do carvão que é um bem natural de baixa eficiência energética, por exemplo, segue em alta, bastante puxado pela China que tem esse mineral como uma das suas principais fontes de energia4. Aqui no Brasil, apesar da falácia verde dos capitalistas e do governo Lula, dados de 2023 do Ministério de Minas e Energia colocam que o carvão representou 1,2% da eletricidade produzida no país naquele ano, mas para gerar essa pequena quantidade.

Por trás da cortina dos discursos verdes das COPs, se esconde a exploração dos minerais fósseis ainda de forma desenfreada. Enquanto o discurso oficial trata da necessidade da redução da emissão de carbono e os países do capitalismo central dizem se preparar para a tal “transição energética”, com carros elétricos, super baterias e hidrogênio verde movimentando as fábricas e as redes de transporte, os destinos das grandes quantias de dinheiro para onde estão sendo destinados seus investimentos parecem seguir a contramão de seus discursos. Segundo dados da International Energy Agency5, para cada 1,4 dolar gastos pelos Estados Unidos para investimento em energia renovável, são investidos outros 1 dolar para a exploração de combustível fóssil. A primeira vista pode parecer que o país está reduzindo a proporção da presença de energia fóssil, mas a realidade é que esses números não incluem o montante relativo ao investimento em exploração de bens fósseis em outros países, sendo os EEUU um dos maiores investidores em exploração de combustíveis fósseis em países em desenvolvimento, responsável por mais de 60% dos investimentos globais6.

As COPs também servem muito para alimentar a lógica do capitalismo de incorporar para si questões legítimas que surgem nas massas da população e que poderiam significar demandas motrizes para sua mobilização e transformá-las em inofensivas. A defesa do meio ambiente a partir da crescente consciência dos limites da exploração do planeta é uma dessas demandas. Vimos essa tentativa se expressar na individualização da questão ambiental em campanhas focadas na redução individual do consumo, no cálculo da “pegada ecológica” individual ou em campanhas estimulando consumir de empresas com “selo verde” e as COPs terminam sendo verdadeiros palcos para estas empresas mostrarem que estão reduzindo suas emissões, seja a partir da compra de créditos de carbono ou pela “criatividade” contábil, como o caso do setor das petrolíferas que contabilizam a emissão de carbono na sua produção, mas nessa mágica contabilidade desconsideram que o seu produto final, o combustível, gera CO2 quando consumido.As COPs também servem muito para alimentar a lógica do capitalismo de incorporar para si questões legítimas que surgem nas massas da população e que poderiam significar demandas motrizes para sua mobilização e transformá-las em inofensivas. A defesa do meio ambiente a partir da crescente consciência dos limites da exploração do planeta é uma dessas demandas. Vimos essa tentativa se expressar na individualização da questão ambiental em campanhas focadas na redução individual do consumo, no cálculo da “pegada ecológica” individual ou em campanhas estimulando consumir de empresas com “selo verde” e as COPs terminam sendo verdadeiros palcos para estas empresas mostrarem que estão reduzindo suas emissões, seja a partir da compra de créditos de carbono ou pela “criatividade” contábil, como o caso do setor das petrolíferas que contabilizam a emissão de carbono na sua produção, mas desconsideram que o seu produto final, o combustível, gera CO2 quando consumido.

As cúpulas climáticas não representam muito além de encontros diplomáticos entre chefes de Estado passando uma imagem que são incapazes de realizar. Os compromissos de redução e controle das emissões significam venda de carbono para a periferia do capitalismo e não redução de fato. O Brasil oscila entre a 5ª e a 7ª posição de maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, dependendo dos níveis de desmatamento a ser considerado, atrás apenas da China (28%), Estados Unidos (15%), Rússia (7%) e Índia (5%). Mesmo assim, o governo Lula tenta colocar o debate sobre a exploração da Foz do Amazonas e da Foz do Rio Grande do Norte como uma suposta solução para a soberania energética do país, como se fosse possível a exploração de combustível fóssil criar as bases para a transição para uma matriz energética renovável. Por outro lado, posições como a de Michel Lowy7 que propõe que o Brasil deveria adotar uma proposta equivalente ao mercado de crédito de carbono, no qual o Brasil renunciaria à exploração da Foz do Amazonas e em troca desta renúncia seria indenizado pelo imperialismo, se mostra como, no mínimo, ingênua. Primeiramente por desconsiderar que parte dos interessados pela exploração é o próprio imperialismo na figura dos próprios acionistas estrangeiros da Petrobrás (quase 42% das ações estão nas mãos de empresas estrangeiras), que jamais deixaria de receber os bilhões de lucros advindos do petróleo brasileiro e além disso, os acionistas brasileiros tão pouco são figuras aderentes ao movimento ambientalista. Para se ter idéia, o BTG Pactual, um dos grandes acionistas privados da Petrobrás de nacionalidade brasileira, tem como um de seus fundadores ninguém menos que Paulo Guedes, ministro da Economia do governo Bolsonaro, governo abertamente contrário a toda pauta ambiental e que tinha como um de seus objetivos “passar a boiada” e avançar em todo projeto de devastação ambiental . Qualquer ideia de indenização aos países que decidem preservar os bens naturais comuns no sentido de defender o planeta da catástrofe ambiental que estamos enfrentando só será possível com o desenvolvimento da luta de classes, no qual será imprescindível a aliança de ambientalistas, povos afetados pelas mudanças climáticas e povos tradicionais, com a classe trabalhadora; ideia que passa longe da posição “conselheira” de Lowy.  

Também é ilustrativo pensar que a COP 25, que ocorreu na Espanha em 2019, estava programada para acontecer no Chile, quando os organizadores tiveram que lidar com a surpresa da eclosão de milhões de pessoas nas ruas em protesto contra as medidas neoliberais do governo de Piñera. Ao que parece, as cúpulas do clima têm medo mesmo é justamente da luta de classes, muitíssimo mais do que do aquecimento global.

A bancarrota dos organismos multilaterais se torna ainda mais evidente quando vemos seu absoluto silêncio frente ao sequestro dos voluntários da Flotilha Liberdade na última semana, que levava solidariedade, ajuda humanitária e buscava escancarar o cerco do Estado de Israel contra Gaza. Poderia simplesmente não surpreendernos já que foi a própria ONU que aprovou em 1947 a resolução da partilha da Palestina que permitiu a fundação artificial do Estado de Israel. Ironicamente, uma das mais conhecidas referências da atualidade da luta contra a catástrofe climática, Greta Thunberg, nasceu e cresceu na Suécia, e hoje frente ao seu sequestro pelo Estado Sionista, no lugar de expressar apoio e exigir sua imediata soltura, o governo do país sede da conferência que decretou o dia mundial do meio ambiente, se limitou a emitir comunicados criticando a campanha internacional de Greta e tentando jogar a opinião pública sueca contra a ativista. A catástrofe climática atual possui fios de contato bem demarcados com a espoliação capitalista sobre os povos oprimidos e os episódios recentes são ilustrativos não apenas da falácia das cumbres climáticas, mas da própria conivência desses eventos para o seu próprio desenrolar.

Vemos um mundo onde a ordem imperialista estadunidense está questionada e seu declínio é um fato evidente diante da incapacidade de impor sua hegemonia. A mesma ascensão de uma figura como Donald Trump à presidência é produto deste declínio. Por outro lado, a emergência da China e sua aliança com a Rússia configura o fortalecimento de potências intermediárias que seguem seus próprios interesses nacionais. A Europa, principalmente a Alemanha e a França, segue um caminho de rearmamento, elevando seus gastos militares à níveis comparados apenas com o período da Guerra Fria. Ao mesmo tempo, há uma aceleração da corrida tecnológica e da disputa por minerais estratégicos, o que intensifica o saque de recursos, a militarização e a lógica extrativista em várias regiões do planeta.

Diante deste cenário, fica cada vez mais evidente que a solução para o planeta não cabe nos acordos da ONU e suas cúpulas climáticas. Estes são espaços que buscam vender a ideia da possibilidade de um capitalismo verde, em um mundo que dá cada vez mais sinais da insustentabilidade desse modo de produção. Não há solução possível dentro dos marcos individual ou local. É necessário construir uma alternativa política de alcance global, com a classe trabalhadora e os povos oprimidos à frente. É preciso ser taxativo na afirmação de que a exploração dos bens naturais é inerente ao capitalismo e não é possível enfrentar a crise climática sem combater sua lógica de exploração, a atual corrida armamentista e o militarismo das potências e lutar consequentemente em defesa dos povos oprimidos, como os da Palestina. Às bandeiras ambientalistas precisamos somar as da autodeterminação de todos os povos oprimidos e do socialismo, desde uma perspectiva internacionalista, que conecte a luta em defesa dos bens naturais às lutas da classe trabalhadora.

NOTAS

1. REVELLE, Roger; SUESS, Hans. Carbon dioxide exchange between atmosphere and ocean and the question of an increase of atmospheric CO₂ during the past decades. Tellus, [S. l.], v. 9, n. 1, p. 18–27, 1957. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/j.2153-3490.1957.tb01849.x. Acesso em: 12 jun. 2025.

2. O motor a combustão foi criado em 1876, pelo engenheiro alemão Nikolaus August Otto

3. MALM, Andreas. A destruição da Palestina é a destruição do planeta. Tradução de Natalia Engler. São Paulo: Elefante, 2024. p. 23.

4. A eficiência energética varia segundo a tecnologia empregada, mas em média, para produção de energia em termoelétricas, o carvão mineral tem uma eficiência que varia entre 25% – 30%, enquanto o petróleo varia entre 30% a 55%.

5. INTERNATIONAL ENERGY AGENCY. World Energy Investment 2024: United States. Disponível em: https://www.iea.org/reports/world-energy-investment-2024/united-states. Acesso em: 13 jun. 2025.

6. URGEWALD; STAND.EARTH; GREENPEACE; RAINFOREST ACTION NETWORK; e outros. Investing in Climate Chaos 2024 Edition. Berlim: Urgewald, 2024. Disponível em: https://investinginclimatechaos.org/. Acesso em: 13 jun. 2025.

7. LOWY, Michael. Na foz do rio Amazonas. Disponível em: https://ihu.unisinos.br/629210-na-foz-do-rio-amazonas-artigo-de-michael-loewy. Acesso em: 13 jun. 2025.

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