Odete Assis
Marcelo Tupinambá
O PCBR está prestes a completar dois anos como organização. Em termos políticos, é uma ruptura à esquerda em relação ao PCB, ao se definir como defensores da independência de classe, como Oposição de Esquerda ao governo Lula e ao não alinhar-se nem com a Rússia nem Ucrânia (OTAN) na guerra em curso. São parte de fundamentos que nos fazem atuar em unidade em alguns terrenos, e em algumas universidades compomos chapas estudantis em comum, assim como fazemos com outras organizações que se localizam como Oposição de Esquerda ao governo Lula. No entanto, o PCBR expressa contradições que mostram como o curso à esquerda é cheio de vacilações e desvios em suas posições internacionais e nacionais, e que seguem carregando contradições da tradição do PCB e da EIPCO, sua corrente internacional.
A corrente internacional do PCBR é um “bloco revolucionário”?
Vamos abordar neste artigo a política nacional do PCBR e de sua principal figura, Jones Manoel, mas para uma organização que se reivindica internacionalista e de independência de classe, é decisivo verificar a coerência de sua política internacional, então começamos por aí.
O PCBR define sua localização como corrente internacional em suas resoluções do XVII Congresso assim: “buscará a participação no Encontro Internacional de Partidos Comunistas e Operários (EIPCO), com foco na construção e no fortalecimento de um bloco revolucionário marxista-leninista em seu interior (…) como o Partido Comunista da Grécia (KKE), o Partido Comunista da Turquia (TKP), o Partido Comunista do México (PCM), o Partido Comunista dos Trabalhadores da Espanha (PCTE), o Partido Comunista da Venezuela (PCV), o Partido Comunista Argentino (PCA) e demais integrantes da Ação Comunista Europeia (ACE), entre outros.”
Em seu site, o PCBR quase não expressa elaborações próprias sobre o terreno internacional. A maioria dos posicionamentos são traduções de artigos de outros partidos da EIPCO. Isso não seria expressão de um problema maior se o conteúdo das posições dessa corrente fossem revolucionárias. No entanto, não é o caso, como veremos neste artigo onde debateremos alguns temas decisivos como Palestina, Síria e mundo árabe, mas haveria outros. Mesmo quando aparentemente o PCBR tem alguma posição que contradiz as posições de sua corrente internacional é difícil encontrar suas posições e menos ainda polêmicas públicas. E algumas diferenças são pela direita como expressa a posição de Jones Manoel sobre a China. Isso reflete o limitado internacionalismo dessa corrente. Não é estranho tendo como uma de suas referências internacionais, Kemal Okuyan, o Secretário Geral do TKP, que tem um artigo publicado pela Lavra Palavra que expressa isso cabalmente: “Os partidos comunistas devem abordar a arena internacional tentando harmonizar os interesses da luta revolucionária em seus próprios países com os interesses gerais do processo revolucionário mundial. Essa harmonia pode ser difícil ou mesmo impossível às vezes.” Ou seja, Kemal considera que pode ser “impossível às vezes” o internacionalismo.
Não vamos aqui retomar o que já elaboramos neste artigo sobre o PC Grego (KKE) e outras organizações do tal “bloco revolucionário”, para não tornar o artigo exaustivo, mas chamamos os que não o fizeram, a ler, pois também são chave para entender profundos problemas dessa corrente internacional, como suas posições (e do PCTE e outros) transfóbicas e anti-LGBTQIAP+, da posição oportunista e sectária do KKE na luta de classes na Grécia em momentos decisivos e outros aspectos. A verdade é que a cada dia surge um exemplo novo de como não se trata de um “bloco revolucionário”. Para citar somente alguns que não abordamos em outras polêmicas: O PCV da Venezuela fez uma aliança de conciliação de classes com Enrique Marquez em julho/2024, como se pode ver nesta polêmica do nosso grupo venezuelano. O PCM do México explodiu como corrente por sua política contra o movimento feminista acusando-o de pequeno burguês, no país do feminicidio. E apoiou Susana Prieto Terrazas, que era e é legalista, foi agente do desvio de uma grande greve de mais de 70 mil trabalhadores do México em 2018/19, se elegeu deputada do Morena e se consolidou como uma burocrata de conciliação de classes. Há também os desvios sectários, como o PC da Argentina que chamou voto nulo na eleição porque dizia que o PTS e a Frente de Esquerda e dos Trabalhadores – Unidade (FIT-U, na sigla em espanhol) eram “eleitoralistas” (sic), enquanto no Brasil votaram no PSOL, UP, PT e até em alguns partidos burgueses.
Mas vamos a debates chaves da política internacional.
Um “bloco revolucionário” que defende a mesma política de “dois estados” do Partido Democrata dos EUA para a Palestina?
Vejamos a resolução que a ACE, em reunião internacional realizada em jan/25, sediada pelo TKP, e contando com a presença do KKE e outras organizações, sobre a luta do povo palestino: “Seguem defendendo internacionalmente o estabelecimento e reconhecimento de um Estado palestino independente nas fronteiras anteriores a 4 de junho de 1967, com Jerusalém Oriental como sua capital.”
Trata-se da mesma política do Partido Democrata dos EUA, vejamos o que Barack Obama, em 2011, declarou: “As fronteiras entre Israel e Palestina devem ser baseadas no traçado de 1967, com trocas acordadas mutuamente, para que fronteiras seguras e reconhecidas sejam estabelecidas para ambos os lados”. Essa utópica e reacionária política é sustentada também por diversas alas dos imperialismos do mundo, e pelas principais monarquias e burguesias árabes. Essa política reconhece como legítima a criação do Estado de Israel, que vergonhosamente foi reconhecido em primeiro lugar pela União Soviética, já burocratizada sob o comando de Stálin, em mais um ato de negação completa da tradição marxista revolucionária de luta contra a opressão colonial.
Uma política socialista e revolucionária para defender o povo palestino precisa ser outra. Ela passa pela defesa do direito de resistência das organizações palestinas frente ao Estado sionista e não pode compartilhar nem da falsa solução de dois Estados, nem da estratégia do Hamas, que busca estabelecer um estado islâmico através de negociações com monarquias árabes reacionárias ou regimes opressores como o iraniano. A derrota da opressão genocida Estado de Israel e seus cúmplices imperialistas necessariamente passa pela unidade das massas palestinas, dos trabalhadores e dos setores oprimidos do Oriente Médio, junto ao movimento de solidariedade com o povo palestino que se levantou em todo o mundo, em particular nos países centrais, se enfrentando inclusive com seus próprios governos. Uma luta que está interligada com a defesa de que é preciso desmontar o aparato colonial do Estado sionista e lutar por uma Palestina laica, operária e socialista em todo o território histórico, única garantia para a convivência pacífica entre árabes e judeus, no caminho de conquistar uma federação socialista no Oriente Médio.
No mundo árabe seguem defendendo o etapismo e a conciliação de classes
Não é somente na Palestina onde estão colocados problemas cruciais da política no mundo árabe. Na Síria, o PCBR e sua corrente internacional terminam adotando uma posição campista, de ver no regime de Assad um “mal menor”.
A Ação Comunista Europeia, declara o seguinte: “Reconhecem que o que está acontecendo na Síria, o elo mais recente dessa agressão, é o produto da intervenção imperialista, destacando o envolvimento de EUA, OTAN, UE, Reino Unido, Israel e Turquia, bem como o papel dos jihadistas.” Sabemos que isso é uma verdade, mas a posição se revela pela ausência de crítica ao regime de Assad, a quem são adaptados politicamente. Nós, como MRT e Fração Trotskista, temos feito diversas elaborações, como esta declaração internacional sobre o processo sírio, onde sempre destacamos o caráter reacionário do HTS e seus vínculos com interesses imperialistas e de Israel na região. Por isso, nossa posição também se difere fortemente daqueles que, como a LIT ou a UIT, caracterizam o processo como uma revolução democrática, ignorando o papel das direções reacionárias e dos países imperialistas (como fazem na Ucrânia, e também polemizamos). Mas uma política revolucionária na Síria não pode ter nenhum tipo de alinhamento com Assad como se este fosse um “mal menor” frente à oposição, como buscou defender o companheiro Gabriel Lazzari nesta mesa. A batalha dos revolucionários tem que ser o desenvolvimento de uma alternativa independente de ambos bandos reacionários.
Essa posição sobre a Síria é similar a que esta corrente também tem sobre a Líbia e mais de conjunto sobre a Primavera Árabe, porque consideram os processos como “revoluções coloridas” orquestradas pelo imperialismo, adaptando-se a governos reacionários como os de Kadafi, Assad e outros. Trata-se de uma posição que unilateraliza e exacerba o peso de um aspecto da realidade: a tentativa do imperialismo de manipular os processos. Mas secundariza outro absolutamente fundamental: a intervenção do movimento de massas como sujeito, com suas demandas democráticas, econômicas e sociais. O processo da Primavera Árabe foi um levante popular que envolveu amplos setores da sociedade, incluindo jovens, trabalhadores, mulheres e pobres urbanos, que se rebelaram contra as condições de miséria social, econômica, e contra os regimes ditatoriais. Embora o imperialismo tenha tentado manipular e desviar esses processos para manter o status quo e seus interesses na região, as revoltas iniciais são fruto do genuíno movimento de massas.
O PCBR e parte de sua corrente internacional se apresentam como “auto-críticos” da política de conciliação de classes, falando contra o etapismo, como se tivessem superado essa questão que é um DNA da tradição da III Internacional desde que se degenerou sob comando de Stálin, após o seus 4 primeiros congressos revolucionários com Lenin e Trotsky à frente. Mas essas posições sobre o mundo árabe mostram como seguem sem romper com o fator de fundo do etapismo, que considera que para países de desenvolvimento capitalista atrasado, cabe buscar uma suposta “burguesia progressista” com a qual se alinhar e que de progressista nada tem. Ou seja, uma política de conciliação de classes, que se expressa não coincidentemente no mundo árabe, onde as condições de desenvolvimento capitalista são atrasadas, diferente da Grécia ou do Brasil, onde o KKE e o PCB tiveram que (depois de muitas décadas!) reconhecer que havia um capitalismo que tinha se desenvolvido.
Parecem ser estes os “casos raros” que na resolução congressual do PCBR sobre Palestina fazem referência: “em nossa época, são tão raros os casos das lutas de libertação nacional que possam atingir seus objetivos sem se colocarem tarefas revolucionárias socialistas.” Essa compreensão que separa as tarefas da luta contra a opressão imperialista e as tarefas democráticas das tarefas da revolução socialista está na base da degeneração do marxismo revolucionário. É expressão de que a velha “teoria” de países maduros e não maduros para a revolução socialista, que arruinou a III Internacional sob comando de Stalin, persiste nas concepções dessa corrente, que nega a análise do capitalismo internacionalmente e suas conexões, reproduzindo um método que tem como pressuposto analisar as particularidades nacionais descoladas da dinâmica do todo, ao contrário do que propunha Lênin.
A crise do PCBR sobre outro fator decisivo: a China
Uma posição que aponta no sentido da independência de classe e do internacionalismo do PCBR e do KKE foi que na guerra da Rússia com a Ucrânia adotaram uma posição mais independente de ambos bandos. Ainda que extremamente tardia e que foi necessária uma hecatombe de uma guerra reacionária para abrir uma crise na EIPCO (que o PCBR ainda segue construindo!), é progressista que não admitam ficar ao lado de Putin.
Mas até onde vai a posição consequente do PCBR contra o suposto “multilateralismo benigno” da Rússia e China, que são as posições da maioria do CC do PCB e da EIPCO? Afinal, Jones Manoel não esconde suas concordâncias com diversos aspectos da concepção de Elias Jabour, secretário de Eduardo Paes, sobre a China. Apesar de que na resolução do Congresso do PCBR consta a China como imperialista, Jones Manoel embeleza fortemente a China de Xi Jinping e insinua apoio à tese de que seria socialista, como Jabour.
Não se trata de uma diferença secundária, ou teórica sem implicações estratégicas e programáticas. Ela define, por exemplo, a posição política e militar frente a um possível enfrentamento entre China e EUA. Jones Manoel se colocaria no campo militar da China como fez Eduardo Serra e cia com Putin? O PCBR vai seguir tratando isso como um problema menor e com naturalidade que Jones Manoel siga promovendo em seu canal as ideias de Elias Jabour e similares?
Como nosso companheiro André Barbieri do MRT desenvolve profundamente em seu livro sobre a China e neste recente vídeo onde o apresenta, em polêmica com Jabour, Jones Manoel e outros, é necessário uma visão marxista da China que combata essa concepção, ao mesmo tempo que vê os limites do desenvolvimento da China capitalista, que vêm desenvolvendo rapidamente traços imperialistas, mas não completou este processo.
Para citar somente um dos fatores mais marcantes do problema político dessa posição de Jones Manoel, é a enorme exploração por exemplo do continente Africano que vai contra qualquer perspectiva de luta anti-colonial, assim como avança na América do Sul e no Brasil. Mas Jones Manoel em seu balanço da visita de Lula a China prefere alimentar ilusões no multilateralismo, como se caso o governo brasileiro tivesse um projeto nacional desenvolvimentista poderia voltar trazendo “bons negócios” com os chineses. Como veremos, esse projeto desenvolvimentista se expressa mais amplamente.
Jones Manoel e sua adaptação à “burguesias progressistas” e ao reformismo visando superar o “apelo abstrato de classe”
Jones Manoel se coloca como crítico do governo Lula III, chamando-o de neoliberal e apontando limites da política de conciliação de classes desse governo, questões que vão no sentido da localização do PCBR de Oposição de Esquerda ao governo Lula. Contudo, é reveladora das suas concepções políticas de conciliação de classes a posição que expressa sobre outros governos na América Latina, como Gustavo Petro na Colômbia, Chavez e Maduro na Venezuela, Claudia Scheinbaum do México, governos que constantemente embeleza. Em seu anseio de buscar “nacionalismos progressistas”, chega a exaltar inclusive os aspectos “radicais” de Dilma.
No vídeo “Ian Neves critica os limites históricos do petismo”, ele define que o governo Dilma era “mais radical” e “mais de esquerda” que o governo Lula. O fundamento central que coloca, concordando com Ian Neves, é sua suposta política de desenvolvimento da indústria nacional. A verdade é que isso nunca existiu, mas mesmo que tivesse sido uma política efetiva, se trata de uma linha de uma ala da burguesia e que os revolucionários não deveriam alimentar ilusões e muito menos apoiar como “radical”. A burguesia industrial não somente é totalmente ligada com a rentista, mas também não vai ajudar na ilusão de Jones Manoel de “desenvolver o país”. Esta burguesia inclusive é uma das que mais se beneficia da precarização do trabalho e da escala 6×1 espalhando mentiras de que o fim dessa escala escravista poderia quebrar o país. Jones chega a elogiar a política de Lula para a Petrobras (!!!), quando Lula nunca mudou o projeto de uma Petrobras voltada para os acionistas e o capital imperialista. Essa concepção é a continuação programática do PCB, que na eleição de 2022, já polemizamos como adotou um programa nacional-desenvolvimentista com Sofia Manzano e com o próprio Jones Manoel. Esse elogio de Jones à política de Lula para a Petrobras e toda a utopia reacionária desenvolvimentista é o motivo pelo qual não encontra-se a posição do PCBR sobre a exploração da margem equatorial? São a favor porque “desenvolve o país”?
No mesmo vídeo, Jones argumenta que o problema estaria no fato de que o PT teria que ser “consequente” nesse sentido, pois esse seria o caminho para resolver “problemas estruturais do país” que colocariam a discussão em “outro patamar”, colocando como exemplo a Venezuela de Chávez e Maduro. Mas vejamos como além disso, ela é um falso e aberrante embelezamento da Venezuela, que pelo visto é outro “socialismo do século XXI” que Jones quer ver junto ao de Xi Jinping. Segundo ele as “mudanças estruturais” seriam: 1) o chavismo teria erradicado o analfabetismo; 2) na Venezuela a população teria atendimento básico à saúde; 3) o povo Venezuelano teria soberania no controle do seu Petróleo. Se Jones Manoel estivesse falando isso em 2009, quando Chavez fez concessões (não estruturais) em base ao boom do petróleo, seria uma mera ilusão em “nacionalismos progressistas”, mas fala agora, quando todas as concessões em educação, saúde e de apropriação de parte da renda petroleira para concessões sociais, foram absolutamente arruinadas. Superar analfabetismo é uma demanda democrática básica que não diz respeito aos problemas estruturais do capitalismo, inclusive a Venezuela sequer tinha altos índices de analfabetismo quando Chavez chega ao governo. As melhoras daquele período na educação não existem mais, embora continue sendo pública, está totalmente precarizada e os professores ganhando uma miséria. Na saúde, também pouco resta daquele momento em que Chavez ampliou assistência com médicos cubanos e melhorou hospitais, hoje existe uma carência do mais básico de insumos na maioria dos hospitais públicos. Na Venezuela nos últimos anos o salário mínimo está oscilando em cerca de 3 dólares mensais, sem contratos e quase a totalidade dos trabalhadores recebem por bônus, sem incidência em direitos, tanto no setor público como privado.
Sempre rechaçamos e combatemos o bloqueio econômico na Venezuela, mas é preciso reconhecer que a situação de catástrofe que hoje atravessa o país não é somente produto do bloqueio econômico, que é o argumento de Jones Manoel para exaltar Chavez. A crise começa a partir da queda do valor do petróleo em 2014, justamente porque Chavez não havia mudado nada de “estrutural”, embora quando chegaram as primeiras medidas coercitivas dos Estados Unidos, obviamente a crise se aprofundou. A primeira sanção de caráter econômico é em agosto de 2017 mas a Venezuela já está em plena catástrofe, e vão se ampliar as sanções a partir de janeiro de 2019 com o bloqueio petroleiro, que agrava a situação. Antes das sanções, nos governos de Chavez e Maduro, houve uma fuga de capitais de 500 bilhões de dólares.
Maduro avança em medidas bonapartistas autoritárias para controlar o movimento de massas por sua opção em fazer um ajuste brutal contra o povo e inclusive inicia um processo de privatização do setor petroleiro a partir de 2015. Mas na época de Chavez, bem distante de uma “soberania” em relação ao petróleo propagada por Jones, Chavez sempre manteve acordo com as transnacionais e empresas mistas na indústria do petróleo. Apesar de que a PDVSA é Venezuelana, Chavez assim como Maduro, pagaram a dívida externa utilizando a renda petroleira ao invés de pagar as dívidas sociais.
Outro exemplo exaltado por Jones Manoel é o governo de Gustavo Petro na Colômbia. Reconhece que o governo colombiano é meramente reformista, mas faz isso para exaltar suas políticas como se fossem exemplo de um tipo de nacionalismo que ele desejaria se expressar também no Brasil. A contradição da sua própria posição está em reconhecer que Petro foi eleito logo após um forte processo de revolta que eclodiu nesse país, mas não deixa nenhum “saldo organizativo” (diferente para ele do exemplo de Chavez!). Jones Manoel chega a formular que ele não usou o aparato de Estado para avançar na organização da classe, nada mais distante de uma política revolucionária do que alimentar essa ilusão, típica daqueles que depositam suas esperanças no reformismo desenvolvimentismo nacionalista. O governo de Petro, assim como outros governos reformistas e neoreformistas da América Latina, é produto do desvio da revolta que eclodiu na Colômbia depois de anos de governos neoliberais profundamente subordinados ao imperialismo e ao contrário de usar o aparato de Estado para ampliar a organização popular, suas reformas tem como objetivo fazer pequenas transformações para canalizar a insatisfação do povo e conseguir reabilitar um regime político em crise, mantendo a dominação capitalista e debilitando a organização dos trabalhadores e todo setor oprimido e explorado.
Neste outro vídeo, também comparando o PT com outros “progressismos”, elogia Claudia Sheinbaum no México, como “mergulhada no solo histórico do país”, fazendo o “exato contrário” do que faz o PT, como uma continuidade de Lopez Obrador, que para ele seriam grandes politizadores do país porque trazem referências da história nacional. Critica que o “petismo se esgotou como organização nacional com capacidade de mobilização e encantamento”, porque não tem um “simbolismo alternativo”, colocando como exemplo as “reformas de base” do período do Jango. Como exemplos alternativos ao PT, chega a qualificar a formação do MST como “lógica leninista” combinada com a “tradição latino-americana” porque “nunca compartilhou essa cultura petista negadora da história brasileira”. E que estão “buscando criar isso no PCBR” contra um “apelo abstrato de classe”. Ele mesmo apresenta seu livro como uma “fusão de um programa de classe com uma disputa da nação, da nacionalidade, seja de uma corrente revolucionária ou de uma corrente reformista”. Exatamente, estão buscando uma aliança com setores reformistas para um “projeto de país” no seu canal “Farol Brasil”. Essas concepções se ligam à “dúvida” de Jones Manoel sobre a caracterização da China, pois tem como estratégia a administração “de esquerda” do Estado para o desenvolvimento da indústria em prol de uma suposta “resolução dos problemas estruturais”.
Não adianta o PCBR falar que defende a independência de classe e, em suas resoluções congressuais, dizer que sua concepção de “Poder popular” é a da “dualidade de poderes” operária, enquanto sua principal figura defende essas posições políticas, que expressam a concepção de “Poder Popular” reformista, como a do PCB e outros. É o que já demonstramos também nesta crítica anterior ao que Jones Manoel defendeu na Globo News em 2022, onde reivindicou como exemplos de governo os casos Brizola, Erundina, Olívio Dutra, Luiziane Lins e João Paulo. Vale ler ainda hoje, porque não é que aquelas eram as posições do PCB, seguem sendo as mesmas de Jones Manoel. Mesmo Brizola está longe de um político a ser exaltado por quem se reivindica marxista revolucionário, como já elaboramos nessa crítica profunda.
Política de Estado-nação x política de desenvolvimento da luta de classes
As posições dessa corrente que abordamos acima mostram como segue carregando expressões do arraigado etapismo, campismo e distintas expressões de uma política de busca de “burguesias nacionais progressistas”.
Trata-se de uma lógica teórico-política mais profunda, que pensa o motor da história não como o desenvolvimento internacional da luta de classes, e sim a política dos Estados-nação. Um pensamento que tem um ponto de vista geopolítico, cujo centro que move a história é o papel dos Estados nacionais e seus governos, não o das classes sociais em luta internacionalmente. Uma concepção que se aproxima do pensamento burguês, contraposta ao que todos os clássicos do marxismo e seus fundadores tinham pensado como bases essenciais da ideologia revolucionária internacionalista. Essa foi uma característica chave da ruptura de Stalin, Mao, Enver Hoxha e todas variantes que dirigiram os estados operários deformados com o marxismo revolucionário. Essa concepção está por trás também da exaltação de Jones Manoel do papel de Stálin como “gênio militar” e grande responsável pela derrota do nazismo na II Guerra, como já polemizamos neste vídeo.
No livro Estratégia Socialista e Arte Militar, dos nossos companheiros dirigentes do PTS e da Fração Trotskista, Emilio Albamonte e Matias Maiello, desenvolvemos como essa concepção de política de Estado-nação, se relaciona também com um discurso aparentemente radical, “militarista”, que adora o papel das bombas atômicas e exércitos fortes e busca fazer trabalho político nas forças policiais, como se expressa também no programa do PCBR. Cometem o mesmo erro que o PSTU, a UP e outras organizações, de igualar as Forças Armadas e as polícias, como se policiais fossem parte da classe trabalhadora como outra categoria qualquer. Esta posição se expressa no apoio à “greves” policiais (como fazia o PCB), que são motins reacionários que não deveriam ser apoiados, pois buscam melhores condições para reprimir as lutas e fortalece essa instituição reacionária que é uma máquina de assassinar o povo negro e pobre.
No entanto, esse “militarismo” é a contra-cara do pacifismo em relação à luta de classes, cético com o desenvolvimento da luta da classe trabalhadora e suas próprias organizações, que em primeiro lugar precisam avançar na sua independência política de classe, sendo este o fator decisivo para encontrar os caminhos para o armamento necessário para a luta revolucionária. Trata-se de uma questão que já polemizamos com o PSTU e sugerimos esta leitura sobre autodefesa, auto-organização e armamento nos dias de hoje, à luz da tradição revolucionária.
Essa concepção que vê os Estados-nação, através de seus governantes, seja os reformistas institucionais ou aqueles mais militarizados como sujeitos das transformações rompe até mesmo a concepção básica do Manifesto Comunista de que “A história de todas as sociedades até hoje existentes é a história das lutas de classes” ou a do Estatuto da Internacional Comunista de que “A emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores”.
As vacilações oportunistas da política do PCBR no movimento estudantil
Vamos debater essencialmente com a posição do PCBR no movimento estudantil porque é uma organização que tem pouco trabalho no movimento operário. Ainda assim, buscamos atuar juntos na luta contra a escala 6×1 com esta e outras organizações, buscando a mais ampla unidade neste ponto, e buscando colocar os sindicatos que compomos as diretorias, à serviço dessa luta. Por exemplo, nós do MRT aprovamos uma proposta nossa no Congresso do Sindipetro-RJ do dia 17/5, de um chamado às Centrais Sindicais e sindicatos a construir uma paralisação nacional contra a escala 6×1. Também no Sindicato dos Metroviários, no Sintusp, na Apeoesp de Santo André e outras categorias estamos levando à frente essa luta como central, junto a outras pautas, que seguiremos batalhando para ampliarmos uma ampla unidade e com os companheiros do PCBR.
No movimento estudantil, apesar de manterem formulações ambiguas do PCB como “Universidade popular”, viemos de importantes acordos, como a defesa do fim do vestibular e da estatização das universidades privadas, da revogação do Arcabouço Fiscal, da luta contra a escala 6×1, e a afirmação de que é preciso construir uma oposição de esquerda ao governo Lula. Demandas que foram a base para a conformação da chapa que tivemos em comum na UFMG, juntamente com o Rebeldia/PSTU e o Vamos à Luta/CST, conquistando mais de 700 votos para a eleição do DCE, e depois seguimos dialogando e buscando que esta unidade siga, pois acreditamos que esses acordos políticos e programáticos que tivemos são um importante passo na batalha por uma nova tradição do movimento estudantil, o que se faz ainda mais necessário diante de um CONUNE marcado por golpes, fraudes e manobras, bem ao gosto do governo que corta orçamento de universidade.
Contudo, nacionalmente a linha da UJC tem se demonstrado oportunista, entrando em contradição com as batalhas necessárias para colocar em cena uma oposição de esquerda ao governo Lula. Enquanto a burocracia majoritária da UJS, PT e Levante Popular com a ajuda da Juventude sem Medo (Afronte, Rua, Fogo no Pavio, Manifesta, Travessia e Brigadas Populares) ampliam a burocratização da entidade para que ela continue sendo um braço do governo no movimento estudantil, a UJC/PCBR, mesmo reconhecendo que o campo da antiga oposição de esquerda não existe mais e não tem nenhuma unidade programática, segue com uma política oportunista de alianças com Juntos e Correnteza. Como fortalecer entre os estudantes a perspectiva de que para enfrentar a extrema direita é necessário construir uma oposição de esquerda ao governo se aliando com organizações que não defendem essa perspectiva?
O Juntos é do PSOL, que está no governo e junto com seu ministério tentou preservar os aliados da Frente Ampla buscando desviar a luta dos indígenas e professores do Pará, o que não foi possível graças à experiência dos setores em luta. Além disso, o deputado do MES, que impulsiona o Juntos, escandalosamente votou no bolsonarista Rodrigo Bacellar na ALERJ. Já o Correnteza/UP, ocupa gabinete de deputada federal do PT que votou pelo Arcabouço Fiscal, fez campanha para prefeituras petistas em 2024, como em Campinas e Natal, e em várias universidades do país faz campanha para reitorias e está em diversos sindicatos junto com a mesma burocracia responsável por transformar a UNE em uma entidade totalmente afastada da base dos estudantes e que atua para desviar e impedir o desenvolvimento de processos de lutas que questionam a precarização da universidade como responsabilidade direta do Arcabouço Fiscal, buscando, também por isso, desviar a luta contra a 6×1 para uma confiança nas instituições. O discurso de independência dessas correntes só aparece quando é para ganhar votos em eleições, mas na prática cotidiana, quando a luta tem condições de avançar, eles atuam para contê-la aos limites da institucionalidade, desviando seu potencial de questionar pela esquerda a política do governo.
Também achamos importante discutir a concepção dos companheiros em relação às entidades estudantis e suas finanças. Em sua nota sobre esse caso, o PCBR declara que várias coisas da ata foram adulteradas e negam que levaram à frente políticas como a venda de rifas falsas. Rechaçamos o método de vazamento de atas internas, ao mesmo tempo compreendemos que é legítimo a demanda de clarificação das finanças das gestões e comitês mencionados, o que deveria ser averiguado por uma comissão independente votada em assembleia. Mas também queremos debater com a posição expressa de que as entidades podem destinar recursos para apoiar movimentos e outras chapas apenas com o voto da gestão, sem fazer essa discussão na base, pois a consideramos parte de uma lógica burocrática de como lidar com os recursos da entidade. Algo elementar para a batalha por uma outra tradição de movimento estudantil que supere os métodos degenerados da burocracia.
Conclusão
Estas críticas que desenvolvemos em distintos âmbitos mostram como os desvios do PCBR não são poucos, nem secundários, apesar das intenções revolucionárias de parte dos seus militantes de estarem construindo uma organização comunista. A questão mais de fundo que é o motivo das permanentes expressões de desvios, é a insistência dos companheiros em dar seguimento ao intento de regenerar a tradição do PCB e de sua corrente internacional, que os próprios companheiros reconhecem que encabeçou múltiplas traições historicamente. O problema é que quando se trata de uma tradição tão profundamente arraigada, seguir nessa orientação estratégica é decidir continuar em mais algumas “décadas de autocríticas” sem conseguir regenerar essa tradição e tendo permanentes desvios, rupturas e novas “auto-críticas”. Por isso, já vão se completando 2 anos de PCBR, e seguem carregando dentro de si elementos do velho PCB e sua internacional. Assim, não vão avançar para a construção de um verdadeiro partido revolucionário nacional e internacionalmente, que impulsione a auto-organização da classe trabalhadora e dos oprimidos. É necessário uma ruptura mais consequente se há intenção de efetivamente avançar na independência de classe e no internacionalismo. Nesse caminho, terão que coletiva ou individualmente, deixar de negar o papel revolucionário de León Trotsky, que foi quem deu continuidade a estas batalhas do marxismo revolucionário clássico depois de Lenin, junto a outros diversos revolucionários que mantiveram as bandeiras do internacionalismo proletário e da independência de classe erguidas.