Revista Casa Marx

Declaração MRT no Dia da África: é um momento para organizar a luta independente contra o imperialismo e o racismo

MRT - Movimento Revolucionário de Trabalhadores

O Dia da África é um momento para organizar a luta independente contra o imperialismo, pelo direito à autodeterminação, em defesa dos imigrantes e para unir a classe trabalhadora aos povos oprimidos do mundo pelo fim do capitalismo e racismo.

Nesse dia 25 de Maio é comemorado em vários países africanos e por imigrantes e refugiados africanos ao redor do mundo o Dia da África. Essa data surgiu no início da década de 60 no marco do processo de luta pela independência de vários países africanos e da luta contra a colonização europeia neste continente. Em um contexto internacional marcado pelo acirramento da rivalidade entre as potências capitalistas, o fortalecimento de discursos nacionalistas e de extrema direita e o aprofundamento de discursos racistas e xenófobos, de uma corrida armamentista em países imperialistas na Europa, e da busca incessante de lucro e a subordinação de diversos países africanos por potências capitalistas, esse é um momento para organizar a luta independente contra a dominação imperialista e das grandes potências em África, pelo direito à autodeterminação dos povos africanos, em defesa dos imigrantes como parte da luta internacionalista da classe trabalhadora em todo mundo pelo fim da exploração capitalista e de toda forma de opressão.

Apesar de pouco conhecida, a história do continente africano é de uma enorme riqueza, complexidade e diversidade. A imagem dos inúmeros conflitos, taxas altíssimas de miséria, fome e morte a qual foram submetidos diversos países desse continente não são naturais ou inerentes aos povos africanos, mas são resultado de uma longa história de espoliação, saque e rapina de suas riquezas, ocupação colonial, genocídio e intervenções políticas e militares impostas a favor da mais bárbara violência capitalista e racista. Depois do tráfico de milhões de homens, mulheres e crianças escravizados para trabalhar nas Américas, o continente africano foi alvo da partilha imposta pelos países imperialistas cuja marca histórica foi a Conferência de Berlim de 1884-1885. A luta africana, o internacionalismo e os estudos engajados ainda estão trazendo a tona os números e a história de eventos aterrorizantes da dominação colonial moderna como a redução da metade da
população do Reino-Congo, sob regime belga de Leopoldo II, que estima ter gerado um genocídio de 10 milhões de africanos entre 1880 e 1920. Não satisfeito com essa barbárie, o imperialismo impôs fronteiras nacionais aos países africanos de acordo com interesses de pilhagem e colonização, impedindo qualquer desenvolvimento de autodeterminação dos povos africanos.

É preciso tirar lições da luta anticolonial e as contradições dos governos pós Independência para arrancar a completa emancipação na África

Os processos de luta anti-colonial nos anos 1960 mostraram a enorme força dos trabalhadores africanos contra as potências capitalistas. Elas tiveram um impacto imenso no Brasil seja culturalmente, em expressões artísticas e culturais, mas também politicamente, influenciando setores da intelectualidade e movimento negro. Mesmo depois dos processos de independência dos países africanos, que emergiram no pós-Segunda Guerra Mundial, muitos dos 54 países africanos conquistaram sua independência política formal, mas mantiveram níveis enormes de desigualdade social e uma enorme subordinação econômica e política às potências capitalistas que escancararam o neocolonialismo que subordina o continente. Esse não foi o resultado de qualquer tipo de passividade e subserviência das massas africanas que impulsionaram incontáveis processos de revoltas, insurreições e processos revolucionários contra a dominação imperialista. Após a Segunda Guerra Mundial, por inúmeras vezes a burguesia imperialista temeu a força revolucionária das massas africanas.

O ódio ao imperialismo se expressa, por exemplo, no fato de que 35 dos estados independentes africanos se declararam socialistas em algum momento de suas curtas histórias como nações independentes formalmente. Parte dessas independências foram produtos de processos revolucionários, outras expressaram a tentativa dos imperialistas de promoverem uma “descolonização controlada”, conduzida de cima para baixo, com o objetivo de conter as revoluções anticoloniais. Para isso, buscaram conceder às colônias um status de nações semicoloniais mais “modernas”, formalmente independentes. No entanto, esse plano não teve o efeito esperado, o que ocorreu foi uma verdadeira irrupção das massas oprimidas nas colônias e semicolônias, entre elas no continente africano. Esse processo histórico que abalou o capitalismo mundial confirmou a perspectiva da Quarta Internacional e da Teoria da Revolução Permanente, ao papel dos países coloniais e semicoloniais: o proletariado e as massas desses países não deveriam aguardar a revolução nas potências imperialistas; ao contrário, devem iniciar seus próprios processos revolucionários, podendo inclusive alcançar antes a ditadura do proletariado. Além disso, colocou na ordem do dia a possibilidade da unidade entre os trabalhadores africanos e europeus para derrotar o imperialismo.

O resultado dos dilemas sociais e políticos que vivem as nações africanas atualmente, deve ser explicada, não por sua falta de disposição de luta, mas como fruto das diversas intervenções das potências imperialistas Mesmo depois das independências africanas, potências como França, Inglaterra e Estados Unidos seguiram intervindo política e militarmente para garantir a exploração de riquezas como o petróleo, urânio, cobalto, ouro e diamante. Não suficiente, impuseram reajustes estruturais por parte do FMI, aumentando as dívidas públicas desse país, atacando as já instáveis conquistas sociais, impondo privatizações e organizando a economia desses países de forma a explorar de forma ilimitada a mão de obra africana. Esse processo de subordinação não pôde ser realizado sem a colaboração das burguesias nacionais, das elites econômicas, muitas delas oriundas de burocracias dos movimentos de libertação nacional que estiveram à frente das guerrilhas independentistas que fizeram surgir os Estados militarizados com regimes de partido único com uma retórica stalinista.

Como balanço desse processo histórico, entendemos ser fundamental, para a luta pela emancipação dos países africanos, extrair lições das experiências das lutas anti-coloniais, especialmente no que diz respeito às concepções estratégicas assumidas por suas direções políticas. Tanto as formulações de matriz stalinista quanto as ideologias panafricanistas — que, ao negar a centralidade da luta de classes nas formações sociais africanas, limitaram os objetivos revolucionários à independência nacional — acabaram por consolidar perspectivas em que os principais sujeitos da transformação social não eram os trabalhadores e camponeses auto-organizados, mas, sim, partidos-exército estruturados burocraticamente, que, após a conquista da independência, passaram a dirigir o Estado através de aparelhos militarizados. Essas concepções não romperam, de fato, com a burguesia, inclusive a imperialista, e resultaram na formação de Estados
autoritários, que não se empenharam na construção de um socialismo internacionalista, mas, ao contrário, negociaram com as potências internacionais, conduzindo seus países de volta ao capitalismo em sua forma mais direta e subordinada.

Portanto, mesmo as versões que se propuseram a transformações mais radicais, as que ocorreram tardiamente já no contexto do ascenso da luta de classes de 68-81, como nas ex-colônias portuguesas ou na Etiópia, compartilhavam das compreensões etapistas das variantes dos Estados operários burocratizados.. Inspiradas nelas, aplicaram seus projetos com uma retórica socialistas, mas com um dirigismo estatal, onde os partidos guerrilheiros se consideravam os únicos capazes de guiar as massas, seja do ponto de vista político, econômico ou mesmo moral. Tais experiências implicaram em processos violentos contra os trabalhadores e as populações rurais não para defender de fato o “socialismo”, mas primeiramente os privilégios burocráticos e, depois, para garantir a adesão desses países ao neoliberalismo no contexto de restauração burguesa e do fim do socialismo na URSS e no leste europeu. As direções stalinistas, também não desenvolveram tendências internacionalistas e acabaram presos à concepção de “socialismo em um só país”.

Não por acaso, em países como Angola e Moçambique, essas mesmas direções restauraram o capitalismo e se transformaram em parte da burguesia nacional, aderindo ao neoliberalismo mais brutal. O caso angolano ilustra esse percurso: o massacre de 27 de Maio de 1977, sob o governo de Agostinho Neto, não se limitou a um expurgo interno no MPLA, mas desencadeou uma repressão generalizada sobre setores populares urbanos, especialmente em Luanda, que questionavam os rumos que novo Estado burocratizado arrastava o tão sonhado socialismo. Esse processo resultou na eliminação de uma parte significativa da oposição política e social, como Nito Alves, consolidando o poder da ala mais conservadora do MPLA. Anos mais tarde, essa mesma direção selaria alianças estratégicas com potências ocidentais, especialmente os Estados Unidos, no contexto do desfecho da guerra civil. A morte de Jonas Savimbi, líder histórico da UNITA, em 2002, representou o fim dos conflitos da guerra civil angolana, e foi seguida pela implementação de políticas de reconciliação nacional e pela abertura
acelerada do mercado angolano ao capital financeiro internacional, simbolizando o ajuste definitivo do país à ordem neoliberal global.

Apesar da grande potencialidade revolucionária que se desenvolveu entre os anos 60 e 80 em África estes processos não romperam com o capitalismo, nem criaram sociedades independentes frente ao imperialismo, fundamentalmente devido às direções e estratégias adotadas por elas. As revoluções anticoloniais foram dirigidas por nacionalistas burgueses (Egito, Argélia, Sudão), por stalinistas, como Angola e Moçambique ou por combinações entre as duas variantes. Após as independencias, todas as nações africanas sofreram reveses, guerras patrocinadas pela Europa, Estados Unidos e/ou África do Sul, do apartheid. Por isso, os esforços das massas africanas são heróicas e suas independências são êxitos conquistados pela luta revolucionária das massas, e expropriadas pelas novas e antigas classes dominantes, indo além inclusive do imaginados por suas direções não proletárias. As mesmas direções anos mais tarde conduziram seus países a se tornarem semi colônias dominadas pela dívida externa e pelos monopólios imperialistas. Por isso afirmamos que as constantes instabilidades políticas e o grau extremo de pobreza imposta a vários países é decorrência direta do colonialismo, do racismo e da intervenção e espoliação imperialista que se agudizaram com a restauração burguesa.

A crise capitalista de 2008 e as novas convulsões sociais no continente africano

Os efeitos da crise capitalista de 2008 no continente africano ganharam contornos agudos pois combinam-se a décadas de espoliação das riquezas, sobretudo minerais abundantes em diversos países africanos. Em pleno século XXI a localização política e econômica de países imperialistas europeus como a França é impensável sem a exploração econômica e subordinação política de países africanos.

Não é à toa que em países como Mali, Burkina Faso, Guiné, Niger, Gabão explodiram convulsões sociais que expressam a enorme rejeição aos antigos governantes pró-imperialistas entre amplos setores da população. A sucessão de golpes de Estado nesses países foi vista como um grande problema para dominação francesa que interviu militarmente no Mali com o argumento de “combater o terrorismo” para na verdade, preservar seus objetivos estratégicos na região e manter a exploração dos recursos naturais desta parte da África (ver Crise no Sahel: 5 chaves para compreender a crise do imperialismo francês). Esses processos são expressão das tendências convulsivas que atravessam o continente africano em um cenário internacional marcado pelo declínio da hegemonia dos EUA, pela retração do imperialismo francês na região, por guerras como a da Ucrânia, o massacre ao povo palestino e, também pelas disputas entre potências capitalistas como China e Rússia para ganhar maior influência econômica e politica no continente africano.

Um exemplo disso é o que ocorre hoje em Burkina Faso com Ibrahim Traoré com um discurso de esquerda, nacionalista e anti-imperialista que expulsou as mineradores francesas do país, mas vem aprofundando os laços com potências capitalistas como China e Russia. Uma política assim não pode terminar com a submissão de Burkina Faso, uma vez que o interesse da China, Rússia e da própria burguesia burquinense é continuar explorando as riquezas do país para garantir seus lucros e manter a dominação sobre o povo trabalhador burquinense. Em fevereiro deste ano o Ministério de Energia, Minas e Pedreiras suspendeu as licenças das mineradoras francesas e conceceu a licença para extração de ouro e outros minérios para empresa Russa Nargold que é responsável pela extração do depósito de ouro de Niou, localizado na província de Kourweogo, na região do Planalto Central de Burkina Faso. Além disso, a mineradora britânica Endeavour Mining plc, a mineradora canadense IAMGOLD corp. e a mineradora australiana West African Ressource Ltda. também tem licença para explorar nesta região. Segundo a Boston University Global Development Policy, Burkina Faso contraiu uma dívida de 49 milhões de dólares da China e sua dívida com o FMI chega a 328 milhões de dólares.

Vale lembrar que a resposta de setores de massas diante da exploração e da opressão capitalistas no continente foram revoltas e levantes como a Primavera Árabe em países do Norte da África e do Oriente Médio a partir de 2010, o forte movimento estudantil sul-africano em 2015, com destaque para as campanhas #RhodesMustFall e #FeesMustFall, que mobilizaram milhares contra o racismo estrutural e a mercantilização do ensino superior. Mais recentemente, destacam-se as mobilizações populares no Quênia, especialmente os protestos de 2023 e 2024 contra o aumento do custo de vida, a corrupção e as políticas fiscais regressivas impostas pelo FMI, que reuniram trabalhadores, jovens desempregados e setores informais em amplas manifestações, duramente reprimidas pelo Estado. Em Moçambique, além do agravamento do conflito armado em Cabo Delgado, que só pode ser compreendido através das tensões entre megaprojetos de exploração de gás natural e comunidades historicamente marginalizada, houve também significativos protestos urbanos, como as manifestações contra o aumento das tarifas de transporte público em Maputo e Matola em 2022, e, mais recentemente, as mobilizações do ano passado contra a fraude eleitoral e o assasinato de opositores, que reuniram diversos setores sociais em denúncias de manipulação do processo eleitoral. Em Angola as mobilizações contra o regime nas últimas eleições gerais de 2022, que segundo a oposição FPU e pelos movimentos sociais por fraude eleitoral, e em 2023 teve 3 grandes greves da função pública que paralisou todo o pais por dias. Esses processos recentes reiteram que a luta de classes segue como uma dimensão central das dinâmicas sociais e políticas no continente africano.

Estamos lado a lado com as massas africanas que heroicamente se revoltam contra toda herança colonialista e combatem com todas as forças qualquer tipo de ingerência imperialista almejando sua plena emancipação social, econômica, política e cultural, o que só é possível enfrentando as potências capitalistas européias, americanas, chinesas e russas mas também a classe dominante nacional dos países africanos. A luta pela plena independência nacional e para acabar com as bárbaras desigualdades que atravessam diversos países africanos não estão descoladas das batalhas da luta de classes. Isso significa que a libertação do jugo imperialista não será alcançada pelas mãos de governos bonapartistas militares com discurso de esquerda ou nacionalistas que se alinham politicamente e militarmente com China e Rússia ao mesmo tempo em que mantém intocada a propriedade dos meios de produção sob domínio da burguesia, mas a libertação dos povos africanos será fruto da própria auto-organização das massas oprimidas nacional e internacionalmente.

Por isso, nesse Dia da África consideramos que é fundamental batalhar por uma política internacionalista proletária, anti-imperialista e de independência de classe com todas as forças para unir a classe trabalhadora aos povos oprimidos do mundo na perspectiva de acabar com o sistema capitalista, o racismo e xenofobia. Como parte dessa batalha é preciso lutar para pôr abaixo todas leis anti-imigrantes em vigência na Europa, Estados Unidos e outros países. Basta de racismo, xenofobia e criminalização dos migrantes! Lutar por justiça para Moise Kabagambe e todos os imigrantes perseguidos e mortos e por garantia de todos os direitos (civis, trabalhistas, humanitários, etc) para todas as pessoas e livre trânsito a todos os migrantes!

É fundamental repudiar com todas as forças as intervenções militares e políticas imperialistas no continente africano (como a MONUSCO na República Democrática do Congo da qual o Brasil vergonhosamente é um dos integrantes), defendendo o direito à autodeterminação do próprio povo africano respeitando sua diversidade étnica e cultural. Todo apoio à luta do povo saaraui no Saara ocidental por sua autodeterminação!!! Parte dessa luta anti-imperialista passa por defender o não pagamento das dívidas públicas dos países africanos, a nacionalização sem indenização de todas as mineradoras, portos, aeroportos e empresas estratégicas sob controle dos trabalhadores. Batalhamos para que a própria classe trabalhadora africana tome o seu futuro em suas mãos: por uma Federação de Repúblicas Socialistas da África! Essa perspectiva se torna mais atual do que nunca como meio estratégico fundamental para acabar com a dominação de séculos imposta aos povos do continente africano e abrir um novo marco a partir da revolução internacional e a reconstrução da sociedade em novas bases, livre de todo tipo de exploração e opressão, uma sociedade comunista!! Viva a luta do povo africano! Viva a luta internacional da classe trabalhadora!!

Carrinho de compras
Rolar para cima