Revista Casa Marx

30 anos da histórica greve petroleira que abalou o país

Liliana O. Caló

Texto originalmente publicado na revista Ideas de Izquierda da Argentina, parte da rede internacional de diários Esquerda Diário

Nos primeiros dias de maio de 1995, os petroleiros iniciaram a greve mais importante do setor desde a instauração da “Nova República”. Durante 32 dias, enfrentaram o governo de Fernando Henrique Cardoso em um conflito que não se limitava às reivindicações salariais postergadas desde a presidência de Collor de Mello, mas que também enfrentava o plano de reformas neoliberais que o governo pretendia implementar em setores-chave da economia. A greve transformou-se em um conflito político, lembrando o caso dos mineiros britânicos, rotulados por Margaret Thatcher como “inimigos internos” do país.

Para falar dessa experiência crucial da classe trabalhadora brasileira, conversamos com Leandro Lanfredi, dirigente do Movimento Revolucionário dos Trabalhadores do Brasil e do Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro, o mais importante entre os 18 sindicatos do setor no país. Recentemente a categoria iniciou uma campanha em defesa da unidade dos trabalhadores da Petrobras, contratados e efetivos, por igualdade de direitos e condições de trabalho — campanha aprovada no Congresso sindical encerrado no último dia 17 de maio. Essa entrevista acontece em meio à mobilizações da categoria em defesa de direitos que vem sendo atacados pela companhia sob gestão de Magda Chambriard, indicada de Lula para presidir a maior empresa do país.

Repassamos nessa entrevista a situação da Petrobras após a Operação Lava Jato e o estado atual da empresa, que, segundo ele, é uma das mais valorizadas em termos de mercado de ações e garantiu maiores dividendos: “em 2022 e 2023 ficou em segundo lugar no mundo, em qualquer setor, em distribuição de lucros.” Atualmente emprega 55 mil trabalhadores efetivos e mais de 110 mil terceirizados. “É fundamental enfrentar essa divisão”, acrescenta, “e retomar as melhores experiências de um setor com poder estratégico.”

Um conflito emblemático

— Completam-se 30 anos da importante greve. Quais foram os principais elementos desse conflito e qual foi seu desfecho?

Leandro Lanfredi: De fato, a greve começou em maio de 1995, no primeiro ano da presidência de Fernando Henrique Cardoso, cujo governo buscou avançar com o neoliberalismo no Brasil. Sua posse foi marcada por uma forte ofensiva internacional contra a classe trabalhadora, que começou com Reagan e Thatcher, intensificou-se com a restauração capitalista e, na América Latina, com o “Consenso de Washington”.

O foco do ajuste era a redução dos gastos públicos e a garantia do pagamento da dívida externa — medidas que impactaram diretamente a saúde e a educação. Cardoso também tentou liberar o mercado de capitais e o câmbio em poucos anos, mas o principal alvo era privatizar as estatais e garantir os compromissos com os credores externos, num momento em que a economia enfrentava dificuldades com o capital internacional e o FMI.

A principal estatal era — e ainda é — a Petrobras, não só economicamente, mas como símbolo das lutas dos trabalhadores. Ela foi criada na década de 1950, durante o governo nacionalista burguês de Getúlio Vargas, com o lema “o petróleo é nosso”, fruto de um movimento de operários e estudantes que realizavam comícios exigindo a expropriação das empresas estrangeiras de petróleo e instauração de um monopólio estatal.

Voltando à greve de 1995, ela se tornou um caso emblemático, com enorme apoio nacional. Greves de solidariedade estouraram nas montadoras e nas autopeças do ABC paulista [Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul], o maior polo operário-industrial da América do Sul na época e berço do PT no final dos anos 70. Além dos metalúrgicos do ABC, houve greves solidárias no setor bancário, com forte presença dos bancos estatais ameaçados de privatização; mobilizações de professores, movimentos sociais como o MST, que marchavam em apoio político e material aos piquetes e levavam alimentos para os grevistas que não recebiam salários.

Cardoso ameaçava diariamente, pela TV, com demissões em massa de petroleiros numa tentativa clara de quebrar a greve, usando tanques do Exército nas refinarias e promovendo perseguições judiciais. As distribuidoras de combustíveis promoveram o desabastecimento de gás (GLP), impossibilitando sua venda à população, com o apoio da TV Globo, Band e jornais nacionais, culpando os petroleiros pela crise nos lares brasileiros.

Discutia-se a necessidade de uma greve geral contra o avanço neoliberal, em defesa da luta dos petroleiros. A CUT, sob liderança de Lula e com influência minoritária da esquerda que se reivindica trotskista, se recusou a convocar uma greve geral, nem mesmo em São Paulo, onde o apoio era maior. Um Comando de Greve Petroleiro foi formado, liderado pela Articulação (corrente sindical ligada a Lula) e setores da esquerda como o PSTU. Esse comando organizava manifestações, piquetes e enfrentava a decisão judicial que declarava a greve ilegal, mantendo o conflito apesar da apreensão dos fundos de todos os sindicatos petroleiros por mais de um ano.

Apesar da combatividade que demonstrava, o Comando não desafiou a burocracia sindical da CUT, nem exigiu uma ação nacional que mobilizasse o conjunto do proletariado. Frente às manifestações espontâneas de solidariedade, adaptou-se à direção conciliadora do PT e da CUT. Após semanas de impasse, Lula, líder operário que ficou em segundo lugar nas duas últimas eleições antes dessa greve, resolveu agir. Suas declarações na TV dizendo que era hora de encerrar a greve foram decisivas. A burguesia interpretou sua fala como um sinal verde para avançar. Os petroleiros, porém, resistiram, não aceitaram o chamado ao fim da greve mesmo que emitido por Lula. Nos dias seguintes a pressão tomou a forma do presidente da CUT, Vicentinho, deputado federal do PT, mas ainda não surtiu efeito. Por fim, depois de perseguição judicial, ocupação militar de refinarias e chamados públicos de Lula e da CUT para terminar a greve, a greve foi encerrada com 100 demissões, atingindo principalmente de dirigentes e ativistas proeminentes.

— Como terminou então?

LL: Acredito que podemos analisar o conflito por diversos ângulos. Ele não conseguiu impedir o plano neoliberal no país e terminou com a demissão da maior parte do ativismo. Mas também teve um alto custo para o governo de Cardoso: embora ele tenha avançado nas privatizações, não conseguiu fazê-lo completamente com a Petrobras. Rompeu o monopólio legal da empresa na produção, mas não conseguiu efetivá-lo na prática. Hoje isso já mudou: os dados oficiais indicam que 60% da produção ainda está com a Petrobras e o restante com outras empresas — mas foram necessárias décadas para alcançar esse resultado. A greve deixou uma mensagem para a burguesia: derrotar os petroleiros, de uma só vez, teria um custo muito alto.

Atualmente, a burocracia do PT celebra a “vitória” da greve de 1995 como tendo impedido a privatização, mas o potencial da luta era muito maior. Um setor importante dos petroleiros criticou na prática o papel de Lula, do PT e da CUT, sua política conciliadora diante do projeto neoliberal. Estavam dadas as condições para um grande enfrentamento com o neoliberalismo. Pode-se dizer que grupos minoritários dentro da CUT, como o PSTU, mesmo sem força para vencê-la, se tivessem uma política correta, poderiam ter tirado lições importantes dessa experiência. Greves como a dos petroleiros de 1995, mesmo sem vitória, podem ser pontos de apoio para que a vanguarda tire conclusões políticas e supere a colaboração de classes petista.

Soberania e petróleo
— A Petrobras foi uma das empresas envolvidas na chamada Operação Lava Jato…

LL: Exatamente. Lembremos que a Operação Lava Jato, iniciada em 2014 com apoio dos EUA e da grande mídia, foi uma ofensiva do Judiciário em nome do combate à corrupção, tendo a Petrobras como eixo central para atacar o governo do PT, combinando confronto aberto e desgaste, mirando a reestruturação do plano econômico. Conceitualmente, visava reduzir o peso dos trabalhadores no degradado regime democrático burguês do país, atacando o PT. Também foi um ataque a setores da burguesia, especialmente empresas conhecidas como “Global Players”, que competiam com empresas imperialistas nos nichos de petróleo, carne e construção civil — como a Odebrecht, que operava como terceirizada da Petrobras. A Lava Jato foi feita sob medida para abrir caminho às empresas imperialistas.

Um dado que complementa essa ideia: a operação afetou na Petrobras áreas como transporte, comunicação, operações internacionais, refinarias — mas não as de maior investimento de capital, como exploração e produção offshore, que representam 70% a 80% do capital. Essas ficaram fora do foco da ofensiva imperialista, não por ausência de corrupção, mas por interesses em contratos com empresas como Shell, Halliburton, entre outras.

Talvez já não surpreenda em 2025, mas a operação foi liderada pelo juiz Sergio Moro, citado em diversas reuniões com agentes dos EUA, como revelado pelo Wikileaks — a face visível da ofensiva judicial. Isso provocou uma degradação bonapartista do regime brasileiro — um conceito marxista que descreve um regime onde nenhuma das classes consegue se impor e um “terceiro”, um outsider, aparece como árbitro dos interesses para fortalecer a classe dominante. Nesse caso, o Judiciário brasileiro assumiu esse papel.

— Como ficou o mapa do mercado energético desde então?

LL: O mercado energético brasileiro pode ser dividido em três partes: extração e produção de petróleo cru; refino; e distribuição. A Petrobras atuava nas três.

Com o ex-presidente Bolsonaro, a Petrobras Distribuidora — maior empresa de distribuição de gasolina, gás e diesel — foi privatizada. A Petrobras detinha de 20% a 25% do mercado. No refino, abriram-se refinarias a empresas estrangeiras: Bahia, Rio Grande do Norte, Interior do Paraná, Amazonas. Na produção, com o fim do monopólio, começaram os leilões de áreas de exploração. Lula e Dilma fizeram muitos leilões, mais até que o governo FHC. A partir de 2015, com Temer, o processo se acelerou: a Petrobras passou a vender participação na produção anualmente, ampliando a participação estrangeira. No atual governo Lula, a Petrobras já reduziu em 10% sua participação.

Em resumo: em 2013 a Petrobras controlava 93% da produção brasileira. Hoje, 60%. Em pouco mais de 10 anos, uma queda enorme, parte do “legado” da Lava Jato. Hoje, 62% das ações da empresa estão em mãos de investidores estrangeiros e grandes capitalistas brasileiros. O Estado administra a Petrobras a serviço desses 62%. É uma versão do pacto extrativista que se impôs na América do Sul — na soja, pecuária, cobre, lítio, ferro, petróleo e gás — seja offshore ou fracking, como em Vaca Muerta, na Argentina. Claro que há diferenças entre os países e projetos, mas o modelo se repete.

— A incerteza sobre os preços das commodities como o petróleo e a guerra tarifária de Trump… Como isso afeta a Petrobras e a política econômica do terceiro mandato de Lula?

LL: Os preços das commodities, especialmente do petróleo, têm tanto componentes econômicos quanto geopolíticos, como as expectativas dos investidores sobre o crescimento econômico global. Da mesma forma, o preço do petróleo varia em contextos de conflitos bélicos.

Atualmente, os preços internacionais do petróleo vêm caindo por diversos fatores, difíceis de resumir brevemente. Entre eles, estão as expectativas recessivas nos EUA e as medidas de desregulamentação ambiental daquele governo, que incentivam práticas como o fracking ou o uso de areias betuminosas no norte do Canadá. Com menos controles ambientais, é possível produzir mais petróleo não convencional, que é mais caro do que o petróleo convencional brasileiro, extraído em águas profundas, ou do que o da Arábia Saudita. No entanto, podem surgir contratendências, como conflitos locais que dificultem a produção e o comércio do petróleo, decisões da OPEP e outras variáveis que podem conter a queda dos preços.

Nesse cenário, os lucros da Petrobras são menores, mas ainda imensos. A Petrobras é uma das empresas que mais distribui lucros e dividendos no mundo. Em 2022 e 2023, ficou em segundo lugar mundial nesse quesito — em 2022, atrás da anglo-australiana BHP Billiton (carvão), e em 2023 atrás da sul-coreana Samsung. As decisões de Trump podem não ser boas para os acionistas da Petrobras, pois pressionam o preço do petróleo para baixo, diminuindo os lucros superlativos. Mas, para a burguesia brasileira como um todo, essas medidas podem ser vantajosas em outras áreas.

Sobre como as medidas de Trump afetam a economia brasileira mais amplamente: o Brasil tem uma dupla dependência estrutural dos EUA e da China. As guerras tarifárias de Trump favoreceram o agronegócio brasileiro ao abrir o mercado chinês para a soja do Brasil. Ao mesmo tempo, como as sementes e agrotóxicos usados aqui são majoritariamente americanos ou europeus, empresas dos EUA lucram mesmo quando a soja “brasileira” substitui a americana no mercado chinês. Fortalecem-se setores da burguesia brasileira que apoiaram e continuam apoiando Bolsonaro, promotores da Lava Jato, ganhando força política com o crescimento econômico acelerado do Centro-Oeste.

Até agora, o governo Lula tenta equilibrar os interesses dos capitalistas com o apoio popular, com alguma tímida recomposição salarial. Mas não tem obtido resultados em nenhum dos dois campos. Mantém um “arcabouço fiscal” para controlar os gastos públicos, cortando direitos sociais, mas ainda abaixo do exigido pelo grande capital. Mantém juros altos para atrair investimentos e conter a inflação, mas com pouco sucesso. O PIB cresceu 3% em dois anos consecutivos — algo que não ocorria há mais de uma década — e o desemprego está nos níveis mais baixos desde 2012, mas a percepção da população é diferente. Vive-se uma grande precarização do trabalho e a inflação dos produtos de consumo, como alimentos, é muito maior do que os índices oficiais indicam.

— O que você pode nos dizer sobre o mundo do trabalho no setor?

LL: Na Petrobras, houve conflitos recentes e significativos, como a greve nacional dos petroleiros em defesa dos direitos no trabalho híbrido— a primeira greve nacional petroleira desde 2020 — e mobilizações de trabalhadores terceirizados. A partir do sindicato dos petroleiros do Rio de Janeiro, impulsionamos uma campanha para pôr fim à jornada 6 x 1 na Petrobras, e conseguimos que os 18 sindicatos do setor a adotassem, à sua maneira, essa pauta como uma das pautas da greve nacional de 26 de março.

Essa campanha pelo fim da escala 6×1 ganhou simpatia em um contexto mais amplo no país, com apoio de milhões de assinaturas a uma petição online pelo fim desta escala. Também se popularizou o movimento “Vida Além do Trabalho” [VAT]. No caso do sindicato do Rio, o maior do setor no país, atuamos como minoria, impulsionando essa luta por unidade e igualdade de direitos entre os trabalhadores.

Atualmente, o sistema Petrobras conta com 55 mil trabalhadores efetivos e mais de 110 mil terceirizados. É preciso combater essa divisão, que serve para enfraquecer a organização operária, garantir a privatização e os lucros. Trata-se de um setor onde os trabalhadores possuem poder estratégico. E lutamos com a perspectiva de reverter a privatização dos últimos anos, reestatizar sem indenização, e construir uma Petrobras 100% estatal, administrada democraticamente pelos trabalhadores, junto a ambientalistas e especialistas eleitos em universidades públicas. O crescimento da produção no Brasil não tem beneficiado a maioria: hoje, produzimos 4,6 milhões de barris de óleo equivalente por dia, consumimos 2,5 milhões e exportamos o excedente. Os lucros vão para os acionistas privados.

Reconhecemos a catástrofe climática que enfrentamos, debatendo suas causas e rejeitando projetos como o da exploração na Foz do Amazonas — o que é um grande debate nacional a se fazer. Os petroleiros devem defender não apenas seus empregos e salários, mas uma perspectiva que assegure condições de vida para todo o planeta, enfrentando os capitalistas.

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